Ficha do Proponente
Proponente
- Gustavo de Oliveira Brandão (UFBA)
Minicurrículo
- Gustavo de Oliveira Brandão – Graduado em Comunicação Social pela UFBA, mestre em Comunicação pela UFRB e doutorando em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA. Pesquisador associado ao grupo de pesquisa Cultura Audiovisual Historicidades e Sensibilidade (CHAOS-UFBA). Pesquisa performances, poéticas e estéticas do audiovisual e games studies.
Coautores
- Davi Miguel de Souza Santos (UFBA)
Eduarda caroline Borges dos Santos (UFBA)
Ficha do Trabalho
Título
- Entre Xica e Zezé: arquivos e performances em Xica da Silva (1976) de Cacá Diegues
Resumo
- Analisamos como críticas arquivísticas ao filme Xica da Silva (1976) constroem a performance de negritude de Zezé Motta. A partir de jornais e revistas das décadas de 1970 e 1980, exploramos como sua atuação foi evocada, reforçando sua imagem como sex-symbol em um Brasil que sustentava o mito da democracia racial. Com base em Taylor (2013) e Sharpe (2023), investigamos os vestígios da escravidão na recepção da performance da atriz, evidenciando tensões entre exclusão e visibilidade.
Resumo expandido
- Nesta comunicação, objetivamos analisar de quais formas o acervo arquivístico das críticas ao filme Xica da Silva (1976) evoca e constroi a performance de negritude de Zezé Motta. O longa, dirigido por Cacá Diegues, foi o primeiro filme sobre o ciclo de ouro no Brasil (Evaristo, 2013) e aborda a trajetória da negra liberta Xica da Silva, personagem histórica que viveu na região de Minas Gerais no séc. XVIII. O filme conquistou reconhecimento internacional através de uma série de premiações no final da década de 1970, tendo repercutido e estreado em outros países até o início da década seguinte.
Nosso corpus de análise, o acervo arquivístico de críticas, reúne jornais e revistas publicados entre as décadas de 1970 e 1980, coletados em acervos virtuais, como a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, e em acervos dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, além de outros coletados em acervos físicos, como na Hemeroteca do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e na Biblioteca Central do Estado da Bahia. A partir da análise desses materiais, buscamos compreender como a performance de Zezé Motta no longa-metragem foi retratada. Observamos que essas críticas evocaram a negritude na atuação da atriz. Diluindo as fronteiras entre atriz e personagem, parecem ter reforçado a construção imagética de uma sex-symbol negra, num país que se esforçava para manter o mito da democracia racial. Neste sentido, ao cotejarmos o filme, as críticas e a trajetória da artista, nos questionamos: que performance de negritude é essa?
Quando foi escolhida para interpretar a protagonista do longa de Cacá Diegues, Zezé já possuía nove anos de carreira como atriz. Seu currículo incluía as novelas Beto Rockefeller (1968) e Supermanoela (1974); os filmes A Rainha Diaba (1973) e A Força de Xangô (1974); e as peças Hamlet (1969) e Pobre Menina Rica (1972). Apesar de reconhecida em um círculo cultural que incluía nomes relevantes no cenário nacional, como Marília Pêra e Chico Buarque, a artista ainda não era conhecida pelo grande público. Foi somente com a ascensão de Xica da Silva que alcançou o estrelato nacional e internacional.
Nesse sentido, pretendemos utilizar o conceito de performance de Taylor (2013), concebendo-a como episteme, ou seja, uma forma de conhecimento produzido, transmitido e preservado não só através do meio escrito, mas também por meio da ação corporal, da oralidade e da experiência sensorial. A autora pensa a performance por meio de duas formas de transmissão do conhecimento: o arquivo e o repertório. O arquivo diz respeito aos registros escritos, documentos e materiais que garantem a fixidez e permanência da memória, enquanto o repertório envolve práticas corporais, orais e performáticas, sendo dinâmico e dependente da presença dos corpos para sua transmissão. Assim, interessa pensar os jornais como arquivos que têm inscrições e impressões de performance, nesse caso, de Zezé Motta como Xica da Silva.
Além disso, o conceito de vestígio, de Christina Sharpe (2023), será alçado como operador analítico para pensar a corporalidade e performance da existência negra, que estão sempre atreladas e acionadas sob o signo do vestigios. Aqui, os vestígios são pensados de forma dicotômica, tanto como uma forma de a vivência negra ser excluída, relegada a uma quase “não-existência”, quanto como uma potência que esse vestígio potencializa, dando visibilidade a essa existência. Como operador analítico, o vestígio nos permite examinar como essas marcas se inscrevem nas performances, nas narrativas e nas práticas culturais, revelando camadas de história que não desapareceram, mas continuam a moldar as subjetividades e os modos de existência. Assim, examinaremos como o público sexualizou a interpretação de Zezé Motta no papel de Xica da Silva, compreendendo esse fenômeno como um vestígio dos desdobramentos ainda não resolvidos da escravidão.
Bibliografia
- EVARISTO, C. “Chica que manda ou a mulher que inventou o mar” Anuário de Literatura, [S. l.], v. 18, p. 141-142., 2013.
SHARPE, Christina. No vestígio: negridade e existência. Ubu editora, 2023.
TAYLOR, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Editora UFMG, 2013.
Xica da Silva. Direção de Cacá Diegues. Rio de Janeiro: Lema Filmes, 1976. Canal Brasil.