Ficha do Proponente
Proponente
- Fernando Morais da Costa (PPGCine – UFF)
Minicurrículo
- Professor titular do Departamento de Cinema e Vídeo e do PPGCine da Universidade Federal Fluminense. Possui pós-doutorado na Universidade Federal de Pernambuco. Foi professor visitante na University of Cambridge. É fundador e ex-coordenador dos Seminários Temáticos sobre Som no Audiovisual da Socine. Foi secretário acadêmico (2017 -2019) e membro do comité cientifico (2019-2021) da mesma instituição. É autor de O som no cinema brasileiro (Rio de Janeiro: 7 letras, 2008).
Ficha do Trabalho
Título
- Sons ambientes centrais, sem vozes. Experimental? Entre lá (longe, talvez Escócia) e cá
Seminário
- Histórias e tecnologias do som no audiovisual
Resumo
- O objetivo desta proposta é analisar a trilha sonora dos filmes do cineasta britânico Ben Rivers, especialmente Two Years at sea, de 2011. A obra de Rivers se relaciona com um dito cinema experimental, eventual alvo de nossos interesses, além de dialogar com a vertente de um slow cinema contemporâneo. Analisaremos a onipresença dos sons ambientes, em um filme que abre mão de quaisquer vozes, como escolha sonora para representar a vida solitária do andarilho que é o único personagem apresentado.
Resumo expandido
- O cinema experimental, se assim o podemos chamar, é regularmente parte dos interesses deste pesquisador, como atestam o trabalho sobre Warhol e Mekas (COSTA, 2016), Derek Jarman, Walter Ruttmann e João Cesar Monteiro (COSTA, 2020). Desta vez, nos interessam exercícios fílmicos como Two years at sea (2011) e Slow action (2010), do britânico Ben Rivers.
Em Two Years at Sea, Rivers acompanha um andarilho, Jake Williams, que tem como base uma casa improvisada em algum lugar da Escócia. O filme não conta com diálogos ou falas de \Williams ou de mais ninguém. Sua vida solitária se transforma, no que se refere à trilha sonora do filme, na ausência total de vozes, o que desafia a ideia de um cinema vococêntrico (como entendido por Michel Chion e tão presente no nosso cotidiano como espectadores) e na onipresença dos sons ambientes como representados à sua volta. Ouvimos e vemos a floresta, os lagos, assim como temos a presença dos ruídos de suas ações sem fala (um banho, por exemplo). Há, no decorrer do filme, alguma presença de música diegética: as canções que surgem do toca-discos e caixas de som que ele possui, e que sonorizam o espaço que o cerca.
Slow Action, é um filme composto de quatro partes, cada uma representando uma ilha, de variados pontos do planeta: Tuvalu, na Oceania; Lanzarote, nas Ilhas Canárias, na costa da África; Somerset, território britânico; Kazen Hashima, Japão. A sonorização de cada episódio, ou cada ilha, varia. O filme se inicia com silêncio total sobre fotos still, música, uma voz over feminina sobre Lanzarote; voz over masculina e sons ambientes em Tuvalu; em Kazen Hashima, uma ilha abandonada pela sua proximidade com Hiroshima, há a música emprestada de Vampiro (Vampyr), de Carl Theodor Dreyer, de 1931, além de outra voz over feminina; por fim, voz over masculina e música sobre Somerset. Além da fragmentação inerente a um filme em episódios, uma correspondente fragmentação da trilha sonora é a base da narrativa que conecta as informações sobre cada lugar com as preocupações de fundo ecológico gerais.
Vemos similaridades, no modo de filmar de Ben Rivers, com a obra do cineasta e artista visual brasileiro Cao Guimarães, especialmente no longa-metragem Andarilho, de 2007, já analisado por nós anteriormente. Em Andarilho, três homens são retratados em suas vidas nômades, pelas estradas do norte de Minas Gerais. O filme conta com o desenho de som da dupla de músicos O grivo, responsáveis por uma estética sonora que une, sem demarcar fronteiras, música e ruídos. O longa-metragem de Cao Guimarães não é baseado em diálogos, e mesmo quando há falas dos personagens, nunca é uma fala clara, fácil de ser compreendida, até pelo seu costume de viverem sozinhos, à margem da sociedade e das cidades (COSTA, 2019).
Entendemos que a mesma lógica se aplica, por exemplo, aos filmes do argentino Lisandro Alonso. Em Los Muertos, que também já foi objeto de nossa análise, acompanhamos um personagem solitário e silencioso em sua jornada remando pelos rios e florestas do norte da Argentina. Como sonorização dos vários plano-sequências que compõem o filme, há quase exclusivamente os sons ambientes das matas e dos rios, sem músicas extra-diegéticas e praticamente sem falas. A mesma estratégia se repete em outro longa-metragem seu, Liverpool, mas a paisagem é bastante diferente do quente norte do país. Acompanhamos o personagem principal silencioso na sua jornada pela Terra do Fogo, a partir de Ushuaia, no sul austral do mundo.
Tanto os filmes de Ben Rivers, nosso objeto para esta apresentação, quanto o de Cao Guimarães e ainda os de Lisandro Alonso aqui lembrados podem ser entendidos como exemplos de um slow cinema que aposta nos sons ambientes mais do que no usual reinado das vozes em suas trilhas sonoras. É essa prevalência dos sons ambientes que nos interessa. O recorte sobre a obra do britânico é parte da pesquisa desenvolvida no período como professor visitante no Reino Unido, na University of Cambridge.
Bibliografia
- CAGE, John. Experimental Music. In: CAGE, John. Silence: Lectures and writings. Hanover: Wesleyan University Press, 1961.
COSTA, Fernando Morais. Chelsea Girls, Walden. 1966, 1969. Som direto, silêncio, vozes, deslocamentos. Eco-pós. Rio de Janeiro: UFRJ, v. 19, 2016.
____. Vozes e sons ambientes sobre telas azuis, negras. Limites possíveis das relações entre sons e imagens. In: MUANIS, Felipe; PELEGRINI, Christian. (Org.). Perspectivas do audiovisual contemporâneo. Juiz de Fora: UFJF, 2020.
____. Som e ritmo interno no plano-sequência: Five, Andarilho. In: CARREIRO, Rodrigo; BELTRÃO, Filipe; OPOLSKI, Debora. (Org.). Estilo e som no audiovisual. São Paulo: SOCINE, 2019.
FORREST, David. New Realism: Contemporary British Cinema. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2020.
ROGERS, Holly, BARHAM, Jeremy. The Music and Sound of Experimental Film. Oxford: Oxford University Press, 2017.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Do experimental ao filme-ensaio. Significação. São Paulo: USP, n. 49, 2022.