Ficha do Proponente
Proponente
- João Vitor Resende Leal (IFB)
Minicurrículo
- João Vitor Leal é professor e pesquisador no Instituto Federal de Brasília. É mestre em cinema pela Universidade de Paris-3 e doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela Eca-Usp, com período sanduíche na Universidade de Montréal e estágio pós-doutoral na Unicamp. Sua pesquisa aborda a noção de personagem e as relações entre corpo e imagem no audiovisual.
Ficha do Trabalho
Título
- A imagem à luz da sombra: Nosferatu, Vampyr, Drácula
Seminário
- Estudos Comparados de Cinema
Resumo
- A partir de uma comparação entre os filmes de vampiro Nosferatu (1922, 1979 e 2024), Vampyr (1932) e Drácula (1992), analisaremos a sombra do vampiro como operador de reflexões sobre corpo e imagem, realidade e ilusão, presença e representação, identidade e alteridade. Por meio dessa análise da relação anômala entre o vampiro e sua imagem, em diálogo com a filosofia e a história da arte, investigaremos a performatividade das imagens para além da transparência da representação.
Resumo expandido
- Esta comunicação visa, por meio da aproximação de filmes de vampiro, trabalhar a ideia de que eles encenam um modo particular de relação entre o espectador e a imagem. Nesse modo, a imagem transcende sua função habitual de representação mimética e manifesta uma capacidade performática testemunhada tanto pelos personagens em cena quanto pelo espectador.
Mais especificamente, analisaremos a sombra, elemento visual recorrente nas narrativas fantásticas e fundamental no mito do vampiro. Argumentaremos que a sombra do vampiro é exemplar da performatividade da imagem no cinema. A relação anômala entre o vampiro e sua imagem é explorada em filmes como Nosferatu (Murnau, 1922; Herzog, 1979; Eggers, 2024), Vampyr (Dreyer, 1932) e Drácula (Coppola, 1992), em cenas nas quais a sombra precede e substitui o corpo do monstro e se dá a ver agindo por conta própria. A partir dessas cenas, pensaremos a sombra como uma imagem emancipada de seu suporte medial (Belting, 2014) ou um “duplo de proximidade” emancipado daquilo que lhe é dado duplicar (Rosset, 2004). Tal anomalia se conjuga, ainda, ao temor à luz do sol e à ausência de reflexo no espelho – propriedades do vampiro que manifestam a mesma recusa da representação mimética verossímil em prol da presentificação sensível. Na comparação entre os filmes, veremos que a sombra não apenas facilita ao vampiro agir para além das limitações de seu corpo: ela também articula um entendimento das imagens como entidades que agem concretamente no mundo, configuram um sentido de realidade e nos levam a repensar a capacidade de aparecer, insurgindo contra a transparência da representação. Nesse sentido, a comparação nos permitirá revisitar conceitos que reivindicam a agência das imagens, como o “ato de imagem” (Bredekamp, 2015; Soto Calderón, 2020), o “acontecimento de imagem” (Dubois, 2012) e a “ficção de imagem” (Siéty, 2009). Argumentaremos ainda que, nesses filmes, a performatividade da sombra talvez possa ser melhor compreendida à luz de uma distinção entre diferentes modos de endereçamento do personagem fílmico (Leal, 2019). Ao se descolar do vampiro, a sombra simultaneamente manifesta os desejos perversos do monstro (personagem-pessoa), energiza a narrativa assombrando a memória e a imaginação do espectador (personagem-figura) e faz notar sua presença e sua plasticidade como matéria visual (personagem-presença).
Ao longo da exposição, travaremos diálogos com algumas narrativas que norteiam o pensamento ocidental acerca das imagens. Como observa Stoichita (2016), a sombra está no cerne da narrativa mítica com que Plínio, o Velho descreve a origem da pintura e da escultura; na alegoria da caverna elaborada por Platão, as sombras constituem o mundo sensível que se opõe ao mundo inteligível; já na iconografia cristã, a sombra projetada é signo da carnalidade e da mortalidade do corpo; e, na literatura fantástica e na psicanálise, ela é emblema do duplo, categoria que revela o inquietante naquilo que nos deveria ser familiar. Esses diálogos nos ajudarão a explicitar o cinema como um importante operador da reflexão sobre as relações entre corpo e imagem, realidade e ilusão, presença e representação, identidade e alteridade.
Bibliografia
- BELTING, Hans. Antropologia da imagem: por uma ciência da imagem. Lisboa: KKYM, 2014.
BREDEKAMP, Horst. Théorie de l’acte d’image. Paris: La Découverte, 2015.
DUBOIS, Philippe. “Plasticidade e cinema: a questão do figural” in HUCHET, Stéphane (org.). Fragmentos de uma teoria da arte. São Paulo: Edusp, 2012, p. 97-118.
LEAL, João Vitor. Pessoa, figura, presença: o personagem cinematográfico entre o narrativo e o sensorial. Tese de doutorado em Meios e Processos Audiovisuais, USP, 2019.
ROSSET, Clément. Impressions fugitives: l’ombre, le reflet, l’écho. Paris: Minuit, 2004.
SIÉTY, Emmanuel. Fictions d’images: essai sur l’attribution de propriétés fictives aux images de film. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2009.
SOTO CALDERÓN, Andrea. La performatividad de las imágenes. Santiago: Metales Pesados, 2020.
STOICHITA, Victor. Breve história da sombra. Lisboa: KKYM, 2016.