Ficha do Proponente
Proponente
- Mônica Mourão Pereira (UFRN)
Minicurrículo
- Possui graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (2004), mestrado (2009) e doutorado (2016) em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Integra o conselho consultivo do Centro de Referência em Direitos Humanos Marcos Dionísio. Coordena o Grupo de Investigações sobre Linguagem, Memória e Representação (GILMaR).
Ficha do Trabalho
Título
- “Ainda estou aqui”, a memória da ditadura civil-militar (1964-1985) e as disputas ideológicas
Resumo
- O atual fenômeno em torno do filme “Ainda estou aqui” (Walter Salles, 2024) evidencia as vivas disputas em torno da memória da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985) e o papel do cinema e do audiovisual neste processo. Com este trabalho, pretende-se compreender como o filme constrói a memória da ditadura civil-militar, além de sua recepção, a partir de comentários de perfis de jornais no Instagram e de vídeos veiculados em canais de direita no YouTube.
Resumo expandido
- O filme “Ainda estou aqui” está intrinsecamente ligado às informações coletadas pela Comissão Nacional da Verdade sobre a tortura, assassinato e ocultação do cadáver do ex-deputado Rubens Paiva1. Ao mesmo tempo, a ausência de uma política de memória consistente sobre a ditadura civil-militar no Brasil também impacta o filme. Os dois saltos temporais mostram dois momentos de reconhecimento estatal em relação ao assassinato de Rubens Paiva por militares: o atestado de óbito, em 1996, e as descobertas da Comissão Nacional da Verdade, em 2014. Caso houvesse uma política de memória consistente no Brasil seria preciso que o cinema contasse essas histórias dessa maneira? Qual o impacto de um filme sobre a ditadura nas disputas de memória da ditadura civil-militar brasileira? E sua repercussão entre os grupos de direita e esquerda?
No caso de “Ainda estou aqui”, que conta a história de uma família branca e (na primeira parte do filme) rica, Fernanda Torres2, premiada com o Globo de Ouro ao interpretar Eunice Paiva, considerou que o filme conseguiu “furar a bolha” (SANTOS, 2025). A despeito da impressionante bilheteria de 5,67 milhões de espectadores, a terceira maior da história do cinema brasileiro, sendo o único do gênero “drama” nesse ranking, um olhar um pouco mais atento para a repercussão do filme mostra que ele incomodou a direita.
Uma pesquisa exploratória de recepção (MOHAMED, 2013) ao filme na internet mostra que parte dos comentários em postagens de notícias no Instagram são alinhados ao discuso da extrema-direita brasileira. Eles afirmam que as premiações no Globo de Ouro (melhor atriz dramática) e no Oscar (melhor filme internacional) foram resultado apenas da campanha feita pela Globoplay, uma das produtoras do filme, e que se trata de uma “cota” para o cinema brasileiro. Também há comentários que criticam o uso da Lei Rouanet e outros que associam a prisão arbitrária de Rubens Paiva às prisões dos golpistas de 8 de janeiro.
A associação também foi feita no ato organizado por Jair Bolsonaro em São Paulo no dia 16 de março de 2025, quando apoiadores do ex-presidente levaram cartaz com o nome do filme para pedir anistia aos golpistas. O youtuber Rasta, em vídeo sobre o filme para o canal de YouTube da produtora de direita Brasil Paralelo, usa este mesmo discurso que tem reverberado entre a extrema-direita nas redes sociais. Por outro lado, militantes do Levante Popular da Juventude realizaram um escracho em frente à casa de um dos assassinos de Rubens Paiva, José Antônio Belham, no dia 24 de fevereiro de 2025. No dia 4 de março seguinte, o bloco de carnaval Orquestra Voadora fez cortejo no mesmo lugar, aos gritos de “Sem anistia!”, conectando os assassinos da ditadura e os golpistas de 2023.
O filme “Ainda estou aqui” gerou repercussão também na política institucional. Em 23 de janeiro de 2025, foi feita uma correção na certidão de óbito de Rubens Paiva, responsabilizando o Estado pela sua morte violenta; o governo Lula decidiu fazer um pedido de desculpas às famílias de desaparecidas e desaparecidos políticos da ditadura de 1964; e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino propôs que não haja anistia para os crimes de ocultação de cadáver.
Ações como essas mostram que certamente o cinema seguirá tendo papel fundamental na construção da memória de eventos traumáticos, como a ditadura civil-militar brasileira, para o futuro. A direção em que será construída a memória hegemônica deste período, contudo, segue incerta, com disputas que mostram que o passado está vivo e presente.
Bibliografia
- BAMBA, Mahomed. A recepção cinematográfica: teoria e estudos de caso. Salvador: EDUFBA, 2013.
LEPRI, Adil Giovanni. “Excesso, sensacionalismo e atrações: o audiovisual político nos sites de redes sociais”. 2019. 143 f. Tese (Doutorado em Cinema e Audiovisual) – Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual. Niterói, Universidade Federal Fluminense (UFF), 2019.
MOURÃO, Mônica. “A verdade da direita: a produção audiovisual de memória sobre a ditadura de 1964”. In: VALENTE, António Costa. Avanca Cinema 2019. Avanca: Edições Cine-Clube de Avanca, 20219. pp. 434-442.
SANTOS, Lilian. “Oscar 2025: Fernanda Torres diz que Ainda Estou aqui ‘furou a bolha’”. O Povo. Disponível em: https://www.opovo.com.br/vidaearte/cinema/2025/03/02/oscar-2025-fernanda-torres-diz-que-ainda-estou-aqui-furou-a-bolha.html. Acesso em: 3 abr. 2025.