Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Jeferson de Vargas Silva (USP)

Minicurrículo

    Graduado em Produção Audiovisual pela PUC/RS, Especialização em Artes/UFPEL e Mestrando em Artes Cênicas PPGAC/ECA/USP. Ator, professor de teatro e produtor. Realizou dezenas de encenações teatrais, ministrou oficinas de teatro por sete anos em Projetos de Extensão no IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina) e, atualmente, trabalha como produtor executivo e assistente de direção em projetos audiovisuais.

Ficha do Trabalho

Título

    A INFLUÊNCIA DO ESPAÇO CÊNICO NA UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA NO “TEATRO DE VIVÊNCIA”

Eixo Temático

    ET 2 – INTERMIDIALIDADES, TECNOLOGIAS E MATERIALIDADES FÍLMICAS E EPISTÊMICAS DO AUDIOVISUAL

Resumo

    A partir dos espetáculos de “Teatro de vivência”, encenados pela Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, propõe-se uma reflexão sobre como a manipulação do espaço cênico – utilizado como um dispositivo de desorientação e instabilidade – apropria-se dos princípios da linguagem cinematográfica. Observaremos igualmente como o espaço cênico influencia nas estratégias escolhidas para se registrar em vídeo esses espetáculos.

Resumo expandido

    No seu livro “A forma do filme”, Eisenstein (2002) alegava, no início da década de 1920, que começou a aplicar os princípios da linguagem cinematográfica antes mesmo de se tornar cineasta, quando ainda atuava no teatro. Ele associava o efeito cinematográfico tanto à busca por um ambiente imersivo associado à estética realista, como à utilização dos princípios de montagem inspirados na dinâmica do teatro popular. A estratégia para se conseguir esses efeitos cinematográficos consistia, para além do trabalho com a fragmentação, na manipulação do espaço cênico, rompendo com o palco italiano e aproximando o público da cena. Semelhante ao seu professor, Meyerhold, que em 1922, ao iniciar seu projeto construtivista, chamou L. Popova para criar uma espécie de engenhoca composta por plataformas, escadas e rampas, que se denominou dispositivo cênico, fugindo da representação ilustrativa de um ambiente cotidiano e possibilitando, assim, a utilização do espaço em diversos níveis e profundidades, ao se buscar quadros complexos que se beneficiavam dos princípios de montagem. Um crítico da época, ao se referir ao espetáculo “Floresta”, afirmou que Meyerhold estaria fazendo “cinema no teatro” (Picon-Vallin, 2019).
    Quando olhamos para os espetáculos da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, denominados “Teatro de vivência”, identificamos semelhanças nas estratégias utilizadas pelos encenadores soviéticos, pois, ao montar espetáculos não-lineares, pensa-se o espaço cênico como um dispositivo que, além de criar uma ambiente imersivo, também desorienta o espectador. Esses espetáculos são idealizados para um pequeno público (30 pessoas) que percorre ambientes de diferentes tamanhos, formas, alturas e texturas. Há um trabalho arquitetônico cuidadoso, jogando com as disposições das cenas, trabalhando com ângulos, profundidade de campo, níveis, sobreposições, simultaneidades e cortes.
    Desse modo, ao nos depararmos com o registro em vídeo de um desses espetáculos, observamos que a espacialidade influencia diretamente na estética do produto audiovisual, não sendo possível encaixar esses registros no conceito de “teatro filmado”, nem na abordagem clássica de “filme de teatro” (encenações teatrais adaptadas para o audiovisual) (Matsumoto, 2017), pois o operador de câmera, ao integrar o público no espaço cênico, torna-se parte ativa do espetáculo. A instabilidade, a desorientação e as incertezas que provêm do espaço transformado em um labirinto – no qual o público encontra-se desprovido do fio de Ariadne para encontrar a saída – afeta também o olhar do operador de câmera, que é apenas mais um dentre os espectadores que tentam encontrar um lugar no espaço sem cadeiras ou qualquer indicação de onde se deve (ou não) ficar, sendo imprevisível onde acontecerá a próxima cena. Assim, a incerteza gerada pelo dispositivo de desorientação e instabilidade fica evidenciada nas imagens do registro. A câmera, além de interagir com os atores, interage também com os espectadores que, por estarem em relação direta com os atores, tornam-se personagens na obra audiovisual, tendo registradas suas ações e reações, bem como suas escolhas de ocupação do espaço cênico. Logo, quando nos deparamos com os arquivos audiovisuais desses espetáculos (gravados no decorrer de pelos menos 30 anos) observamos que existe um padrão nesses registros: a estratégia (pensada ou não) de se transformar o narrador do vídeo em um espectador comum, deixando latente a “cinematização” do espetáculo (Conrado, 1969; Monteiro, 2011), já que os princípios cinematográficos empregados na manipulação do espaço cênico ficam evidentes no vídeo – não por uma decupagem realizada previamente à captação, mas pela decupagem cênica elaborada na própria concepção do espetáculo.

Bibliografia

    CONRADO, Aldomar (Org). O teatro de Meyerhold. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1969.
    EISENSTEIN, Serguei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
    MATSUMOTO, Roberta. Variações sobre teatro e audiovisual. Repertório, Salvador, ano 20, n.28, p.47-67, 2017.
    MONTEIRO, Gabriela Lírio Gurgel. Teatro e cinema: uma perspectiva histórica. ArtCultura, Uberlândia, v. 13, n. 23, p. 23-34, 2011.
    PICON-VALLIN, Béatrice; FALEIRO, Tradutor – José Ronaldo. O corpo de Carlitos, modelo para o teatro e o cinema das vanguardas soviéticas. Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 19, p. 121–128, 2019.