Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Johannes Kretschmer (UFF)

Minicurrículo

    Prof. Dr. Johannes Kretschmer é professor de literatura alemã e tradução do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da Universidade Federal Fluminense. Atualmente, ele atua junto com professora Elianne Ivo Barroso (Curso de Cinema, UFF) em um projeto sobre o cineasta alemão Edgar Reitz e está preparando um ebook sobre o filme “A outra pátria. Crônica de um desejo” de E. Reitz. Além disso, promove o Cineclube Valentin na UFF, especializado em comédias de cineastas de língua alemã.

Ficha do Trabalho

Título

    O cinema de língua alemã e as imagens dos povos originários da Amazônia

Resumo

    Pretendo analisar primeiro o “entusiasmo pelo indígena” e o ideal romântico da “natureza pura”, tal como esboçado na cultura alemã. A partir de filmes de Werner Herzog e Edgar Reitz procuro indagar como a produção cinematográfica de língua alemã (des)constrói a visão de culturas dos povos originários no Brasil. Por fim tentarei recuperar a experiência do antropólogo Koch-Grünberg, provavelmente o primeiro a captar imagens em movimento na Amazônia e a mostrá-las na Alemanha.

Resumo expandido

    Com a crescente industrialização no século XIX se intensifica o fascínio alemão pela “natureza pura” (fascínio que se estende ao movimento ecológico atual). Na imagem da terra pura e intocada, os indígenas seriam supostamente as pessoas mais livres e autodeterminadas: o “entusiasmo pelo indígena” (como diz Hartmut Lutz) marca a literatura (Karl May, entre outros) e o cinema de língua alemã. Um dos ideais do romantismo é a Waldeinsamkeit, a “solidão na floresta”. Em uma série de passagens no seu diário “Conquista do inútil” acerca do filme “Fitzcarraldo”, Werner Herzog se refere de alguma forma a esta solidão, sendo a floresta em questão a Amazônia.
    “Fitzcarraldo” é um marco do cinema – quem não se lembra do barco a vapor sendo transportado morro acima? Uma cena antológica que o cineasta considera uma metáfora central para o filme. Já o que ela significa – conforme sua autobiografia há pouco lançada no Brasil (“Cada um por si e Deus contra todos”) – Herzog afirma não saber…
    Seja como for, pode-se constatar com Will Lehmann uma transformação das imagens dos povos originários em geral no cinema de Herzog. O cineasta, no entanto, continuaria adotando o ideal do “índio autêntico” em favor de uma narração de uma “verdade maior” (obsessão de Herzog nos últimos tempos), que sem dúvida atende sobretudo a anseios ocidentais de tempo e história.
    Em “A outra pátria. Crônica de um desejo” (2013), Werner Herzog atua como Alexander von Humboldt, contracenando com Edgar Reitz, autor deste filme e outro integrante do movimento do Novo cinema alemão. “A outra pátria” é uma instigante reflexão sobre os motivos da migração e sobre a força e a riqueza da imaginação humana como princípio central da construção de pertencimento a uma comunidade. Nesta obra é descrita a situação de uma aldeia alemã em 1843; seus moradores são dominados por fome, pobreza e pelo regime ditatorial prussiano, e sonham em emigrar para o Brasil. O protagonista principal do filme estuda uma língua indígena brasileira, lê a bibliografia então disponível sobre o Brasil (sobretudo textos de cientistas como Martius, Humboldt e viajantes franceses), e sonha viver com os “índios” na Amazônia.
    Edgar Reitz descobriu um dia que parte de sua família migrou para o sul do Brasil no século XIX. Um outro motivo que o estimulou a fazer o filme é o fato de o seu irmão Guido ter se dedicado ao estudo de línguas, entre elas línguas indígenas do Brasil como o Guarani. Um terceiro motivo era descobrir o que os alemães no século XIX sabiam sobre os países aos quais emigravam, como os Estados Unidos e o Brasil, ou seja, quais eram as imagens e representações destes países?
    Edgar Reitz é um dos mais inovadores cineastas do Novo cinema alemão e conhecido sobretudo por sua trilogia “Heimat” (“Pátria”) – três filmes de duração épica, exibidos em uma série de capítulos na televisão alemã e também em cinemas brasileiros, nos anos 80, 90 e 2000. Mas Reitz ainda não teve no Brasil a atenção que merece. Prova disso é o fato de seu filme “A outra pátria. Crônica de um desejo” (2013) – sem dúvida o melhor filme de língua alemã já feito sobre a emigração para o Brasil – até hoje não estrear em nenhum cinema no país.
    A partir dos filmes mencionados pretendo analisar como a produção cinematográfica de língua alemã (des)constrói a visão das culturas dos povos originários no Brasil. Uma das questões a serem abordadas será o uso de artifícios por parte de Reitz: a língua indígena tematizada, bem como os títulos de livros sobre o Brasil no seu filme são inventados, reforçando o caráter ficcional da obra. Ademais vou tentar recuperar a experiência do antropólogo Koch-Grünberg que foi provavelmente o primeiro a captar imagens em movimento na Amazônia e a mostrá-las na Alemanha. Sua intenção principal era aproveitar a crescente popularidade do cinema para divulgar suas pesquisas sobre a Amazônia e investir em um mercado em expansão.

Bibliografia

    Flinn, Caryl. The New German Cinema: Music, History, and the Matter of Style. Berkeley: University of California Press, 2004
    Herzog, Werner. Cada um por si e Deus contra todos: memórias. Tradução brasileira de Sonali Bertuol: São Paulo: Todavia. 2024
    —————— Conquista do inútil. Tradução brasileira de Renata Dias Mundo. Martins Fontes: São Paulo, 2013
    Lehman, Will. “A March into Nothingness. The Changing Course of Herzog’s Indian Images”. In: Prager, Brad (org.). A Companion to Werner Herzog. Wiley-Blackwell, Chichester 2012
    Lutz, Harmut. “German Indianthusiasm: A Socially Constructed German National(ist) Myth”. In: Gordon Calloway, C.; Gemünden, Gerd; Zantop, Susanne (orgs.) Germans and Indians: Fantasies, Encounters, Projections. Lincoln: University of Nebraska Press, 2002
    Reitz, Edgar. Filmzeit, Lebenszeit: Erinnerungen. Berlim: Rowohlt, 2022
    —————- Chronik einer Sehnsucht – Die andere Heimat: Mein persönliches Filmbuch. Marburg: Schüren, 2013