Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Karine Joulie Martins (UFRJ)

Minicurrículo

    Mestre e Doutora em Educação e Bacharel em Cinema pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua em iniciativas que articulam arte, cinema e educação junto às universidades, produtoras culturais e redes de ensino, desenvolvendo cursos livres, oficinas, cineclubes, mostras e exposições. Atualmente realiza pesquisa de pós-doutorado no Programação de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com financiamento do CNPq.

Ficha do Trabalho

Título

    Oficina de cinema como exercício decolonial do ver

Resumo

    O capitalismo de plataformas consolida-se como um novo modelo colonial que tem nas redes sociais ferramenta de controle dos modos de ver. A compreensão aprofundada, a formulação de discursos articulados e críticos é limitada pela leitura persuasiva e fragmentária das imagens. Como contraposição, propõe-se uma educação audiovisual em oficinas de cinema com ênfase na análise fílmica e montagem cinematográfica fundamentadas nas teorias eisensteinianas que devolvam ao sujeito o controle do “ver”.

Resumo expandido

    Esta comunicação é uma reflexão derivada de uma pesquisa que analisa políticas, práticas e discursos sobre a educação audiovisual na América Latina. Nosso objetivo é promover reflexões sobre a leitura de mundo imposta em um contexto neocolonial pautado pelo capitalismo de plataforma (Silveira, 2021; Snircek, 2017). Uma ferramenta da colonialidade é a visualidade, sistema de controle sobre o que e como alguém pode ser visto, operando pela classificação, hierarquização e estetização (Mirzoeff, 2016). Tal sistema se atualiza e se mantém emaranhado ao desenvolvimento de novas tecnologias, compreendendo aqui dispositivos e plataformas que se impõem como mediadoras das relações sociais.

    Para Wolf (2019), as plataformas de compartilhamento de conteúdo, as redes sociais, estão provocando alterações significativas nos modos de ler, pois funcionam por meio de um sistema de persuasão, recompensa rápida e da falsa ilusão de participação ativa na construção de sentidos com as imagens. Nas redes sociais, nas quais se intercalam imagens e textos genéricos, não há integração ou sequenciamento argumentativo possível que permita uma compreensão significativa. Esse tipo de “leitura plataformizada” (Hissa, 2023) compromete a atenção, a memória e, por conseguinte, aptidões cognitivas que estimulam o desenvolvimento de um pensamento complexo, profundo e crítico.

    Considerando a linguagem audiovisual como predominante em tais plataformas, a hipótese que exploramos está no potencial da educação audiovisual, em especial nas oficinas de experimentação com cinema, como contraponto à “leitura plataformizada”. Há dois tipos de exercício que podem ser tomados como fomento a experiências de leitura profunda. O primeiro é a análise cinematográfica, que retoma elementos de composição e linguagem, instigando a percepção de aspectos formais e a construção de relação argumentativa de tais aspectos à narrativa do filme, bem como a referências externas. O segundo é o exercício da montagem, que articula imagens e sons, produzindo relação entre elementos internos a cada plano, que culmina no desenvolvimento de um conceito.

    Apresentamos um exercício experimentado em um projeto de extensão no qual estudantes de diferentes cursos de graduação criaram material para a plataforma Cine na Escola (Cinead/Lecav, UFRJ), que reúne filmes latino-americanos e propostas pedagógicas para o trabalho com cinema na educação. O exercício sugeria que cada estudante escolhesse um frame de um filme da plataforma para fazer uma análise elementar e contextual, refletindo sobre as escolhas feitas no momento da produção. A última etapa do processo foi partir dessa análise para a produção de uma fotografia tendo o mesmo frame como referência.

    A estudante L. F. escolheu um frame de “Os óculos do vovô” (Francisco Santos, 1913), um plano geral no qual há uma carruagem na rua em frente a uma casa, onde há um homem parado na porta. Os elementos são separados por uma calçada com postes. L. F. dá ênfase à geometria da composição que gera uma oposição das linhas horizontais e verticais, e na perspectiva criada pelas linhas da calçada até um ponto de fuga no centro do quadro. Apropriando-se dessa composição geométrica, L. F. apresenta uma fotografia com um nível próximo ao piso branco com linhas horizontais em oposição às linhas verticais de um guarda-roupas e uma cama.

    O principal aporte teórico para essa proposição são as teorias do cinema de Eisenstein (2002a; 2002b), que ampliam as possibilidades de produção de significado com o filme desde o nível elementar do plano até a construção de uma dialética da montagem pela oposição que se concretiza pela experiência do espectador. Pela justaposição estética, o espectador trilha o mesmo caminho do criador da imagem, mantendo seus sentidos ativos ao longo do processo. Assim, o cinema em exercício de fruição ou produção, devolve ao sujeito o controle criativo do “ver”, enfrentando a fragmentação do modelo de visualidade das plataformas.

Bibliografia

    EISENSTEIN, S. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002a.
    EISENSTEIN, S. O sentido do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002b.
    HISSA, D. L. A. A leitura plataformizada na mídia digital: da sobrecarga informacional à perda do pensamento crítico. ABRALIN, n. 23, v. 2, p. 304–331, jun. 11, 2024. Disponível em: https://revista.abralin.org/index.php/abralin/article/view/2208. Acesso em 13/03/25.
    MIRZOEFF, N. O direito a olhar. Educ. Tem. Digital, Campinas, v. 18, n. 4, p. 745-768 out./dez, 2016. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8646472. Acesso em: 23/08/23.
    SILVEIRA, S. A. da. . O colonialismo digital e o convite à impotência. In: Outras palavras. São Paulo, 2021.
    SRNICEK, N. Platform capitalism. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2017.
    WOLF, M. O cérebro no mundo digital: os desafios da leitura na nossa era. São Paulo: Contexto, 2019.