Ficha do Proponente
Proponente
- Iury Peres Malucelli (Unespar)
Minicurrículo
- Iury é mestre em Cinema e Artes do Vídeo pelo PPG-CINEAV, da Universidade Estadual do Paraná. Também pela Unespar, é bacharel em Cinema e Audiovisual. É membro do grupo de pesquisa Eikos (Unespar/PPG-CINEAV/CNPq). Atua no meio do cinema e do audiovisual como pesquisador, curador, cineclubista e legendador.
Ficha do Trabalho
Título
- O filme-retrato e a figuração do rosto entristecido: uma constelação emotiva
Seminário
- Estudos Comparados de Cinema
Resumo
- O trabalho busca delinear, tendo em vista a noção de filme-retrato e suas possíveis estilísticas, uma constelação fílmica da figuração da expressão facial da tristeza em obras que buscam a composição fílmica de retratos de sujeitos. Com essa investida, esperamos compreender de que formas a expressão das emoções – movente e ativa – está articulada em imagens cinematográficas que se voltam para rostos a serem retratados em movimento, em oposição à tradicional estaticidade do retrato pictórico.
Resumo expandido
- O filme-retrato é uma espécie de forma de representação em que “o que está em jogo é menos uma narrativa fundada no desenvolvimento de uma ação dramática do que a mise en scène de um desejo reiterado de retratar um sujeito ou um rosto” (OLIVEIRA JÚNIOR, 2017, p. 189). Se o close-up cinematográfico pode ser pensado como um centro nervoso da dramaticidade no cinema narrativo (a emoção da performance, a direção do olhar, a boca que fala, são fatos que corroboram para essa ideia), no filme-retrato ele parece se deslocar, ganhando novos sentidos e propósitos. Torna-se, no ato de registro da objetiva, um objeto aberto e dado à visão, no qual está implícita toda uma relação de poder e de jogo entre retratado/a e retratista.
E se, no retrato pictórico, tradicionalmente se busca a compostura e a neutralidade do sujeito retratado, em prol da construção de uma legibilidade de seu ser (BRILLIANT, 2008, p. 112), o acréscimo, no filme, da ilusão de movimento à imagem, desestabiliza essa possibilidade: o registro cinematográfico é refém do acontecimento e da duração, e a compostura se desfaz conforme o retratado, consciente do aparato e em acordo ou não com o retratista, constantemente muda, age, se expressa de diversas formas.
O esforço analítico deste trabalho se concentra nessa torção: a forma do filme-retrato não consegue escapar do fato de que os sujeitos em quadro são fugidios e instáveis, passíveis de se desvencilharem do olhar organizador do retratista através da sua capacidade de movimento e ação livres. Identificada essa dinâmica, trataremos de observar algumas imagens de rostos tristes em filmes-retrato, para abordarmos as seguintes questões: de que formas a expressão das emoções (da tristeza) aparece no filme-retrato, e como opera nessa forma de representação?
A tristeza, enquanto expressão, é particularmente importante, já que não são poucos os filmes-retrato em que o sujeito retratado se entristece ou chora, em determinado momento, de forma repentina e inesperada. A tristeza, nesse sentido, constitui crise, ruptura e desestabilização de um determinado status quo. Ela traz à tona aquilo de inevitável que há na afetividade humana: as emoções devem ser expressas, e o fazem materializando-se no corpo através de atos, movimentos de fato. Georges Didi-Huberman ilustra bem essa proposição, ao questionar: “uma emoção não seria uma e-moção, quer dizer, uma moção, um movimento que consiste em nos pôr para fora (e-, ex) de nós mesmos?” (2016, p. 24-26).
Que obras compõem o trajeto reflexivo deste trabalho? Utilizaremos o dispositivo analítico das constelações fílmicas (SOUTO, 2020) para dar conta de um conjunto de filmes díspares que compartilham o elemento comum de constituírem investidas retratistas. A tristeza, expressa em cada uma dessas obras, tem um papel determinante na constituição dos sujeitos retratados. Um grupo de cinco filmes e uma obra em vídeo compõe a constelação: o Screen Test de Anne Buchanan (Andy Warhol, 1964-66); o longa-metragem Portrait of Jason (Shirley Clarke, 1967); o longa Les hautes solitudes (Philippe Garrel, 1974); os longas Cavalo Dinheiro e Vitalina Varela (Pedro Costa, 2014 e 2019); e a instalação em vídeo Man of Sorrows (Bill Viola, 2001).
Nesse conjunto, é perceptível a diversidade de formas e de estratégias estilísticas que constituem a tentativa do retrato filmado. Também é notório que, em cada uma das obras, a relação entre retratado/a e retratista se dá de acordo com dinâmicas de representação distintas. Os filmes de Pedro Costa apostam na imobilidade e na pose dos retratados para compor um quadro de suas existências. Já o filme de Philippe Garrel se apoia na efemeridade do registro e da expressão da retratada Jean Seberg, utilizando uma forma que, por vezes, remete ao filme caseiro. Em cada caso, a tristeza como fato expressivo desponta dos sujeitos em quadro, lembrando-nos da emoção enquanto elemento fundamental do existir humano e como parte integrante, inevitável, da estética do filme-retrato.
Bibliografia
- AUMONT, Jacques. El rostro en el cine. Buenos Aires: Paidós Ibérica, S. A., 1998.
BRILLIANT, Richard. Portraiture. Londres: Reaktion Books Ltd, 2008.
COURTINE, Jean-Jacques; HAROCHE, Claudine. História do rosto – Exprimir e calar as emoções. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2016.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Que Emoção! Que Emoção? Tradução de Cecília Ciscato. São Paulo: Editora 34, 2016.
DOANE, Mary Ann. Bigger Than Life – The close-up and scale in the cinema. Durham e Londres: Duke University Press, 2021.
OLIVEIRA JÚNIOR, Luiz Carlos. Retratos em movimento. ARS, São Paulo. v. 15, n. 31, p. 183-208, 2017.
RIBEIRO, Eunice. Poéticas do Retrato – o desgaste das figuras. Diacrítica, ciências da Literatura, Braga. n. 22/3, p. 265-322, 2008.
SOUTO, Mariana. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, São Paulo, n. 45, p. 153-165, set.-dez., 2020.
STEIMATSKY, Noa. The Face on Film. Oxford: Oxford University Press, 2017.