Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    LINA CIRINO ARAUJO OLIVEIRA DOS SANTOS (USP)

Minicurrículo

    Doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais (PPGMPA – USP), mestra em Comunicação (PPGCOM – UFRB) e graduanda em Cinema e Audiovisual (UFRB). Integra o Grupo de Estudos em Experiência Estética, Comunicação e Artes (GEEECA – UFRB), o Grupo de Extensão e Pesquisa Sonatório (UFRB), e o Poéticas do Audiovisual (USP). Realizou estágio docente na disciplina Direção III (USP) e foi monitora na disciplina de Doc I, na graduação (UFRB). Atua em direção, assist. de direção, crítica e curadoria.

Ficha do Trabalho

Título

    Quando a biblioteca pegar fogo você salvará livros ou fósforos?

Seminário

    (Re)existências negras e africanas no audiovisual: epistemes, fabulações e experiências

Resumo

    Debato se a Academia pode ser sabotada a partir de dentro, com um diálogo entre Re/de/composição (Silva) e Opacidade (Glissant), para interrogar o filme Corpus Infinitum (2020), que resiste como direito à não tradução, protegendo o que a escrita acadêmica não captura. Questiono o preço de transformar rebeldia em estudo. Decomponho o filme como gesto fugitivo (Robinson, Moten, Hartman), que recusa e desvia da captura. Proponho que textos sejam fósforos.

Resumo expandido

    A re/de/composição é um método ontoepistemológico de Denise Ferreira da Silva (2019; 2020; 2024) para desmontar e remontar imagens geradas pelas categorias modernas, que continuaram a ficção do humano universal eticamente desimplicado. Dentro e contra, a opacidade (Glissant, 2021) opera como princípio ético que protege o que não pode e não deve ser reduzido a essas mesmas categorias. Ou seja: a re/de/composição é tática para expor a violência epistêmica e ontológica da modernidade, e a opacidade se manifesta, nesse texto, como estratégia para recusar a recaptura dessa violência em novas-velhas formas de conhecer e viver. Silva, no filme dirigido em coautoria com Arjuna Neuman – Corpus Infinitum/Sooth Breath (2020) – usa a re/de/composição fora da escrita acadêmica, como operação estética, para desvelar como o projeto moderno separou o mundo/homem/conhecimento em formas violentamente fixadas, ocultando que essas divisões e determinações são armadilhas da tríade racial-colonial-capital. O filme é dedicado à ternura e à escuta radicalmente sensível: do blues, da pele, do calor, do eco (Silva, 2020). A opacidade opera no filme como o que resiste e recusa essa mesma operação de decomposição/recomposição: se a re/de/composição é um movimento ante-anti-crítica (porque ontológico), ainda corre o risco de reinscrever o que a crítica, na escrita acadêmica, limita: usar as categorias modernas como principal fundamento do texto, mesmo que para desmontá-las. A opacidade, aqui (ali), atua como um limite ético: é o que impede que a experiência e a existência sejam totalmente traduzidas, domesticadas ou instrumentalizadas por qualquer e nenhuma teoria (Silva, 2024; Glissant, 2021). Corpus Infinitum (2020) é, simultaneamente, poética feminista negra (Silva, 2019) e fabulação crítica (Hartman, 2022), e recusa reproduzir visualmente ideias densamente elaboradas por Silva, na Academia, porque mira tatear suas materialidades, nas frestas, negociando com os limites do dizível. Convoca percepções e sentidos para habitar intervalos entre ver, ouvir e des/conhecer: o filme interroga o risco constante de colapsar com o que não tenta nomear: uma ontologia do fractal (Silva, 2019). A opacidade de Glissant (2021) negocia o direito de não ser totalmente compreendido ou decifrado; em Silva, é uma flecha contra o tempo para que a negridade não seja reduzida a uma peça da (ou a própria) máquina de gerar o Capital (Robinson, 2023; Silva, 2019). Silva e Glissant articulam gestos de recusa à transparência sem subordina-los a uma síntese: com a poética. Decomponho que Corpus Infinitum é um gesto de rebeldia (Hartman, 2022); movimento consciente e determinado em direção à fuga da governança; caminho da recusa, coreografia da errância, da desordem, da revolta, que escapa à captura da despossessão, inclusive, epistêmica. Como estou debatendo Glissant (2021), Estudos Negros (Robinson, 2023; Moten, Harney, 2023; Hartman, 2022; Wynter 1984) e a poética negra feminista (Silva, 2019), me interessa propor mais perguntas do que respostas: Como desmontar as ferramentas de captura da escrita enquanto tento me proteger da recaptura usando essas mesmas ferramentas (Wynter, 1984; Hartman 2022)? O filme foi montado no mesmo ritmo que a escrita acadêmica asfixia? Dizendo de outra forma: o texto paga em capital simbólico o que rouba em vida? quantas horas de sono, quantos traumas não escritos, com quantas lágrimas se escreve um parágrafo? qual o preço de traduzir dor em conceito? a fuga está no que a biblioteca não é capaz de catalogar? Pode a academia abrigar gestos que a recusam? Ou sua função é domesticar, transformando fuga em tese, rebeldia em estudo? Como desacoplar a escrita da vigilância? é possível? ou a escrita já é, desde sempre, cumplicidade com o projeto da colonialidade? E antes que esse fogo vire poeira: Como a escrita pode ser fósforo?

Bibliografia

    GLISSANT, Édouard. Poéticas da Relação. Bazar do Tempo, 2021.
    HARTMAN, Saidiya. Vidas rebeldes, belos experimentos: Histórias íntimas de meninas negras desordeiras, mulheres encrenqueiras e queers radicais. Fósforo, 2022.
    MOTEN, Fred; HARNEY, Stephano. Sobcomuns: planejamento fugitivo e estudo negro. Ubu editora, 2023.
    MOTEN, Fred ; HARTMAN, Saidiya; WYNTER, Sylvia; SPILLERS, Hontense; SILVA, Denise. Pensamento negro radical: antologia de ensaios. Crocodilo, 2021.
    ROBINSON, Cedric J. Marxismo negro: a criação da tradição radical negra. Perspectiva, 2023.
    SILVA, Denise. Em estado bruto. L. ARS, 17(36), 45-56., 2019.
    SILVA, Denise. A dívida impagável. Casa do povo, 2019.
    SILVA, Denise; NEUMAN, Arjuna. Sooth Breath/ Corpus Infinitum.
    SILVA, Denise. The Crises of the European Imagination. Artalk Revue 4 – Winter, 2020.
    SILVA, Denise. A dívida impagável. Zahar, 2024.
    WYNNTER, Sylvia. The Ceremony Must Be Found: After Humanism. Boundary 2, Pittsburgh, v. 12/13, p. 19-70, 1984.