Ficha do Proponente
Proponente
- Fernanda Bastos Braga Marques (UFRJ)
Minicurrículo
- Mestre (2016) e doutora (2021) em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Editora audiovisual desde 1999, tendo editado videoarte, programas de TV, filmes e videoclipes, em produtoras como Conspiração Filmes, TvZero e Giros.
Pesquisadora independente, integra a coordenação do ST Edição e Montagem Audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas, da Socine e do GT O cinema e as outras artes, da AIM – Associação dos Investigadores da Imagem em Movimento, em Portugal.
Ficha do Trabalho
Título
- Brecha – montagem, tempo e performance
Seminário
- Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas
Resumo
- O presente artigo explora o processo de edição do curta-metragem “Brecha” (2023), de Joana Antonaccio, destacando os desafios enfrentados para reduzir sua duração sem comprometer sua narrativa emocional. Nossa análise investiga como a montagem final alcançou o equilíbrio entre ritmo e emoção, por meio de um processo que buscou afetar o espectador em outros sentidos além da visão, construindo com ele diferentes percepções sobre o filme.
Resumo expandido
- O curta-metragem “Brecha” (2023), de Joana Antonaccio, enfrentou um desfio estético em sua fase de edição: a necessidade de reduzir sua duração para se adequar às exigências de festivais de cinema. Este texto mergulha no processo criativo por trás dessa redução, explorando os caminhos e analisando decisões que levaram à montagem final.
O filme chegou à sua versão final com 30 minutos, uma duração maior do que a desejada, uma vez que festivais e mostras de cinema dão preferência a filmes de até 15 minutos, que não estendem demais as sessões, quando exibidos junto com longas-metragens.
Iniciou-se então um novo período de edição em busca de reduzir a duração do filme, mas, depois um mês e algumas versões, Brecha tinha 24 minutos, ou seja, ainda era muito longo, embora fosse bem diferente. Ao contrário do esperado, algumas cenas ficaram mais longas, pois a performance das atrizes assim o demandava.
“Brecha” se passa dentro de uma casa em ruínas que funciona como um refúgio de mulheres durante a guerra. Chegamos lá junto com a 8ª refugiada. E com ela vamos conhecendo o ambiente e suas habitantes, observando seu o esforço pela manutenção do lugar e da saúde mental do grupo.
Sem diálogos, a narrativa apoia-se nas performances e em poucas poesias e canções entoadas. A união e o companheirismo desenvolvidos entre elas na urgência e no horror da guerra dispensa explicações.
Num filme como esse, a montagem deve orientar-se pelo o tempo da emoção e da ação, que difere inteiramente do tempo informativo, isto é, uma narrativa baseada no aspecto mais sensorial do drama e menos no sentido da história exige uma abordagem baseada no que Andrei Tarkovski chama de “pressão do tempo”. De acordo com o cineasta russo: “A consistência do tempo que corre através do plano, sua intensidade ou ‘densidade’, pode ser chamada de pressão do tempo; assim, então, a montagem pode ser vista como a união das peças feita com base na pressão do tempo existente em seu interior”. (TARKOVSKI, 2010, p. 139)
Depois de muitas tentativas de cortes e reduções, algumas cenas perderam completamente a força e foi preciso retornar ao material bruto e reencontrar esse ritmo, pulso ou batimento que revela o tempo necessário à cada cena para construir a melhor versão possível do filme.
Então, para analisar seu resultado final, bem como alguns detalhes do seu processo de transformação, recorreremos aos ensinamentos de Jean-Luc Godard sobre se deixar guiar pelas batidas do coração; de Teresa Faucon, que corrobora a ideia de que o ritmo interno das imagens em movimento aponta ou determina o ritmo da edição como um todo; de Karen Pearlman, que retoma a questão vertoviana do intervalo pelo viés do pulso; e de Walter Murch, que considera que o corte perfeito deve seguir a necessidade do olho de piscar.
Tarkovski afirma que “a imagem cinematográfica nasce durante a filmagem, e existe no interior do quadro”. E a “montagem reúne tomadas que já estão impregnadas de tempo, e organiza a estrutura viva e unificada inerente ao filme; no interior de cujos vasos sanguíneos pulsa um tempo de diferentes pressões rítmicas que lhe dão vida”. (TARKOVSKI, 2010, p. 135)
Cabe à montagem, então, aparar e combinar os planos deixando ao espectador o tempo adequado à fruição e à assimilação do que é mostrado. Pois, como conclui assertivamente Faucon, a montagem no cinema é essencialmente uma questão de como o movimento e o significado se relacionam e se afetam. No entanto, Vertov nos convida a ir além da simples noção de movimento como deslocamento físico e a considerar como o filme estimula o olhar e o corpo do espectador, implicando e explorando, por meio do corte, outros sentidos além da visão e envolvendo suas percepções de maneiras complexas. (FAUCON, 2014)
Em sua versão final, com 24 minutos, “Brecha” não só foi selecionado, mas também premiado em festivais na França, no Chile, na Holanda, na Índia e no Canadá.
Bibliografia
- BACHELARD, G. A Poética do espaço. Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Tijuca, sem data.
DELEUZE, G. Cinema II – A Imagem Tempo. São Paulo: Brasiliense, 2013.
FAUCON T. Énergie de l’intervalle. In : DEGENÉVE, Jonathan et SANTI, Sylvain (org.) Le montage comme articulation. Unité, séparation, mouvement. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2014.
GODARD, J-L. Montage, mon beau souci. In: Cahiers du cinéma, n. 65, 1956.
GONÇALVES, O. (Org.) Narrativas sensoriais. Rio de Janeiro: Editora Circuito, 2014.
MOURÃO M. D. G. A montagem cinematográfica como ato criativo. In: Significação: Revista De Cultura Audiovisual, 33 (25), 229-250, 2006.
MURCH, W. Num piscar de olhos. A edição de filmes sob a ótica de um mestre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
PEARLMAN, K. A edição como coreografia. In: CALDAS et. al… Ensaios sobre dança contemporânea, Rio de Janeiro, Aeroplano, 2012.
TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: : Martins Fontes, 2010.