Ficha do Proponente
Proponente
- Francisco Ewerton Almeida dos Santos (UFPA)
Minicurrículo
- Possui doutorado em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina (2020). É professor da Escola de Aplicação Universidade Federal do Pará, onde coordena o projeto de pesquisa Estudos de Cinemas e Literaturas Africanas em Língua Portuguesa (ECLALP). Atua também nos programas de pós-graduação PROFARTES e PROFLETRAS da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Ficha do Trabalho
Título
- Literatura ,Cinema e descolonização em Moçambique: de Dina a Deixem-me ao menos subir às Palmeiras
Seminário
- Estudos Comparados de Cinema
Resumo
- O estudo analisa o filme Deixe-me pelo menos subir ao Palmeiras (1974), adaptação do conto “Dina” de Bernardo Honwana, explorando a tradução intersemiótica entre literatura e cinema com base em Hutcheon e Cluver. Contextualiza narrativas africanas lusófonas na colonização e lutas anticoloniais, investigando cultura e imperialismo com base em Said, Shohat, Stam, Fanon e Mondlane. Examina desigualdades do colonialismo em Moçambique e adaptação fílmica pelo viés pós-colonial.
Resumo expandido
- Este trabaho centra-se na análise do filme Deixe-me pelo menos subir ao Palmeiras (1974), dirigido por Lopes Barbosa, que adapta o conto “Dina”, presente no livro Nós Matamos o Cão Tinhoso (1964), de Bernardo Honwana. A obra literária de Honwana destaca-se por seu ativismo anticolonial e pela linguagem que mistura o português padrão com elementos da oralidade moçambicana, inaugurando uma nova abordagem na literatura de Moçambique. Por outro lado, Lopes Barbosa, cineasta português que viveu em Angola e Moçambique, realizou um filme crítico ao colonialismo, desafiando as diretrizes de propaganda do governo salazarista, fato que levou ao embargo comercial da produção.
O conto e o filme denunciam as desigualdades e violências do colonialismo em Moçambique, como segregação racial, trabalho forçado e apartheid, enquanto desmascaram o mito do “colonizador amoroso” promovido pelo lusotropicalismo. A narrativa fílmica, embora mantenha o cerne da trama, destaca a rebelião dos trabalhadores forçados, acrescentando um desfecho de quebra da servidão. O foco da investigação, portanto, busca compreender as relações intersemióticas entre literatura e cinema, além de inserir as obras no contexto político e social da época.
O estudo analisa a necessidade de abordar formas de expressão periféricas, como a literatura de Honwana e o cinema de Lopes Barbosa, que oferecem contranarrativas ao colonialismo europeu. Esse cinema é associado ao chamado “Cinema do Terceiro Mundo”, que emergiu entre os anos 1960 e início de 1970 e foi influenciado por autores como Frantz Fanon, cuja obra Os Condenados da Terra argumenta que o colonialismo relega os povos dominados a uma posição marginal. Fanon mostra como os colonizados resistem à imposição cultural da metrópole, algo presente nas narrativas cinematográficas e literárias do Terceiro Mundo.
Para analisar as obras, este trabalho utiliza conceitos de tradução intersemiótica. Segundo Jakobson (1995), essa tradução implica na interpretação de signos verbais por sistemas de signos não-verbais, destacando-se como uma recriação que gera novos significados. Klaus Clüver também aponta o caráter subversivo das adaptações intersemióticas, propondo que os estudos devem partir do texto-alvo para compreender as transformações realizadas no texto-fonte, enquanto evidenciam as implicações culturais e narrativas dessas mudanças.
Além disso, a pesquisa adentra o campo narratológico ao discutir aspectos como o tempo e o ponto de vista narrativo, ambos essenciais na transposição da literatura para o cinema. No caso específico do filme de Lopes Barbosa, não há um narrador em off, mas os recursos cinematográficos—como enquadramentos, movimentos de câmera e decupagem—desempenham o papel de conduzir a narrativa.
No âmbito da crítica pós-colonial, é necessário esclarecer as relações entre literatura, cinema e imperialismo. Obras canônicas do Ocidente frequentemente reproduziram o silenciamento das vozes dos povos colonizados. Edward Said propõe a “leitura de contraponto” como forma de evidenciar os elementos marginalizados dessas produções culturais. Shohat e Stam ampliam essa abordagem ao propor uma hermenêutica cinematográfica que recupere vozes suprimidas nos meios de comunicação, permitindo a reimaginação de narrativas ocultadas.
Ao contrastar o conto de Bernardo Honwana e o filme de Lopes Barbosa, este estudo busca revelar o ponto de vista do sujeito dominado, destacando as narrativas dos marginalizados e suas resistências ao imperialismo. As obras literária e cinematográfica analisadas constituem um contraponto às produções culturais europeias, permitindo uma leitura crítica do passado colonial e oferecendo perspectivas que iluminam histórias muitas vezes silenciadas.
Com isso, esta pesquisa se propõe a ampliar o diálogo sobre tradução intersemiótica e contranarrativas pós-coloniais, examinando as especificidades históricas, culturais e ideológicas das obras em foco.
Bibliografia
- CLÜVER, Claus. “Inter Textus / Iter Artes / Inter Media”. Aletria. Jul-dez. 2006. p. 11-41.
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de Enilce Albergaria Rocha e Lucy Magalhães. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.
HONWANA, Bernardo. Nós matamos o cão Tinhoso. São Paulo: Editora Kapulana, 2027.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Tradução de André Cechinel. Florianópolis: Ed. UFSC, 2013.
MONDLANE, Eduardo. “A estrutura social – Mitos e Factos”. In: SANCHES, Manuela Ribeiro (Org.). Malhas que os impérios tecem. Textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011a. P. 309 – 332.
SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. Tradução: Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SHOHAT, Ella; STAM; Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. Tradução de Marcos Soares. São Paulo: Cosac Naif. 2006.
STAM, Robert. “Teoria e prática da adaptação: da fidelidade a intertextualidade”. Revista Ilha do Desterro. nº 51, jul./dez. 2006. p. 19-53.