Ficha do Proponente
Proponente
- Lia Bahia (UFF)
Minicurrículo
- Lia Bahia é professora e pesquisadora do departamento de cinema e vídeo da UFF. Realiza investigações sobre economia política do cinema e do audiovisual, com foco em políticas públicas, e integra o Fórum de Tiradentes. Trabalhou na gestão pública com políticas de fomento, formação e difusão e publicou o livro “Discursos, políticas e ações: processos de industrialização do campo cinematográfico brasileiro” entre outros textos.
Coautor
- Sheila Schvarzman (UAM)
Ficha do Trabalho
Título
- Soberania Imaginativa em Disputa: A Filmes de Plástico e as Estratégias da Netflix
Seminário
- Políticas, economias e culturas do cinema e do audiovisual no Brasil
Resumo
- Em tempos de debate sobre regulação do VOD no Brasil, o anúncio do novo filme da Filmes de Plástico, em parceria com a Netflix, gerou surpresa. Este trabalho irá analisar e levantar questões sobre este encontro a partir do projeto político da plataforma estadunidense que serve como estratégia para esvaziar e despolitizar a regulação no país e as reverberações éticas e estéticas nos filmes brasileiros que produzem e para o audiovisual brasileiro contemporâneo.
Resumo expandido
- A reordenação da geopolítica do audiovisual do século XXI vem se estruturando a partir da abundância de obras, excesso de telas, novas formas de circulação e relações desiguais de poder. As plataformas de vídeo sob demanda, em especial, vêm acionando mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais globais no audiovisual.
Em meio a esse quadro, no Brasil, A Filmes de Plástico, produtora de Contagem (MG), criada em 2009, a partir de projeto de alcance cultural e social que previa a inclusão de sujeitos históricos ausentes ou invisibilizados no campo cinematográfico brasileiro, gerou transformações de toda ordem. (BAHIA, 2023). Com propostas originais e distantes dos agentes tradicionais, esses atores sociais acrescentam novos posicionamentos para o direcionamento das políticas públicas para o cinema afetando narrativas e estéticas.
A produtora de André Novaes de Oliveira, Maurílio Martins, Thiago Macêdo e Gabriel Martins, da periferia de Minas Gerais, como em Marte Um, de Martins, tinha um sonho, fazer cinema e se ver representado na tela. Ao longo destes anos, realizaram curtas e longas-metragens celebrados pela crítica, com projetos que fazem uso de editais de fomento e circuitos de festivais, sem abrir mão de uma ética e estética de fazer cinema que incide: na composição das equipes com maioria de não-atores, assinaturas coletivas, narrativas cotidianas no território, volume de orçamento (B.O), formas de circulação das obras, entre outros.
Essa arquitetura produtiva, ancorada na temporalidade cotidiana e no território, como já se via no excepcional Fantasmas (2010), de André Novaes, e nos outros que vieram, inclusive com a indicação, em 2021 de Marte Um, pelos críticos como o filme brasileiro para concorrer ao Oscar, deu maior visibilidade à produtora, que entretanto, continuou fazendo seus filmes ao seu modo. Criou uma distribuidora própria, a Malute, arriscando um modelo pouco usual no Brasil.
O anúncio da parceria com a Netflix, em momento de intensificação dos debates sobre regulação do VOD no Brasil e criação da Strima, a associação das maiores plataformas que atuam no Brasil, gerou surpresa. Ao invés de se voltar para as produtoras habituais do Rio e São Paulo, a parceria da Filmes de Plástico com a Netflix para o novo longa Vicentina Pede Desculpas, de Gabriel Martins, ainda é uma “caixa preta” que dá a medida das iniciativas da Netflix para contornar e atenuar a regulação que o setor audiovisual reclama para essas empresas internacionais.
Conforme analisa Rossato Fernandes (2023), as estratégias políticas da Netflix para os países ibero-americanos passam pelo reconhecimento neoliberal (Fraser), ao incluir um discurso e uma prática de atenção às pautas de diversidade e inclusão, conteúdos culturais nacionais, em sua atuação corporativa com parcerias com órgãos oficiais (Cinemateca Brasileira, por exemplo) e nos filmes da plataforma (Schvarzman, 2025). Esses procedimentos vêm amortecendo as reinvindicações de direitos dos trabalhadores que aceitam como dado o seu ‘modelo de negócio’, em busca de oportunidades de trabalho. Um longa-metragem da Filmes de Plástico expressa essa política da empresa que está alinhada à “tendências internacionais” para além dos direcionamentos das políticas brasileiras.
Esse procedimento não é novo. A construção da hegemonia de Hollywood se baseou no investimento em dados e informações, construção do gosto e presença do estado promocional (Butcher, 2024). Entretanto, na atualidade a penetração se dá diretamente na exploração do trabalho e criação, pela intromissão direta na construção de narrativas produzidas no país, sobre o país, além da mineração de dados.
Miramos a conjunção entre a Filmes de Plástico e a Netflix a partir da economia política e da historiografia do cinema brasileiro, acompanhando caminhos possíveis e suas reverberações éticas e estéticas no campo da produção e circulação e pela defesa da construção de uma “soberania imaginativa” (REIS, COSTA e GOMES, 2025).
Bibliografia
- BAHIA, Lia. Políticas públicas para o cinema e audiovisual em três atos: os movimentos do cinema e audiovisual no Brasil nos anos 2000 in Revista Espirales, Foz do Iguaçu, v. 7, n. 2, 2023, p. 27-42.
BUTCHER, Pedro. Hollywood e o mercado de cinema no Brasil: Princípios de uma hegemonia. Belo Horizonte: Letramento, 2024.
Fernandes, Marina R. e Albornoz. Luis A. Netflix as a policy actor: Shaping policy debate in Latin America. Journal of Digital Media & Policy.Volume 14, n. 2, 2023, pp. 249–268.
OLIVEIRA, Novais André. Temporada. Belo Horizonte: Javali, 2021.
REIS, Francis Vogner, COSTA, Juliana e GOMES, Juliano. In Catálogo 28 Mostra de Tiradentes, Universo Produção, 2025.
Schvarzman, Sheila. O protagonismo negro enfim faz sucesso: A autorrepresentação em Medida Provisória e Marte Um. In Matrizes. V.18 – Nº 2 , 2024, São Paulo, pp. 87-109.
ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Intrínseca, 2020.