Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Eduardo de Faria Carniel (DLM – FFLCH – USP)

Minicurrículo

    Eduardo de Faria Carniel é doutorando em Estudos Literários em Inglês na FFLCH-USP, com pesquisa sobre O Iluminado, de Kubrick, e sua relação com disputas ideológicas nos EUA dos anos 70, sob orientação do Prof. Dr. Marcos César de Paula Soares. É mestre na mesma área, com estudo sobre liberalismo e conservadorismo em Deuses Americanos, de Neil Gaiman. Integra o conselho editorial da Revista Movimento e é professor de Língua Portuguesa na Escola de Aplicação da FEUSP.

Ficha do Trabalho

Título

    Trabalho, barbárie e espaço racionalizado em O Iluminado, de Stanley Kubrick

Resumo

    Analisaremos O Iluminado como uma leitura da dinâmica de racionalização do trabalho, interpretando o espaço do Hotel Overlook não como entidade sobrenatural, mas como estrutura econômica que molda subjetividades. Ao seguir a trajetória de Jack Torrance, observa-se como a lógica gerencial, representada pelo personagem Ullman, é internalizada até o ponto de ruptura. O horror do filme emerge da tensão entre racionalização, alienação e violência, revelando o monstro como produto do trabalho moderno.

Resumo expandido

    Esta comunicação propõe uma leitura do filme O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick, a partir da organização espacial e econômica do seu espaço central, o Hotel Overlook. Buscaremos não apenas situá-lo como um cenário sobrenatural, mas como uma estrutura material de racionalização do trabalho. Ao contrário de outros filmes de horror da década de 1970, onde o elemento propriamente aterrorizante é combatido, no desfecho, por personagens estabilizadores representantes de instituições sociais, O Iluminado embaralha os papéis narrativos típicos desse esquema, colocando a própria família – e, mais especificamente, o pai trabalhador – como fonte de ameaça. O hotel, muitas vezes lido como uma entidade sobrenatural, é aqui compreendido como uma figura cuja atração sobre o enredo e os personagens é de natureza fundamentalmente econômica. A permanência do protagonista Jack Torrance se sustenta por um vínculo de trabalho que, ao se aprofundar, revela a internalização de uma ideologia de obediência e lealdade ao patrão.
    A figura do gerente Ullman é analisada como representação de um tipo de profissionalização surgida na virada do século XX (momento de fundação do Overlook no enredo), que opera com base na ocultação dos trabalhadores e na estética de controle. Sua função como personagem, que inclui o papel de “narrador” do hotel, é marcada por uma lógica racionalizante que relativiza tanto a violência histórica (como a origem do hotel em terras indígenas espoliadas) quanto a violência pessoal (como o assassinato cometido por um ex-funcionário). Ullman não vê essas violências como exceções ou absurdos, mas como elementos administráveis de uma estrutura empresarial. O nome “Overlook”, nesse sentido, carrega duplo sentido: supervisionar e desconsiderar.
    A análise contrasta o apagamento do trabalho de manutenção durante o funcionamento do hotel com sua súbita visibilidade no momento de encerramento da temporada, quando a presença do gerente ainda assim garante uma separação espacial entre trabalhadores e hóspedes. Quando essa mediação desaparece, o hotel revela sua mecânica, e sua dinâmica exige que Jack ocupe o papel de “cuidador”, uma função que vai além da zeladoria física e alcança a de manutenção simbólica da ordem. O pai, ao sucumbir à loucura, não rompe com a lógica do Overlook – ao contrário, a radicaliza. Em cenas-chave, Jack justifica sua violência com base em princípios de responsabilidade profissional e fidelidade contratual, demonstrando que sua monstruosidade não é um rompimento com a ordem, mas uma consequência lógica dela.
    O filme, assim, utiliza o horror para expor as tensões da alienação do trabalho moderno e os efeitos subjetivos da racionalização produtiva. A repetição da frase “Muito trabalho e nenhuma diversão fazem de Jack um garoto bobo” ganha sentido cognitivo: quanto mais moldado pelo trabalho, mais impotente e entorpecido o trabalhador se torna. A figura de Jack como monstro remete à criatura de Frankenstein, representando o colapso do humano diante das exigências desumanas da produtividade e do desenvolvimento econômico. Ao final, O Iluminado revela não apenas uma história de assombração, mas uma alegoria sobre as violências estruturais da modernidade capitalista, que moldam os sujeitos ao ponto da destruição – não por possessão sobrenatural, mas por coerência econômica.

Bibliografia

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    MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004, 176 p.
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    NAREMORE, James. On Kubrick. Londres: British Film Institute, 2007, 278 p.