Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Gabriel Filgueira Marinho (UFF / ESPM)

Minicurrículo

    Bacharel em Comunicação Social pela Universidade de Brasília, mestre em História pela Universidade Federal Fluminense e doutorando em Cinema pela mesma instituição. Realiza pesquisas sobre os usos e ressignificações dos arquivos em documentários afrodiaspóricos. Na realização audiovisual, trabalha como pesquisador de imagens e diretor de filmes e séries. Foi gerente de projetos na TV Escola e hoje é professor na graduação da ESPM, lecionando nas áreas de televisão, documentário e cinema negro.

Ficha do Trabalho

Título

    “Lumumba está preso”: imagens compartilhadas e memórias convergentes nos cinejornais anglófonos

Resumo

    Em plena Guerra Fria, três diferentes cinejornais usaram exatamente os mesmos registros para narrar a prisão do líder da independência do Congo, Patrice Lumumba. Voltados para audiências estrangeiras, esses filmes contribuíram para uma memória bem específica dessa liderança, conveniente às potências ocidentais. Esse trabalho busca compreender como a montagem, trilha e o texto de narração foram articulados para gerarem narrativas distintas, mas que convergem para a mesma memória hegemônica.

Resumo expandido

    Por um período de aproximadamente meio século, os cinejornais foram o principal instrumento de circulação de imagens em movimento de não-ficção, tanto em escala local quanto global. A exibição desses curtas-metragens nas salas de cinema permitiu a um grande público não apenas se inteirar sobre acontecimentos políticos, econômicos e sociais, mas também criar um repertório visual sobre outras cidades, outros povos ou mesmo a feição de personagens históricos que viviam a centenas ou milhares de quilômetros de distância. Toda essa potência comunicativa, por óbvio, foi logo percebida e instrumentalizada como política de Estado, colaborando com o projeto de imperialismo vigente entre as potências ocidentais (FURHAMMAR e ISAKSSON, 1978).
    Um desses casos ocorreu em plena guerra fria, na esteira dos movimentos de independência do continente africano. Em dezembro de 1960, o cinejornal British Movietone exibiu imagens da prisão do primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba (1925-1961). A narração não dá detalhes sobre o tensionamento político recente entre ele e a Bélgica, antiga metrópole que controlou a região por oitenta anos. Ou do contexto do país africano com sua independência política recém-conquistada. Em vez disso, descreve as imagens em um tom celebratório, atribuindo sentimentos e pensamentos aos personagens. O foco narrativo do filme é a recaptura de Lumumba, depois de uma tentativa de fuga. Entre os planos exibidos, a imagem de sua esposa e filho desolados contrasta com uma multidão que comemora sua prisão.
    No mesmo período, outros cinejornais noticiaram esse evento. A britânica Reuters News, por exemplo, acrescentou em sua versão o contexto de caos político e social em que o Congo estava imerso, embora não mencionasse a ruptura colonial. No entanto, é particularmente mais adjetiva com os personagens retratados, atribuindo a responsabilidade dessa instabilidade ao “vermelho primeiro-ministro” Lumumba, que teria sido parado pelo “homem forte” do coronel Mobutu. Já o cinejornal da Universal News segue por um caminho semelhante, chamando o político congolês de “prisioneiro perigoso”, dando maior destaque a figura de seu algoz como pacificador do país. Nesse filme, inclusive, a montagem sugere (em um jogo de plano, contra-plano) que Mobutu estava presente no momento da prisão de Lumumba. As tomadas, no entanto, pertencem a espaços geográficos distintos.
    Embora arranjados de forma distinta e costurados a partir de diferentes textos de locução, é curioso que esses três cinejornais – um britânico e dois estadunidenses – compartilham exatamente os mesmos registros. Ou seja, os planos são literalmente iguais nessas obras. Em tempos de guerra fria, esse alinhamento estético pode estar além de um possível acordo de escambo de imagens entre essas empresas, mas também pode marcar uma convergência ideológica. Afinal, as três narrativas colaboram para uma peculiar memória do líder congolês, conveniente ao ocidente e ao poder colonial. Patrice Lumumba aqui é pintado como um frustrado candidato a déspota, impopular dentro de seu próprio país, insensível a própria família, adepto ao comunismo e um agitador insensato. Décadas depois, essa imagem seria revisitada de outras formas.
    Esse trabalho busca compreender a construção dessa memória colonial de Patrice Lumumba a partir desses três cinejornais que retratam sua prisão. Como diferentes recursos de montagem, trilha e texto possivelmente convergiram para o mesmo retrato? Quais são os significados dos registros compartilhados? Para compreender o peso dessas imagens e dos discursos produzidos a partir delas, consideramos os contextos de produção e circulação, mas também os limites de um projeto de memória.

Bibliografia

    MERRIAM, Alan P. Congo nos bastidores do conflito. Rio de Janeiro: Editora Letras e Artes, 1963.
    ENWEZOR, Okwui. The short century: independence and liberation movements in Africa 1945-1994. Catálogo de exposição. Munique: Prestel Editions, 2008
    BARON, Jaimie. The Archive Effect: found footage and the audiovisual experience of history. London: Routledge, 2014
    AZOULAY, Ariella Aïsha. Plunder, Objects, Art, Rights In: AZOULAY, Ariella Aïsha. Potential History. London: Verso Books, 2019.
    FORBES, David. Film Archives: A Decaying Visual History. In “African Research and Documentation”. Volume 110 , 2009 , pp. 37 – 43.
    MBEMBE, Achille. The Power of the Archive and its Limits. In HAMILTON, Carolyn; HARRIS, Verne; TALYOR, Jane; PICKOVER, Michele; REID, Graeme; SALEH, Razia (org). Refiguring the Archive. New York: Springer Publishing, 2022.
    LE GOFF, J. História e Memória. Campinas. Editora Unicamp. 2005
    FURHMMAR, Leif e ISAKSSON, Folke. Cinema e Política. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1978