Ficha do Proponente
Proponente
- Bruno Gavranic Zaniolo (USP)
Minicurrículo
- Bruno Gavranic Zaniolo é ator, autor, e doutorando vinculado ao Departamento de Letras Modernas da USP, orientado pelo Prof. Marcos César de Paula Soares. Suas produções incluem o livro “Sindicato de Ladrões”: o Método como um campo de disputa em Hollywood (Editora Pimenta Cultural), além de artigos e cursos. Foi vencedor dos prêmios APCA de melhor adaptação de teatro infantojuvenil em 2023 e Prêmio FEMSA de melhor autor em 2012. Atualmente, é professor de português na ETEC Getúlio Vargas.
Ficha do Trabalho
Título
- Trabalho coletivo, jogo de cena e os limites dos anos 1960 em Faces, de John Cassavetes
Resumo
- Através de Faces (1968) analisamos o cinema de John Cassavetes como uma intervenção nos modos de produção de Hollywood, em conexão com o desenvolvimento da cultura dos EUA na década de 1960. Veremos como a adoção do trabalho colaborativo e da prática do jogo de cena determinam as relações entre os artistas e a representação das personagens, elaborando sua poética baseada na construção de uma sensação de espontaneidade que incorpora os avanços e revela as contradições de seu contexto histórico.
Resumo expandido
- Essa comunicação integra uma pesquisa sobre o diretor John Cassavetes, na qual discutimos seu trabalho através dos filmes Faces (1968), Uma Mulher Sob Influência (1974) e Noite de Estreia (1978). Esse percurso possibilita tanto perceber a proposição, amadurecimento e readequação dessa proposta de cinema radicalmente independente dos meios hegemônicos de produção e crítica, quanto conectar tal experiência com o processo de desenvolvimento das formas do teatro e cinema nos EUA entre as décadas de 1960 e 1970.
Cassavetes é parte da geração de artistas que buscou, ainda nos anos 1950, quebrar os padrões que marcaram a cultura dos EUA durante a Guerra Fria. Por meio da liberação da criatividade pessoal, do combate às convenções formais e da proposição de “comunidades de pertencimento” entre sua equipe de trabalho, essa geração formulou uma verdadeira “cultura da espontaneidade” (BELGRAD, 1998). Tal ambiente proporcionou as bases da contracultura dos anos 1960, legando o repertório simbólico para a expressão do período sentido como um “desatar global de energias” (JAMESON, 1992). É nesse contexto que se enquadra a produção de Faces.
Filmado com uma equipe que se revezava em diversas funções, misturando profissionais com artistas em formação e rodado em grande parte na casa do cineasta, Faces incorpora um espírito totalmente independente que se configura como uma intervenção no sistema de produção cinematográfica. O filme testemunha um processo de reorganização da indústria cultural através de um alinhamento à logica corporativa que mudou completamente as estratégias de produção de Hollywood, adiantando o recrudescimento vivenciado no país a partir do início dos anos 1970 ao mesmo tempo que incorporando a linguagem subversiva da década anterior.
Faces responde à essas contradições por meio da proposição do jogo de cena (emprestado do teatro experimental) como elemento que marca as relações dos intérpretes e das personagens. Seus protagonistas, membros da classe executiva de Los Angeles, se envolvem em jogos de sedução e negociação enquanto tentam se desvencilhar das limitações oferecidas pelas convenções do casamento e de sua classe. Ao longo do filme, não apenas essas convenções são colocadas à prova, mas também o caráter subversivo de temas históricos dos anos 1960 (como a assunção de uma contracultura jovem e os direitos das mulheres) e a capacidade da indústria cultural em incorporar essas pautas.
Tais elementos são mobilizados como materiais de criação por meio do jogo cênico, gerando uma qualidade de expressão contrária à tradição realista-psicológica de Hollywood (e sua contraparte no Método de interpretação realista), sendo aproveitada no trabalho de edição para a construção de uma “sensação de improviso” e espontaneidade (VIERA, 1990). Esse trabalho, revelado por meio da variedade de planos obtidos em uma prática de filmagem onde a câmera se integra à prática de jogo, pode ser percebido, por exemplo, na redundância de closes que reiteram o registro subjetivo dos rostos que ajudam a elucidar o título do filme. Por fim, a obra acaba propondo um diálogo com as convenções do cinema Hollywoodiano e sua persistência na ilusão de veracidade e na identificação entre o espectador e a cena.
Percebemos, dessa forma, uma reafirmação do trabalho colaborativo diante das incertezas do fim da década de 1960: se para as personagens o espírito criativo é emperrado por seus limites ideológicos, baseados na manutenção de velhos costumes e modos de expressão, para os intérpretes a possibilidade da criação coletiva atesta o dado progressivo dessa experiência. Assim, o cinema de Cassavetes acaba por transformar sua experiência de produção em um tema secundário, através do qual se pode tanto compreender melhor as contradições do contexto histórico, quanto refletir sobre os limites dessa radicalidade diante das condições impostas por tal período.
Bibliografia
- BELGRAD, D. The Culture of Spontaneity. Chicago: The University of Chicago Press. 1998
CARNEY, R. Cassavetes On Cassavetes. Nova Iorque: Faber and Faber. 2001
JAMESON, F. Periodizing the 60´s. Social Text. Duke University Press. Nº 9/10. pp. 178-209. Primavera/Verão de 1984
MONACO, P. The Sixties: 1960-1969. Nova Iorque: Charles Scribner´s Sons. 2001
SOULES, M. “Improvising Character: Jazz, the Actor and Protocols of Improvisation”. Disponível em: https://marshallsoules.ca/shepard/character.htm
SPOLIN, V. Improvisação Para o Teatro. São Paulo: Editora Perspectiva. 4ª edição. 2001
VIERA, M. The Work of John Cassavetes: Script, Performance, Style and Improvisation. Journal of Film and Video. University of Illinois Press. Vol. 42. Nº 3. pp. 34-40. Outono de 1990
WEXMAN, Virginia Wright. The Rhetoric of Cinematic Improvisation. In: Cinema Journal. University of Texas Press. Vol. 20. Nº 1. pp. 29-41. Outono de 1990
XAVIER, I. (org.). A Experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Editora Graal.