Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Brener Neves Silva (UFF)

Minicurrículo

    Doutorando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (PPGCine/UFF), mestre em Cinema e Audiovisual pela mesma instituição e graduado em Produção Audiovisual pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Editor da seção de Cinemas Indígenas no Observatório de Cinema e Audiovisual (OCA) da UFF.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinematografias indígenas e a construção de atmosferas: o caso do cinema Mebêngôkre-Kayapó

Seminário

    Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas

Resumo

    Os cineastas Mebêngôkre-Kayapó filmam seus rituais tradicionais desde meados da década de 1980, quando perceberam a possibilidade de usar os registros audiovisuais como memória cultural. Esses filmes-rituais têm produzido atmosferas cinematográficas particulares que são incididas pelas suas cosmologias. Esta pesquisa propõe investigar a construção dessas atmosferas, tensionando os paradigmas teóricos predominantes e propondo novas perspectivas nos estudos de atmosfera no cinema.

Resumo expandido

    Nas últimas décadas, o cinema Mebêngôkre-Kayapó, do Pará, vem ganhando cada vez mais espaço com o surgimento de novos cineastas e circulação de seus filmes. Isso começou a se intensificar desde a realização de projetos como o Mekaron Opoi D’joi, (Rios, Pereira e Frota, 1987), em 1985, e o Kayapo Video Project (Turner, 1993), em 1992, quando diversos Mebêngôkre se formaram enquanto cineastas, possibilitando criarem suas próprias narrativas audiovisuais, com ênfase para a filmagem de rituais tradicionais. Assim como em todo filme, nessas produções é possível notar a construção de atmosferas cinematográficas particulares.
    Por atmosfera, parte-se da perspectiva de Inês Gil (2002): é a relação das pessoas com o ambiente ao seu redor, isto é, a atmosfera enquanto fenômeno sensível que intervém na relação das pessoas com o meio em que estão inseridas. A autora (Id., 2005) também afirma que a atmosfera é como algo intangível, porém, o cinema consegue manifestá-la por meio de seus próprios recursos audiovisuais. Embora sua definição seja complexa, sua percepção é mais fácil de compreender, pois trata-se de um componente do filme que desperta sensações no espectador. Para Miranda (2022, p. 3), “a noção de atmosfera é utilizada, de modo geral, como uma espécie de tom que perpassa pelos espaços e pelas obras”, ou seja, não se restringe a elementos isolados, mas a uma sensação geral que permeia o filme.
    Dessa forma, nas últimas décadas, observa-se que há um desenvolvimento do campo de pesquisa da atmosfera, que toma os aspectos etéreos dos fenômenos sociais como foco de análise, como no caso do audiovisual, constituindo os estudos de atmosfera cinematográfica. Contudo, essa literatura parece ser majoritariamente voltada para o cinema não indígena. Para Gil (2005), a atmosfera no cinema pode ser “fabricada” através de meios fílmicos, como a direção de atores, o trabalho da luz e do som, flashbacks, elipses, montagem e atuação. De modo similar, Lo Brutto (2002, p. 28) afirma que “o diretor de fotografia pode trazer atmosfera para o set pelo uso de gels coloridos, pela escolha de lentes, iluminação e com fumaça e difusão”.
    Entretanto, no caso dos cinemas indígenas, os aspectos apontados pelos autores ocupam um papel secundário diante da vontade de registrar imagens e sons como projeto político de luta, resistência e memória. Nos filmes Mebêngôkre, ao analisar a atmosfera, deve-se considerar que estamos diante de uma cinematografia particular com seus códigos próprios que se afasta dos paradigmas estabelecidos pelas cinematografias dominantes e se desloca para outras possibilidades estéticas: as temporalidades são diversas, parece haver ausência de um roteiro linear, existe a possibilidade de cortes ou não, além da flexibilidade quanto à presença ou não de atores, ampliando, assim, as possibilidades estéticas e narrativas. Isso demonstra que a atmosfera nessas obras apresenta diferenças substanciais com relação às produções não indígenas.
    No cinema Mebêngôkre, mais importante que pensar roteiro, contratação de atores, atuação, manter atenção detalhada à continuidade entre planos na montagem, entre outros aspectos, é o que as imagens e sons representam para a cultura de seu povo, pois cinema é luta e resistência para manter a cultura viva. Essa perspectiva faz com que o cinema seja um território de resistência, reafirmando a centralidade da cosmologia indígena na construção dessas obras. Isso nos leva aos questionamentos: como embasar os estudos de atmosfera no cinema indígena com uma literatura que foca, em grande parte, em produções que não dialogam com suas realidades? Como definir a “atmosfera fílmica” no contexto dos cinemas indígenas?
    Diante desse cenário, esse estudo busca problematizar os estudos sobre atmosfera no cinema a partir da perspectiva do cinema indígena, tensionando os paradigmas teóricos predominantes e propondo novas leituras que considerem as especificidades epistemológicas e estéticas dessas cinematografias.

Bibliografia

    GIL, Inês. A Atmosfera Fílmica como Consciência. In: Caleidoscópio: revista de comunicação e cultura, Portugal: Edições Univarsitárias Lisófogas, n. 2, 2002. p. 95-101.
    __________. A atmosfera no cinema: o caso de A Sombra do Caçador, de Charles Laughton, entre onirismo e realismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2005.
    LO BRUTTO, Vincent. The Filmmakers Guide to Production Design. New York: Allworth Press, 2002.
    MIRANDA, Mariana Dias. Atmosfera fílmica e abismos do tempo: a melancolia pictórica em Portrait de la jeune fille en feu (2019). Revista Portuguesa da Imagem em Movimento, v. 9, n. 2, p. 3-26, 2022.
    RIOS, Luis Henrique; PEREIRA, Renato; FROTA, Mônica. Mekáron Opoijoie. Caderno de Textos Antropologia Visual. Rio de Janeiro: Museu do Índio, 1987.
    TURNER, Terence. Imagens desafiantes: a apropriação Kaiapó do vídeo. Revista de Antropologia, v. 36, p. 81-121, 1993.