Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Ian Costa Cavalcanti (UFCG)

Minicurrículo

    Professor da UFCG, atua nas áreas de poéticas sonoras e audiovisual. Doutor em Comunicação pela UFPE (2024), mestre em Comunicação pela UFPB (2015) e graduado em Arte e Mídia pela UFCG (2011). Desenvolve pesquisa sobre desenho de som no audiovisual com foco em representações do realismo e hiper-realismo sônico, dinâmicas de produção audiovisual, cinema paraibano contemporâneo e gêneros audiovisuais.

Ficha do Trabalho

Título

    Ao som de um buraco negro: processo de criação de trilha sonora integrada em A noite amarela

Seminário

    Histórias e tecnologias do som no audiovisual

Resumo

    O presente trabalho investiga a construção da trilha sonora integrada do filme A noite amarela (Ramon Porto Mota, 2019), processo colaborativo baseado na formulação de conceitos abstratos para composição musical que acaba por desembocar em uma simbiose entre música e desenho de som. Para tanto, este estudo faz uso de análise fílmica e do espectro sonoro, apoiados no conteúdo de correspondências trocadas entre a equipe da obra durante o processo de pós-produção.

Resumo expandido

    O som no cinema é organizado em categorias funcionalmente demarcadas, fator que reflete e retroalimenta uma cadeia produtiva setorizada. Contemporaneamente, contudo, o processamento digital subverteu fronteiras ontológicas, engendrando um cenário em que os elementos sonoros frequentemente transcendem suas classificações originais e ratificam a porosidade latente de suas fronteiras de atuação e identificação. O presente trabalho se propõe a avaliar uma construção sônica inserida neste contexto: O filme paraibano A noite amarela (Ramon Porto Mota, 2019) contou com processo simbióticos entre desenho de som e composição musical em um método colaborativo pautado por conceitos abstratos para um panorama sonoro que flana entre música, paisagem sonora e a própria concretude de um monstro visualmente amorfo. Este estudo faz uso de análise fílmica (Aumont; Marie, 2004) e do espectro sonoro (Carreiro; Opolski; Meirelles, 2023) tendo por alicerce o contraste do material fílmico sob o prisma de correspondências que nortearam a construção sônica desta obra trocadas entre o diretor, o produtor, o compositor e o sound designer.
    Ao passo que Gorbman (1987) ao elencar funções da música no cinema trata da possibilidade da transgressão de padrões estabelecidos, Opolski (2024) compreende que sob a ótica figurativa e livre de compromissos miméticos, os sound effects ocupariam a mesma função que a música, corroborando com a ideia de outros pesquisadores contemporâneos que a separação entre forma e função entre efeitos sonoros e música se torna cada vez mais tênue (Donnelly, 2013; Buhler, 2019). É neste sentido que passamos a compreender a porosidade da fronteira entre efeitos sonoros e música baseada em elementos rítmicos e harmônicos compostas por efeitos sonoros e efeitos sonoros em que não é possível verificar o limite de sua representatividade ou diegese, incorporados em uma amálgama sônica que visa conduzir a emoção das cenas. Partindo do princípio de que as ferramentas para construção musical e desenho de som na contemporaneidade digital são as mesmas, Buhler (2019, p. 269) entende que a representação do som teria “ontologizado” a qualidade musical do efeito sonoro, criando um panorama que Neumeyer (2015) defende enquanto “trilha sonora integrada”, na qual a rigidez da taxonomia não é desprezada, mas constantemente subvertida, não se restringindo aos efeitos sonoros e música.
    A circunstância descrita é latente em A noite amarela, narrativa de suspense que trata de um grupo de jovens amigos que viaja até uma ilha onde estranhos fenômenos físicos acontecem. Cercada de incertezas que se ancoram na temática da física quântica abordada na trama, sua construção sônica é pautada em uma constante ambientação que se funde à música, onipresente enquanto o grupo está na ilha. A composição musical, recorrentemente atonal, também dá vazão a elementos concretos que podem ser entendidos enquanto diegéticos, como o caso do monstro que se apresenta como algoz na narrativa. Porém, ao não ser materializado visualmente e por haver variações de sua constituição sonora, não é possível determinar a diegese ou a natureza deste som.
    O processo de criação desta dimensão sônica pautada na incerteza ocorreu baseado na atribuição de conceitos vagos como “o soar de um buraco negro”, “muitos olhos, nenhum rosto” ou “olhar para o abismo” que foram formulados por Ramon Mota e o produtor Jhésus Tribuzi e destinados ao compositor Vito Quintans para a elaboração musical, que criou amostras a partir de sua interpretação das abstrações. As peças então eram passadas para basear a montagem e posteriormente serviriam de fulcro para a construção do desenho de som de Léo Bortolin, que reutilizou e reconfigurou as músicas no sentido de uma integralidade da trilha, sonoridades que se converteram em “vazios do tempo”, tensão, rememoração e mesmo a materialidade do monstro, evidências demonstradas não apenas nas correspondências, mas também na aferição do espectro sonoro desta obra.

Bibliografia

    AUMONT, J.; MARIE, M. A análise do filme. Lisboa: Texto & Grafia, 2004.
    BUHLER, J. Theories of the soundtrack. Nova Iorque: Oxford University Press, 2019.
    CARREIRO, R., OPOLSKI, D., SOUZA, J. (orgs.). O som do filme: uma introdução. 2 ed. e rev. Curitiba: Editora UFPR, 2024.
    CARREIRO, R., OPOLSKI, D., MEIRELLES, R. A imersão sonora no cinema. São José dos Pinhais: Estronho, 2023.
    CHION, M. A audiovisão: som e imagem no cinema. Lisboa: Texto & Grafia, 2011.
    DONNELLY, K. J.. Extending Film Aesthetics: audio beyond visuals. In: RICHARDSON, J.; GORBMAN, C.; VERNALLIS, C. The Oxford Handbook of New Audiovisual Aesthetics. Nova Iorque: Oxford University Press, 2016. p. 357-371.
    GORBMAN, C. Unheard Melodies, Narrative Film Music. Indiana: Indiana University Press, 1987.
    NEUMEYER, D. Meaning and Interpretation of Music in Cinema. Bloomington: Indiana University Press, 2015.