Ficha do Proponente
Proponente
- Diana de Oliveira Souza Reis (PósCom/UFBA)
Minicurrículo
- Diana Reis é mestranda no Póscom/UFBA, bacharela de Artes com ênfase em Cinema e Audiovisual. É realizadora do Cineclube Violeta e do Lesbos Videocast, projetos alinhados sua pesquisa sobre representação lésbica no cinema e no audiovisual. Integra o Laboratório de Análise Fílmica (LAF) e é curadora do Cineclube Nanook, projeto de extensão voltado à exibição de documentários.
Ficha do Trabalho
Título
- Construindo uma Memória Audiovisual Sapatão da Cidade de São Paulo com o Coletivo Sapatrônica
Eixo Temático
- ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS
Resumo
- A partir da análise de curtas realizados pelo Coletivo Sapatrônica, esta comunicação aponta dispositivos acionados na construção da cartografia afetiva da cidade de São Paulo através do audiovisual. Os produtos revelam um gesto etnográfico que reflete a necessidade do arquivamento das memórias de pessoas lésbicas no contexto da dupla in/visibilidade dos seus corpos. Por meio da fabulação crítica, os curtas desenvolvem uma poética que elabora história e imaginação no seu processo cartográfico.
Resumo expandido
- Num passeio pela cartografia afetiva lésbica da cidade de São Paulo, proposta pelo coletivo Sapatrônica em seu Guia Audiovisual de memórias e afetos, evidencia-se a relevância do cinema e do audiovisual na construção de espaços e memórias para grupos subalternizados, em especial para pessoas lésbicas. O resultado do projeto, que iniciou em 2022, é o arquivamento de vivências e a elaboração de uma série de experiências sensoriais e afetivas de pessoas lésbicas na cidade, disputando a centralidade da memória e a ocupação do espaço urbano. Destacam-se como produtos dos Laboratórios de Criação os mini-docs e os vídeo poemas, que costuram memórias enquanto dão corpo às vivências dos diferentes caminhos traçados pelas pessoas que participam das obras. Por meio da análise dos curtas São Paulo: Território Sapatão (Marina Bastos, 2024); Fervo de Fancha: Direito à Ruína (Marina Bastos, 2024); Beijo Feio (Jenn Cardoso, 2024) e Um Sapatão na Caminhada (Formigão e Marina Bastos, 2024) apontam-se os dispositivos acionados pelas autoras das obras para criar suas narrativas. Entrevistas, arquivos pessoais e performances são alguns dos recursos sob os quais o coletivo lança mão para construir sua cartografia, que invoca um gesto etnográfico ao olhar para essas vivências através do audiovisual. As produções são coletivas e inspiradas em experiências pessoais. São memórias individuais que revelam fragmentos de histórias não oficiais da cidade de São Paulo, contribuindo para uma visão mais complexa do espaço urbano e refletindo sobre como a cartografia das cidades podem revelar processos de invisibilização e marginalização de determinados grupos.
Para Catherine Russell (1999) “A autobiografia torna-se etnográfica no ponto em que a cineasta ou videomaker entende que sua história pessoal está implicada em formações sociais e processos históricos mais amplos” (RUSSELL, 1999, p. 276). Por este ponto de vista, entende-se neste trabalho que as produções audiovisuais do coletivo Sapatrônica, por meio do mapeamento de espaços subjetivamente políticos para este grupo, colabora com a construção de uma memória coletiva de São Paulo. A vivência sexual das personagens têm “geografia e horário” para ocupar a cidade, como destaca Rita Quadros, uma das entrevistadas de Fervo de Fancha: Direito à Ruína, evidenciando ainda que o espaço público, de forma geral, não tem acolhido as pessoas lésbicas, reforçando a importância do mapeamento dos espaços de resistência urbana. Em Beijo Feio, uma performance entre diferentes pessoas que se beijam em diversos espaços da cidade reivindica o direito às sexualidades dissidentes no centro. O aspecto social é central neste trabalho e aponta para a noção da memória coletiva enquanto processo de arquivamento, registro daquilo que é preservado e passado adiante. No campo do cinema, Ana Caroline de Almeida (2024) destaca que “há uma constante associação entre o conceito de arquivo como a produção de uma memória coletiva” (de Almeida, A. C., 2024, p. 80). A produção audiovisual acerca de figuras lésbicas reflete a necessidade do arquivamento dessas memórias no contexto da dupla in/visibilidade de corpos lésbicos (Brandão, A; Sousa, R. L., 20019), o da vivência em sociedade e o da representação no cinema e audiovisual.
Este trabalho propõe, então, uma leitura das obras selecionadas enquanto contra-arquivos sapatão da cidade de São Paulo, nos termos defendidos por Almeida, para quem a ideia de contra-arquivo indica “[…] um gesto ativo de intervenção sobre essa memória, mas sobretudo […] uma ação que chama atenção para uma estrutura de apagamento dos imaginários consensuais” (de Almeida, A. C., 2024, p. 80). Buscando preencher as lacunas da história oficial, Saidiya Hartman (2020) propõe a fabulação crítica como método em que história e imaginação são elaboradas para contornar os vazios da memória de grupos subalternizados, poética que se identifica também nos curtas selecionados para esta comunicação.
Bibliografia
- de ALMEIDA, A. C. (2024). Pela produção de um contra-arquivo do imaginário de freiras lésbicas no cinema e na TV. Logos, 31(1). Recuperado de https://www.e-publicacoes.uerj.br/logos/article/view/81015
BRANDÃO, Alessandra; SOUSA, Ramayana Lira. A in/visibilidade lésbica no cinema. In: Holanda, Karla. (org.). Mulheres de Cinema. Rio de Janeiro: Numa, 2019.
CVETKOVICH, Ann. An Archive of Feelings: Trauma, Sexuality, and Lesbian Public Cultures. Durham: Duke University Press, 2003.
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução: Cláudia de Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
HARTMAN, Saidiya. Vênus em dois atos. Tradução: Fernanda Silva e Sousa; Marcelo R. S. Ribeiro. Revista ECO-Pós, v. 23, n. 3, p. 12–33, 2020.
RUSSELL, Catherine. Experimental ethnography: The work of film in the age of video. Duke University Press, 1999.
TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte : Editora UFMG