Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Matheus Batista Massias (UNICAMP)

Minicurrículo

    Graduado em Letras – Língua Inglesa pela UEPA (2014), mestre em Inglês: Estudos Linguísticos e Literários, com ênfase em cinema, pela UFSC (2016), e doutorando em Multimeios pela UNICAMP. Pesquisa atualmente sobre os dez curtas-metragens (1954-1959) do diretor italiano Vittorio De Seta partir das fronteiras do documentário e do filme-ensaio. Além disso, faz parte do grupo de pesquisa do CNPq Audioensaio e atua como bolsista CAPES.

Ficha do Trabalho

Título

    A Paisagem Insular de Isole di Fuoco: Olhar, Fora-de-Campo e Meridionalismo

Seminário

    Cinema e Espaço

Resumo

    A insularidade dos filmes de Vittorio De Seta dos anos 1950 é patente sobretudo em Isole di fuoco quando a conjunção dos quatro elementos — água, terra, fogo e ar — é trabalhada como veículo da ação. O olhar das personagens e o uso do fora-de-campo como espaço latente de ação é analisado a fim de verificar como a paisagem se impõe como elemento estruturante da mise-en-scène, da montagem e da insularidade que suscita, por sua vez e mais implicitamente, preocupações meridionais.

Resumo expandido

    Os dez filmes feitos pelo diretor siciliano Vittorio De Seta no sul da Itália entre 1954 e 1959 quando assistidos e pensados em conjunto podem ser encarados como um projeto cinematográfico marcado amplamente por uma preocupação meridionalista. De um lado, e mais obviamente, a representação do trabalho — de pescadores, mineiros, camponeses, pastores, donas de casa — compõe um rico corpus fílmico cujo teor etnográfico de salvaguarda seria inestimável em face do iminente milagre econômico italiano que transformaria a demografia e as relações de trabalho no Mezzogiorno. Por outro lado, e relativamente menos patente, considerando sua imposta vocação decorativa como mero fundo, a paisagem torna-se, ao fim e ao cabo, se não a ação, veículo de ação (Costa), ou ainda algo que “se autoimpõe como um objeto específico de pensamento” (Rancière): ela informa e enforma narrativamente os filmes, mas, mais significativamente, ela se destaca como um elemento estruturante da mise-en-scène e um catalisador da e na montagem.

    Se Pour le Mistral (1966) define bem o que é um plano moderno, ou seja, um plano que “é sempre, mais do que acção, paisagem, ou seja, um espaço inteiro significante e em transformação, um território que a duração do plano se encarrega de tornar revelador de algo que, no início, é potencial ou latente,” e o vento, nele, é “personagem e acção (toda a acção)” (Costa), Isole di fuoco (1955) ilustra pelo poder sugestivo dos olhares das personagens e do fora-de-campo a força da natureza através da paisagem. O que seria, afinal, a paisagem se não um olhar de e um olhar sobre? A intrigante colocação de Balázs que afirma que a paisagem é uma fisionomia, um rosto, retomada por Aumont quando ele escreve justamente sobre Godard e pintura, torna inevitável a brincadeira, a busca por uma etimologia: paysage = pays + visage. Este trabalho, portanto, busca analisar como a paisagem se impõe na constituição de um campo e um fora-de-campo e da ação e vice-versa em Isole di fuoco de modo que sua insularidade é sempre sentida e os seus perigos pressentidos.

    A erupção de um vulcão configura o antes, o durante e o depois da ação de Isole di fuoco e da vida de alguns de seus habitantes que, também por causa dos perigos vulcânicos, “vão embora e migram para outros continentes.” O protagonismo do fogo, porém, demanda grandes coadjuvantes: as águas turbulentas do mar, a terra que estremece e o vento que corta a ilha por todos os lados. A transitoriedade da ação desses quatro elementos é, paradoxalmente, perpétua e a violência ilibada de suas ações é perpetrada continuamente: eles são os arquitetos, os escultores, os músicos e os pintores da paisagem. Se a paisagem é uma qualidade do espaço, e não o espaço, e ela lida não com a medida, mas com o sentimento (Aumont), pouco importa, portanto, se as cores e o formato anamórfico (Cinepanoramic) são extravagantes, a exuberância deles diz mais sobre aquilo que se pode apreender e aprender sobre o pictórico do que um mero capricho.

    Quando os habitantes da ilha “posam” e direcionam, em vários momentos, seu olhar para aquilo que não está no limite do quadro e, consequentemente, do campo — a lição há muito aprendida por e com Flaherty: ficcionalizar e encenar para “documentarizar” é crucial — existe, para eles, um perigo real, enquanto para o espectador, é possível afirmar, existe ou é possibilitado um exercício do olhar, de percepção, de composição e recomposição da paisagem que cerca as personagens e configura a insularidade do espaço. A partir disso, Isole di fuoco suscita uma dupla questão de insularidade, isto é, da ilha em si, como espaço concreto e finito, e também fílmico, e da ilha como espaço politicamente metonímico, ou seja, um pedaço de terra que representa o Sul como um todo refletindo sua distância, sua incomunicabilidade e suas disparidades em relação ao resto do país, sobretudo ao Norte: o que uma paisagem insular pode nos ensinar sobre a questão meridional?

Bibliografia

    AUMONT, J. O Olho Interminável: Cinema e Pintura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
    BALÁZS, B. “Nature and Naturalness.” Béla Balázs: Early Film Theory – Visible Man and The Spirit of Film. New York: Berghahn Books, 2010.
    BERGER, J. Landscapes: John Berger on Art. London: Verso, 2016.
    COSTA, J. M. “Paisagem: O Trabalho do Tempo – Sobre a Paisagem e o Programa do Doc’s Kingdom.” Paisagem: O Trabalho do Tempo. Serpa: Doc’s Kingdom – Seminário Internacional Sobre Cinema Documental, 2008.
    GROSOLI, M. “The Art of Nature.” Eric Rohmer’s Film Theory (1948-1953): From ‘École Scherer’ to ‘Politique des Auteurs.’ Amsterdam: Amsterdam University Press, 2018.
    MOE, N. The View from Vesuvius: Italian Culture and the Southern Question. Berkeley: University of California Press, 2002.
    RANCIÈRE, J. The Time of the Landscape: On the Origins of the Aesthetic Revolution. Cambridge: Polity Press, 2023.
    ROHMER, E. “Cinema, the Art of Space.” The Taste for Beauty. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.