Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Milena de Lima Travassos (UNIAESO)

Minicurrículo

    Doutora em Comunicação e Cultura (UFRJ). São seus focos de estudos: a teoria da imagem, a teoria e história da arte, a estética; dando ênfase ao audiovisual, à fotografia e às artes visuais. Artista visual ligada à fotografia, ao vídeo, à videoinstalação e à videoperformance. Professora no curso de Cinema e Audiovisual do Centro Universitário AESO – Barros Melo – UNIAESO.

Ficha do Trabalho

Título

    As casas: montagem de ideias no cinema de Andrei Tarkovski

Seminário

    Estética e Teoria da Direção de Arte Audiovisual

Resumo

    Cenas marcadas pela presença de casas nos filmes O Espelho, Nostalgia e O Sacrifício, de Tarkovski, são “lidas” em uma tradução alegórica. Aspectos estéticos e conceituais dessas casas nos conduziram para as ideias de Casa-bosque, Casa-templo e Casa-cópia. Nos atemos ao que é visível e confere linguagem às cenas; portanto, à presença da direção de arte enquanto procedimento criador de atmosferas. Nessa leitura, o pensamento de Benjamin e Agamben, somaram-se ao de Inês Gil e Vera Hamburger.

Resumo expandido

    A presença de uma casa marca estética e conceitualmente os filmes O Espelho, 1975, Nostalgia, 1983 e O Sacrifício, 1986, do diretor russo Andrei Tarkovski. Confere peso imagético e narrativo à obra do diretor, e contribui para construção da atmosfera fílmica (GIL, 2005) desejada para as cenas. A casa, nesses filmes, reforça a sua importância como ambiente responsável por acolher relações e memórias familiares. Em cada obra mencionada, tal lugar é envolvido em novas camadas de significação. Foi com atenção e minúcia que a direção de arte conferiu forma material e visualidade a cada uma das ideias de casa almejada pela direção. Cenas desses filmes em que atmosferas sensoriais são criadas por meio da presença de uma casa, constituem o objeto desta pesquisa.
    No filme O Espelho, aproximo a casa da ideia de natureza imemorial, constituída por seu próprio tempo. Assim, temos a Casa-bosque. Arejada, com amplas janelas, erguida de madeira. Abriga uma mulher, Marússia, seus dois filhos e um marido ausente. A passagem do tempo faz com que a casa seja completamente integrada ao bosque que antes a cercava. O espaço familiar converteu-se em campo aberto. Ruiu, dissolveu. Ela, que já continha um devir bosque – pois erguida da mesma matéria, desaparece vagarosamente na terra. O tempo agiu sobre ela, desfazendo-a, alargou suas dimensões. Integrou-a, por completo, ao bosque que a cobiçava.
    Em Nostalgia, a casa é fragmento da terra natal do poeta russo Andrei. Lugar que, na cena final do filme, repousa imerso, protegido pelas ruínas de uma abadia sem teto, aberta para o céu. Casa-templo. Além do poeta, a habitam sua esposa e um anjo, incomum personagem. Visões e lembranças da casa acompanham o poeta em sua viagem à Itália. Ela, mesmo longe, está sempre próxima, é presença constante nas visões e lembranças de Andrei. Na Itália, ele faz a sua casa na Rússia aproximar-se. Ao olhar para o horizonte, lá está a casa. Ninguém está por perto, só um anjo que caminha em direção à entrada da casa e lhe retribui o olhar. Sua presença é aurática e alegórica (BENJAMIN, 1984). Faz o longe (a Rússia) aproximar-se e, do mesmo modo, o próximo (a Itália) distanciar-se.
    No filme O Sacrifício, a casa da família é convertida em um presente miniaturizado dado por um filho ao seu pai, Casa-cópia. Miniatura da ampla casa de Alexander, Adelaide, sua esposa, e de seus dois filhos. A casa está sendo preparada para a comemoração do aniversário de Alexander. Em uma cena externa, vemos o aniversariante se deparar com a grande casa, seu reflexo na poça e a sua réplica. Original (paradigma), especular e cópia. A pequena Casa-cópia, seu presente de aniversário, é uma imagem-artimanha. Seu intuito é “despertá-lo”. O fazer ver, no pequeno, a dimensão colossal que tomou a sua casa.
    Imagens tais quais essas dizem não apenas de um recurso da linguagem cinematográfica, elas comportam o trabalho de uma direção de arte que colabora “na criação de atmosferas particulares a cada momento do filme e na impressão de significados visuais que extrapolam a narrativa” (HAMBURGER, 2014, p. 18). A relação entre imagens, enquadramentos, ritmos, cores, configuram um espaço energético composto por forças visíveis e invisíveis, que desencadeiam sensações e afetos. (GIL, 2005).
    A presença dessas casas, sua forma e atmosfera está implicada na moral criadora de Tarkovski. O que toma a dianteira nesse cinema é o enigma de uma visão, é o ter visto qualquer coisa inseparável do ter sentido alguma coisa. E a afecção não vem acompanhada de uma legenda explicativa. Introduzo a análise das cenas com uma breve descrição do que é visto, e sigo com uma leitura hermenêutica e alegórica (BENJAMIN, 1984) das mesmas. As palavras exercem uma ação criadora e destruidora; uma espécie de tradução (BENJAMIN, 2009). A narrativa que cerca essas cenas, não foi suprimida, mas, atenta a o “tudo isso atrás e junto” (DELEUZE, 2012,p.394) que também as constitui, proponho uma natureza e índole para as casas presentes nelas.

Bibliografia

    BENJAMIN, Walter. Ensaios reunidos: Escritos Sobre Goethe. São Paulo: Ed. 34, 2009.
    BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984. Trad. Portuguesa. Origem do Drama Trágico Alemão. Trad. João Barreto. Lisboa: Assírio e Alvim, 2004. Walter Benjamin – Origem do drama trágico alemão. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
    DELEUZE, Gilles. O que é o ato de criação? In: DUARTE, Rodrigo (org). “O belo autônomo – Textos clássicos de estética”. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.
    GIL, Inês. A atmosfera no cinema: O caso de A sombra do caçador de Charles Laughton entre o onirismo e realismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
    HAMBURGER, Vera. Arte em cena: a direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: Ed. Senac e Edições Sesc, 2014.
    RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005.
    TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2010.