Ficha do Proponente
Proponente
- NICOLE DONATO PINTO MACHADO (UFF)
Minicurrículo
- Doutoranda em Cinema e Audiovisual (UFF). Mestre em Cinema e Narrativas Sociais pelo PPGCINE/UFS, com a pesquisa “Ritual e forma no coreocinema de Maya Deren”. Graduada em Cinema e Audiovisual (UFS). Montadora audiovisual. Áreas de interesse: cinema, forma fílmica, poética, montagem.
Ficha do Trabalho
Título
- Montagem ritualística: uma noção de mito no cinema vertical de Maya Deren
Seminário
- Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas
Resumo
- Este trabalho propõe uma discussão da montagem no cinema de Maya Deren partindo de perspectivas da cineasta acerca da mitologia e do ritual. A montagem ritualística, assim chamada porque articula as imagens dentro da proposta dereniana da forma fílmica ritualística, é organizada, na economia de sua criação, de acordo com a função da narração mitológica. Ademais, Maya Deren inscreve o rito no ritmo de sua montagem, através de repetições, intervalos, suspensões, circularidades.
Resumo expandido
- A ideia de Maya Deren (2022) sobre a narração mitológica nos remete, na economia de sua criação, ao trabalho da montagem no seu cinema vertical. Como descreve poeticamente, “MITO é o discurso crepuscular de um velho para um menino. […] O discurso de um ancião no crepúsculo de sua vida não é uma história, mas um legado; ele fala não para descrever a matéria, mas para demonstrar significado” (Deren, 2022, p. 21). Na seleção dos fatos de sua história para montar a ficção de seu legado, “ele rejeita os eventos irrelevantes, elabora os detalhes significativos, combina incidentes isolados, mas de princípios similares. […] Ele transpõe a cronologia de seu conhecimento numa hierarquia de sentidos” (Deren, 2022, p. 21).
Em sua investigação sobre a ética da forma em Maya Deren, Maureen Turim (2001) questiona “o que acontece quando o fio que ata um filme é conceitual ao invés de narrativo?” (Turim, 2001, p. 95). A resposta está tanto na proposta de cinema vertical fielmente defendida por Maya Deren, como na coerente efetivação de tal modo vanguardista de fazer fílmico, através da forma ritualística. A perspectiva dereniana acerca da função e da forma do mito pode ser relacionada, respectivamente, à lógica do cinema vertical e ao papel do artista na seleção dos elementos do real e da montagem na ordenação de um todo que transcenda a soma das partes.
Deve-se adentrar no cinema vertical como no mito, compreendendo que a sua lógica está mais atrelada à manifestação de um sentido, uma ideia ou emoção central, que à concatenação causal de uma narrativa. A montagem ritualística, como aqui propomos chamá-la, parte do pressuposto de que imagens são apenas a base da criação cinematográfica. Deren volta-se à forma fílmica e à sua concepção de cinema ao manifestar que a criação artística se dá na relação, no arranjo de elementos de acordo com a função almejada, o que é alcançado por meio das manipulações de espaço-tempo na estrutura do filme, realizadas especialmente na montagem (Deren, 2012).
O que os escritos teóricos de Maya Deren (1946, 1947, 2005) dos anos imediatamente posteriores à primeira fase (1943-1946) de seu cinema revelam é, principalmente, como conceitos de ritmo, movimento, tempo e montagem já eram intrínsecos ao seu processo criativo. Em Deren, a montagem é pensada não somente na relação entre planos imediatamente sequenciais, mas no filme como um todo, não em termos de submissão à narrativa linear clássica, mas à manipulação criativa desses fragmentos de real com base numa ideia ou emoção central que atravessa a obra.
Mesmo a continuidade manipula o real em favor da realidade do filme, como no caso de um mesmo movimento que atravessa espaços distintos ou que distorce o tempo natural de uma ação. A montagem dos filmes derenianos não se pretende transparente, mas, na verdade, ressalta a costura, o trabalho criativo da cineasta nas suas manipulações de espaço-tempo-movimento. É no processo criativo de montagem que o fio conceitual do cinema vertical é atado, que as relações entre as imagens são configuradas de acordo com a abordagem poética, e que a forma fílmica ritualística é, de fato, manifestada e materializada.
A montagem ritualística de Maya Deren une a continuidade do raccord com a descontinuidade dos fragmentos de real, numa investigação que menos busca soluções que sustenta sensações, emoções e ideias sobre os seus momentos, num ritmo circular, espiral. Montagem aberta, como definido por Vincent Amiel (2007) a respeito das repetições, do ritmo, das rimas da montagem de correspondências. Deren insere o ritual não apenas na temática, na narrativa (como, de fato, também ocorre nos seus filmes), mas na própria estrutura dessas obras. Abordar a estética de sua montagem joga luz sobre o trabalho de Maya Deren enquanto montadora, além de situar o seu cinema em diálogo com outras poéticas.
Bibliografia
- AMIEL, Vincent. Estética da Montagem. Lisboa: Armand Colin, 2007.
DEREN, Maya. An anagram of ideas on art, form and film. New York: The Alicat Book Shop Press, 1946.
______. Cinema: o uso criativo da realidade. Devires, Belo Horizonte, v.9, n.1, p. 128-149, jan./jun. de 2012.
______. Creative Cutting. Movie Makers, p. 190-206, mai. de 1947.
______. Divine Horsemen: the living gods of Haiti. Brasil: Edições Oséèturá, 2022.
______. Essential Deren: collected writings on film. Kingston, New York: McPherson &
Company, 2005.
______. Palestra proferida no simpósio Poetry and the Film, 1953.
TURIM, Maureen. The Ethics of Form. In: NICHOLS, Bill (ed). Maya Deren and the
american avant-garde. Los Angeles: University of California Press, p. 77-102, 2001.