Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Tainá Moraes (UFJF)

Minicurrículo

    Doutoranda em Comunicação Social (UFJF) e mestre em Comunicação Social (UERJ,2022), Tainá Moraes tem ampla experiência profissional em montagem audiovisual especialmente documentários curtos, longos e séries para tv e streaming. Foi membro da diretoria (2016-2019) e colaboradora (2023-atual) da Associação de Profissionais da edição audiovisual (edt.). Foi bolsista Qualitec (LCD/FCS/UERJ,2018-2020). Pesquisa principalmente os temas: cinema, montagem audiovisual, documentário e imagens de arquivo.

Ficha do Trabalho

Título

    A montagem-ensaio nos filmes de arquivo de Jean-Gabriel Périot

Seminário

    Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas

Resumo

    O objetivo desta apresentação é refletir sobre dois curtas-metragens, “Eût-Elle Été Criminelle…” (2006) e “200.000 fantômes” (2007) montados a partir de imagens de arquivo do cineasta Jean-Gabriel Périot, questionando a relação entre a palavra e o filme-ensaio identificada por Timothy Carrigan em seu livro “O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker” tensionando assim a noção de narrativa, linguagem e montagem audiovisual.

Resumo expandido

    Jean-Gabriel Périot é um cineasta francês que monta seus próprios filmes. Trabalhou como estagiário no Centro Pompidou, onde desenvolveu uma técnica de montagem de filmes de arquivos sem o uso da palavra, ou seja, sem cartelas ou narração. Seus filmes possuem um escopo histórico e político ao investigar a imagem de arquivo a partir do olhar contemporâneo, produzindo reenquadramentos e reinterpretações.
    Timothy Carrigan em seu livro “O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker” sugere uma necessária relação entre a palavra e a imagem nos filmes-ensaio. Porém, a obra de Jean-Gabriel Périot, em especial dois curtas metragens do começo de sua carreira, se mostram como uma fonte propícia para investigar a criação do filme-ensaio a partir da montagem. São eles: “Eût-Elle Été Criminelle…” (2006) e “200.000 fantômes” (2007).
    “Eût-Elle Été Criminelle…” é composto de trechos de documentários da II Guerra Mundial e montado em duas partes: (1) uma introdução composta por uma montagem frenética de imagens reconhecíveis da ocupação alemã da França durante a II Guerra Mundial, ao som de alguns acordes distorcidos de “A Marselhesa”, terminando com a liberação de Paris e as comemorações pelo fim da guerra, com o hino novamente ao fundo. (2) uma sequência menos frenética da montagem, com ênfase em produzir reenquandramentos de uma pequena quantidade de imagens, a partir da qual uma nova história passa a se desenrolar. Mulheres, antes ocultas na composição de imagens anterior, surgem agora tendo seus cabelos raspados, sendo seguradas e sacudidas pelos mesmos homens sorridentes de antes. São mulheres consideradas traidoras, que teriam se aliado aos alemães nos tempos da guerra. Aos poucos “A Marselhesa” ganha voz enquanto as imagens das mulheres de cabeças raspadas se tornam mais longas e mais nítidas, tornando o contraste entre a música grandiosa e a humilhação pública das mulheres cada vez mais desagradáveis para o espectador.
    “200.000 fantômes” é composto de 600 fotos, produzidas entre 1914 e 2006, de vários pontos ao redor do Genbaku Dome, em Hiroshima, Japão. As fotos são empilhadas uma a uma mantendo o domo do prédio no centro da imagem. Périot ignora deliberadamente a desproporção do enquadramento das fotos criando um certo caos visual, especialmente nas bordas da imagem, na medida em que as fotos vão sendo empilhadas em ordem cronológica. Porém, é esta mesma sensação caótica que nos permite ver as mudanças na cidade ao redor do prédio. A cidade cresce e exibe sua vida pulsante. A música calma é pontuada pelo som da passagem de um avião enquanto o bonde elétrico e os carros aparecem na ponte em frente ao prédio. A bomba atômica do dia 6 de agosto de 1945 é marcada por um clarão seguido do som de explosão, rápido e sem aviso, e sumindo para o silêncio e a tela escura. Após algumas imagens de total destruição, o Genbaku Dome ressurge em uma das fotografias, a música recomeça e as fotos voltam a ser empilhadas. Uma pessoa surge em uma foto. Aos poucos a cidade volta à vida. Enquanto a cidade cresce e se moderniza, o prédio permanece em ruínas como uma memória visível e necessária. É um filme sobre a resiliência de uma cidade e seu povo.
    Os dois curtas fazem uso de artifícios de montagem que, em geral, não aparecem em filmes já finalizados. Périot, por exemplo, ao reenquadrar as mulheres de “Eût-Elle Été Criminelle…” deixa visível a pouca qualidade da imagem quando esta é ampliada para além do recomendado tecnicamente. Com isso, Périot expõe a montagem ao espectador indicando, mesmo sem palavras, o que devemos questionar dessas imagens. Se para Corrigan a palavra é fundamental para a construção do filme-ensaio, nos casos apresentados, a montagem se mostra como o fio narrativo que conduz esses filmes ao ensaio. Assim, o objetivo é refletir sobre esses dois casos, tensionando a noção de narrativa, linguagem e montagem audiovisual.

Bibliografia

    AMIEL, V. Estética da Montagem. Lisboa: Texto&Grafia, 2010.
    AUMONT, J. Montage. Montreal: Caboose, 2020.
    BENJAMIN, W. Sobre o conceito de história. In: BENJAMIN, W. Walter Benjamin – Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 222-232.
    CORRIGAN, T. O filme-ensaio: desde Monataigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.
    FARGE, A. O sabor do arquivo. São Paulo: USP, 2009.
    LISSOVSKY, M. Quatro + uma dimensões do arquivo. In: MATTAR, Eliana. (Org.). Acesso à informação e política de arquivos. Rio de Janeiro, 2004, p. 47-63.
    MOURÃO, M. D. G. (2006). A montagem cinematográfica como ato criativo. In: Significação: Revista De Cultura Audiovisual, 33(25), 229-250.
    PEARLMAN, K. Cutting Rhythms: Shaping the Film Edit. Oxford: Elsevier/Focal Press. 2009.
    RUSSELL, C. Archiveology: Walter Benjamin and archival film practices. Durham: Duke University Press, 2018.