Ficha do Proponente
Proponente
- Lucas Brichesi Minari (FFLCH)
Minicurrículo
- Lucas Brichesi Minari é graduado em Letras Português-Inglês pela FFLCH-USP e mestrando em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês na mesma instituição. Sua pesquisa investiga a questão do espaço na contemporaneidade por meio de uma análise comparada dos filmes “I, Daniel Blake”, de Ken Loach, e “Arábia”, de Affonso Uchôa e João Dumans. Seus interesses acadêmicos incluem cinema e literatura, com enfoque na crítica materialista e nos estudos culturais.
Ficha do Trabalho
Título
- Narrativas de deslocamento: trabalho, precariedade e espacialidade em “I, Daniel Blake” e “Arábia”.
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- Este estudo analisa I, Daniel Blake (2016), de Ken Loach, e Arábia (2017), de Affonso Uchôa e João Dumans, a partir da espacialidade. Nos filmes, o deslocamento dos personagens reflete a precarização e novas formas de sociabilidade. Enquanto um evidencia a solidariedade em meio à exclusão social, o outro expõe a fragmentação do trabalho itinerante. Assim, as obras problematizam a periferização do centro (ARANTES, 2023) e esboçam saídas para esse cenário.
Resumo expandido
- Este trabalho apresenta uma análise comparativa dos longas-metragens “I, Daniel Blake” (2016), do diretor inglês Ken Loach, e “Arábia” (2017), de Affonso Uchôa e João Dumans, a partir da espacialidade. Esse aspecto, central na construção formal dos filmes, revela-se uma categoria essencial para a descrição e análise dos fenômenos que abordam. Seguindo a formulação de Fredric Jameson (1991) a respeito do papel do espaço na pós-modernidade, a qual tomamos como base, compreende-se que a globalização do capitalismo tardio reorganizou não apenas os espaços físicos, mas também as formas de percepção e experiência da realidade, influenciando diretamente as narrativas cinematográficas. A seguir, uma breve exposição de cada obra ilustra o viés analítico e as principais linhas de força deste estudo.
Em “I, Daniel Blake”, a narrativa se desenrola em Newcastle, cidade no norte da Inglaterra que sofreu um processo de desindustrialização nas últimas décadas. O filme acompanha as dificuldades do personagem homônimo para obter um auxílio-invalidez do governo. No decorrer da trama, outros trabalhadores precarizados – um entregador, um operário chinês e uma mãe solteira migrada de Londres – são incorporados à narrativa por meio de encontros fortuitos, formando, assim, uma rede de apoio em torno de Daniel. A análise do espaço demonstra como esses movimentos dos personagens refletem dinâmicas contemporâneas, como o deslocamento da atividade industrial para a periferia global e a gentrificação dos centros urbanos. Paralelamente, nota-se como a imposição econômica desses deslocamentos gera novas formas de sociabilidade, pautadas pela solidariedade e pela coletividade.
Já em “Arábia”, a trajetória de Cristiano se constrói por meio de sua constante circulação pelas estradas de Minas Gerais em busca de trabalho. A narrativa avança na intermitência dos empregos temporários, moldando os vínculos efêmeros que estabelece ao longo do caminho. Assim, o espaço da estrada formaliza um impasse: por um lado, simboliza o desejo de mobilidade social; por outro, evidencia a precarização do trabalho, que impede qualquer apropriação duradoura da experiência. No entanto, essa aparente ausência de horizonte é tensionada pelo embate entre diferentes instâncias discursivas: Cristiano narra sua própria história em “voice-over”, mas é André – o jovem que encontra seus diários – quem inicia o relato e projeta suas percepções nos canais visual e sonoro do filme. Dessa forma, amplia-se o campo de cognição sobre a experiência individual do protagonista, estimulando uma reflexão sobre as possibilidades de alteridade diante das rígidas determinações da economia.
O argumento, portanto, se sustenta na leitura crítica dos deslocamentos espaciais dos personagens, que desempenham um papel estruturante nas narrativas e iluminam processos sociais contemporâneos. Nessa perspectiva, as obras podem ser situadas dentro da história do cinema no que diz respeito ao uso da espacialidade. Segundo Levy (2013), a espacialidade no cinema tende a funcionar como pano de fundo, reforçando a fabricação de espectadores não reflexivos. No entanto, “I, Daniel Blake” e “Arábia” subvertem essa lógica ao conferir ao espaço uma função ativa na construção do sentido fílmico. Dessa maneira, demonstram como a espacialidade pode operar como uma ferramenta fundamental para a compreensão dos impasses contemporâneos.
Por fim, ao aproximar filmes produzidos no centro e na periferia do capitalismo, este estudo fomenta a discussão sobre um outro problema espacial: a tendência à periferização do centro (ARANTES, 2023). Esse fenômeno, característico da contemporaneidade, implica a homogeneização das experiências e a erosão do horizonte de transformação social. O propósito deste trabalho, afinal, é identificar as possíveis saídas que os filmes esboçam diante desse cenário.
Bibliografia
- ARANTES, Paulo. A fratura brasileira do mundo. São Paulo: Editora 34, 2023.
BENJAMIN, Walter. Sobre alguns temas em Baudelaire. In: Obras Escolhidas, vol. 3, São Paulo: Brasiliense, 1991.
HARVEY, David. Spaces of Global Capitalism. London & New York: Verso, 2005.
JAMESON, Fredric. Postmodernism, or, The Cultural Logic of Late Capitalism. Durham: Duke University Press, 1991.
______. “Fredric Jameson: Cognitive Mapping.” In.: Marxism and the interpretation of culture. Illini Books ed., Illinois: 1988 (pp. 347-360).
LEVY, Jacques. “On Space in Cinema”, Annales de géographie, vol. no 694, no. 6, 2013, pp. 689-711.
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.