Ficha do Proponente
Proponente
- Luiz Antonio Mousinho (UFPB)
Minicurrículo
- Professor Titular do Departamento de Comunicação e da Pós-graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba (mestrado e doutorado). Graduado em Jornalismo pela UFPB, fez mestrado em Letras na mesma instituição e doutorado em Teoria e história literária na Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. É autor de, entre outros, O mal-assombrado e iluminado dia diário: narrativa e vozes sociais no cinema e na TV (2023) e A carne herdada: narrativa e vozes sociais em Clarice Lispector (2023).
Ficha do Trabalho
Título
- Clarice Lispector no cinema e na TV
Resumo
- Pretendemos observar, em leitura comparada, diálogos entre A hora da estrela, de Clarice Lispector, o filme de Suzana Amaral e ainda o programa de TV Cena aberta/ A hora da estrela, com direção geral de Jorge Furtado. Ao mesmo tempo procuraremos analisar (pontualmente) soluções tradutórias em adaptações mais recentes da obra de Clarice, como O livro dos prazeres, de Marcela Lordy (2020); A paixão segundo GH, de Luiz Fernando de Carvalho (2018), e O Rio de Clarice (várias autoras, 2025).
Resumo expandido
- Desde seu lançamento, em 1985, A hora da estrela, de Suzana Amaral, provocou discussões em torno da possibilidade de se representar audiovisualmente o viés introspectivo da obra de Clarice Lispector, sem perdas estéticas significativas. A eliminação do narrador-protagonista, como processo de redução operado na adaptação, bem como a supressão dos centrais e recorrentes procedimentos metalinguísticos constituintes da narrativa literária, concorreram para se questionar na crítica jornalística e acadêmica aspectos da adaptação.
Num momento em que a obra de Clarice Lispector ganha outros públicos, impulsionada pela divulgação em redes sociais, por um lado, e pela tradução em inglês dos seus contos completos, que potencializou grandemente a difusão da obra, vamos observar mais centralmente, em leitura comparada, os diálogos entre o livro, o filme de Suzana Amaral e ainda o programa de TV Cena aberta, com direção geral de Jorge Furtado, no episódio que adapta a novela literária. Ao mesmo tempo procuraremos analisar (pontualmente) soluções tradutórias em adaptações mais recentes, como O livro dos prazeres, de Marcela Lordy (2020); A paixão segundo GH, de Luiz Fernando de Carvalho (2018), e O Rio de Clarice (várias autoras, 2025).
Não poderíamos dizer que o filme de Suzana Amaral descarta a sondagem do sentimento interiorizado da personagem, constituinte da novela literária e da filiação narrativa a qual pertence. O trabalho com o primeiro plano sobre o rosto de Macabéa captando seu desconcerto e seu desejo perante a existência, seu mirar-se no espelho em interface com trilha sonora melancólica e tensa, o uso de planos abertos – ou inclinados – nos encontros dela com Olímpico, ampliando o desequilíbrio entre os personagens, a construção do espaço narrativo com a exploração da interação dos personagens com áreas desertas da grande cidade são dados que vão escavando o lírico, o sentimento interiorizado e o traduzindo eficazmente em linguagem audiovisual.
Afora algumas dessas soluções tradutórias, não deixa de ser incontornável o desconforto com a eliminação do narrador-personagem e da reflexividade por parte de vários leitores das duas obras. O ensaísta Roberto Corrêa dos Santos percebe nas certezas do narrador do filme, ou na sua ausência de vacilação, um suturar a dúvida e suspender o “vibrátil estado ético” que sustenta as páginas da novela e, diríamos nós, o vertiginoso trânsito entre vida, morte e morte-em-vida de seus personagens. Aí reside a opção pelo narrador impessoal (conforme assina Robert Stam) e a eliminação do drama da linguagem que somem da tela, como tudo que representam enquanto enfrentamento da dor e do prazer no refletir e no encenar a existência.
Noutro viés, quanto a esses aspectos, o programa de TV Cena aberta, incorpora narrador-personagem e reflexividade. Revelando os bastidores de produção, apontando abertamente as manipulações de tempo, espaço e personagem, entre outras, o programa se constrói de cenas de ensaios, de representações do texto, de depoimentos pessoais de várias candidatas amadoras que tentam interpretar Macabéa, em entrevistas e falsas entrevistas, onde narram sua experiência e performam em meio às suas falas, trechos da novela literária.
Na abordagem que estamos propondo Narrador (Genette, 2017), personagem (Candido et al) e focalização (Genette, 2017; Reis, 2018; Gaudreault, Jost, 2009; Burgoyne, 1992) são conceitos que estarão na linha de frente, na observação em cotejo das obras (filme, novela, programa de TV e adaptações clariceanas recentes). Observaremos ainda, sobretudo no Cena Aberta, as ocasiões quando os personagens assumem função de narrar, no que configura a categoria subnarradores (ou narradores secundários, narradores delegados), que que são aqueles que narram, que se narram (Salles Gomes, 1992; Gaudreault , Jost, 2009). Dentre esses subnarradores, observaremos os momentos que embebem a narrativa em sua própria experiência (Benjamin, 1980).
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter et al. O narrador. In: BENJAMIN, Walter et al. Textos escolhidos, editado por Walter Benjamin et al. Tradução de Modesto Carone. São Paulo: Abril Cultural, 1980b. p. 57-74. (Col. Os pensadores).
BURGOYNE, Robert. Filme narratology. STAM, Robert et al. New vocabularies in film semiotics: Structuralism, Post-structuralism and beyond. London; New York: Routledge, 1992. p.70-124.
CANDIDO, Antonio et. al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1992.
GAUDREAULT, André; JOST, François. A narrativa cinematográfica. Trad. Adalberto Muller. Brasília: EDUNB, 2009.
GENETTE, Gérard. Figuras III. Trad. Ana Alencar. São Paulo: Estação Liberdade, 2017.
STAM, Robert. A literatura através do cinema: Realismo, magia e a arte da adap tação. Trad. de Marie-Anne Kremer e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: EDUFMG, 2008.