Ficha do Proponente
Proponente
- Milene Migliano Gonzaga (ESPM-SP/UFRB/CLACSO)
Minicurrículo
- Professora e pesquisadora em culturas urbanas, cinema e audiovisual, internet, plataformas e experiências estéticas e políticas da contemporaneidade, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA, mestre em Comunicação e Sociabilidade Contemporânea pela UFMG, integra a Associação Filmes de Quintal na qual compõem o forumdoc.bh – festival do filme documentário e etnográfico de Belo Horizonte desde 2003. Integra o Juvenália/ESPM-SP, o GEEECA/UFRB e a CLACSO, no eixo de Infâncias e Juventudes.
Ficha do Trabalho
Título
- Bibiana, Baby e Vitória: invocações audiovisuais entre potência de vida e de vida
Resumo
- Entre “Baby” e “Vitória” miro em fragmentos dos filmes no qual existências dissidentes de sexualidade e gênero (SOUZA, BRANDÃO, 2020; ROCHA, 2023) proporcionam um alento sensorial/afetivo nas tramas, o qual flui (VIEIRA JR, 2020) em uma materialidade cuir que brilha ao existir nas ruas, e nas telas invoca audiovisualmente os sentidos com a dança envolvente (MIGLIANO, 2024; RIBEIRO, 2024) para que a potência de vida, audiovisual e imaginária seja mais que o respirar: seja vencer (GELAIN, 2023).
Resumo expandido
- O filme “Vitória”, de Andrucha Waddington e Breno Silveira, me comoveu deveras quando Bibiana aparece a primeira vez na trama, como vizinha da protagonista Nina, surpreendendo com sua presença sagaz, amorosa e essencial à vida de Nina. Baby insiste em sua existência fluída no centro de SP.
Bibiana surge no corredor do prédio de Nina e apoia a protagonista na reunião de condomínio, na discussão sobre a violência do morro vizinho. Uma outra tarde, Nina vê Bibiana entrar em um ambiente fechado a portão em Copacabana, e a segue, adentrando o local. Ao entrar, Nina é convidada a aceitar uma cartela de Bingo, no ambiente escuro iluminado por luzes coloridas. Nina encontra Bibiana com os olhos, que acena e lhe chama para sentar: Bibiana já está em uma mesa de jogo, com outras pessoas, mas dona Nina, depois de aceitar os cumprimentos, diz que partiria. Outra tarde, adiante no enredo, Bibiana convida-a para uma matinê dançante naquele Bingo e elas vibram uma tarde em minutos mágicos na tela. Ambas se identificam como amigas, entre os passos e notas dos ritmos coloridos que as balançam. A dança que compõem as fazem bailar energizadas pelo amor que as envolve, atualizando a proposição da dança envolvente para ficções, baseadas em fatos reais.
A dança com “Baby”, protagonista e nome do filme de Marcelo Caetano, 2024, performada no Centro de São Paulo, se estabelece na Praça da República, in sito e em seus arredores. A primeira imagem que nos apresenta o corpo de baile, se encontra na ponte da praça, sobre um espelho d’água que abrilhanta a cena e acontece aos quase dez minutos de filme. Foi ali o primeiro momento de afeto compartilhado entre Baby e outras pessoas personagens. Com o som produzido por um comentattor que manda o chanti que está sincronizado com os beats e o corpo que performa, “todo o babado” armado nos apresenta a alegria e reencontro entre as pessoas amigas. Na segunda vez que estamos na praça com o corpo de baile, saímos de lá para o Bailão, noite dançante que se inicia com um buffet servido ao público e no qual os passos trocados no salão são gestos intergeracionais. O Bailão foi o tema do primeiro filme de Marcelo Caetano, no qual com produção de set, retornei para aquele espaço, invocando memórias audiovisuais tocantes em meu âmago, somada a dança leve, alegre e vibrante de Baby; na porta de saída, ele esbarra outra vez com violência, estancada pela dança na duração fílmica. A música e a dança retornam ao final, quando encontramos com a House Close Certo entrando pela porta de trás do ônibus. O commentator clama no busu: “Quem tá na área, é não binária, é de Recife ou da Zona Oeste, sei que meu chanti intimida o patriarcado e os cabra da peste. Se tu quer um chanti brabo, daqueles que tu não esquece, tu pode me ligar discando 007.” A performer inicia a coreografia no corredor do ônibus, envolvendo todas as pessoas. Na sequência, vem Baby, surpreendendo a espectatorialidade envolvida na narrativa, encantando os passageiros naquela viagem noturna. Corta para a House Close Certo entrando no ônibus, agora pela porta da frente, de dia. O ritmo do chanti marca a performance. “Quando eu mando o chanti todo o baile fica atônito, canetada braba com o meu pincel atômico, rima refinada com um golpe supersônico…”. Baby, enquanto dança, é agora ele surpreendido por um chamamento de seu nome, por Ronaldo, no fundo do busu. Baby pula a catraca e eles conversam, o tudo que ainda não havia sido conversado. A última cena com a dança deles, juntos, numa ruína que abrigava sua casa na pensão, gira entre a memória, o sonho, o vogue que Baby ensina a Ronaldo e os golpes de boxe que Ronaldo ensina a Baby. A dança envolvente embala Bibiana, Baby e Nina, em seus gestos de resistência à todas as tentativas de morte, bem como de violência, que recaem sobre seus corpos. O alento sensorial/afetivo é invocação audiovisual no cinema em fluxo. A dança envolvente nos filmes restabelece a potência de vida e de vida delas, personagens vida, em nós.
Bibliografia
- GELAIN, G. C.. A GENTE TEM QUE SE MANTER VIVO: narrativas audiovisíveis de corpos trans e gêneros dissidentes no centro de São Paulo. Tese (Doutorado). Escola Superior de Propaganda e Marketing, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo, São Paulo, 2023.
MIGLIANO, M. Dança envolvente e ficções visionárias: fabulação crítica de cidades amorosas para elas. In: RIBEIRO, V. K.; BRANDAO, A. S. ; SOUSA, R. L. . Amor da cabeça aos pés 1: imagens flamejantes, comunicações incorporadas.. Logos (Rio de Janeiro. Online), v. VOL 31, 2024.
ROCHA, R. de M. et al. Linn, da quebrada e das urbanidades. Salvador: Devires, 2023.
SOUSA, R. L. de; BRANDÃO, A. S. Inventário de uma infância sapatão em um mundo de imagens. Rebeh – Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, v. 02, n. 03, p. 121-137, 2020.
VIEIRA Jr, E. Realismo sensório no cinema contemporâneo. 1. ed. Vitória: Edufes, 2020.