Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiz Afonso Morêda (FAAP)

Minicurrículo

    Luiz Afonso Morêda (Recife, 2002) é graduando em Cinema pela Fundação Armando Alvares Penteado. Dirigiu e produziu o curta-metragem Dias e Noites (XV Janela Internacional de Cinema do Recife, IndieLisboa 2025), além de outros trabalhos na área com a produtora Pena Capital, da qual atualmente é sócio. Na graduação, pesquisa o cinema de Edward Yang sob a orientação do professor Francis Vogner dos Reis.

Ficha do Trabalho

Título

    Corpos sem lastro: uma história de Taipei

Eixo Temático

    ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL

Resumo

    Este trabalho analisa o filme História de Taipei (1985), do cineasta taiwanês Edward Yang, a partir da noção de “corpos sem modelo”, da teórica Nicole Brenez, buscando entender a dualidade que permeia a representação do corpo na obra. Ao tomar em conta o esgotamento do cinema nos anos 80 e os seus desdobramentos, a pesquisa busca defender uma análise da representação no filme que vá além das noções de ilusionismo, buscando delinear a qualidade da presença dos corpos na obra.

Resumo expandido

    Um homem retorna para casa após uma noite na qual perdeu tudo, inclusive seu carro. Ele anda em uma estrada vazia. Um táxi passa por ele, mas ignora os seus gritos e chamados. O homem corre atrás do táxi, que segue impassível e então, um corte: passamos para um plano em que a câmera está acoplada ao carro em movimento e que enquadra o rapaz correndo — ele persegue, dessa forma, o carro e a câmera ao mesmo tempo. A tomada segue por um tempo, o veículo em movimento, o homem cada vez menor no quadro, pois a câmera se distanciou, até que o táxi vira a esquina e esse homem desaparece no plano; ele é abandonado na estrada — pelo carro, pelo filme.

    A cena é de História de Taipei (1985), de Edward Yang, cineasta de Taiwan e um dos fundadores do movimento Novo Cinema Taiwanês, e expõe a dupla natureza do filme. O corpo errante que persegue o carro/câmera possui uma dualidade. Ele é, de uma só vez, um homem desesperado para chegar em casa, abandonado por um carro, e também uma efígie, um fantasma, aprisionado nos limites do quadro do filme, abandonado pela câmera, e que a persegue em busca de uma saída.

    Ao colar o ponto de vista da câmera ao carro e abandonar o personagem, Yang produz uma quebra dentro da proposta naturalista do filme. O que até então apresentava uma visão de cinema calcada em um ilusionismo, que parecia confiar no caráter ontológico da imagem cinematográfica — que os corpos representados guardam algo de seus modelos originais e devem ser analisados a partir das propriedades desses modelos, os corpos orgânicos — agora se mostra uma noção insuficiente de dar conta do que o filme apresenta.

    É preciso pontuar que a partir dos anos 80 o cinema atravessava uma nova crise, ao que uma parcela da crítica atribuiu ao fim do cinema moderno e um esgotamento, uma dificuldade de representação. Assim, passa-se a produzir corpos que perderam seu lastro, isto é, filmes que convidam um outro olhar sobre os corpos que representam, que desafiam as noções da representação mimética e apresentam possibilidades do cinema trabalhar a representação dos corpos à sua própria maneira, com sua propensão à alegoria, invenções figurativas e capacidade de previsão.

    Com efeito, o homem da estrada, Lung é o nome dele, mais tarde no filme será morto na mesma estrada, em uma cena semelhante. No entanto, após mostrar o personagem sendo ignorado pelo táxi — seria ele já um fantasma? —, Yang nos mostra a namorada de Lung, a protagonista do filme, indo à praia com amigos, momento peculiar em uma obra que se passa inteira em Taipei. O corpo efetivo de Lung não morreu ao ser ignorado pelo táxi, mas fora da chave do ilusionismo as possibilidades são outras. Ele é também um fantasma, que terá mais quatro encontros no resto do filme, dois com personagens do seu passado, ambos embriagados a lembrar de histórias — confessá-las a um fantasma —, um com sua namorada, no escuro de um apartamento, e um último com o seu assassino, também ele um corpo fantasmático, mudo.

    Considerado menos como corpo e mais como efígie, Lung é um fantasma cujo abandono na estrada prefigura sua morte. Esse entendimento, corroborado pelo estado do cinema na década de 80, apresenta uma resposta ao esgotamento com o qual os cineastas lidavam, bem como aponta questões quando colocado em relação ao contexto cultural de Taiwan à época. Enquanto diversos cineastas de diferentes lugares da Ásia voltavam com a ênfase no real, no redescobrimento da epiderme do mundo, como uma espécie de retorno a Lumière, Edward Yang propôs um outro cinema, cuja qualidade da presença dos corpos representados contém algo de especial.

    Assim, procura-se entender a dupla natureza da representação do corpo em História de Taipei, quais possibilidades residem abaixo da camada aparente da diegese. Ao assumir o corpo de um dos personagens como fantasmático mais do que real, investiga-se como isso dialoga com o esgotamento dos anos 80, bem como entender a repercussão do contexto cultural de Taipei nesta análise.

Bibliografia

    BOUQUET, Stéphane. Plan contre flux. Cahiers du Cinéma, nº 566, dezembro de 1996.

    BRENEZ, Nicole. On The Figure In General And The Body In Particular. Translation: Ted Fendt. New York: Anthem Press, 2023.

    BURCH, Noel. Life to those Shadows. Translation: Ben Brewster. California: University of California Press, 1990.

    DANEY, Serge. A rampa: Cahiers du cinéma 1970-1982. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

    OLIVEIRA JR., Luiz Carlos Gonçalves de. 2010. O Cinema de fluxo e a mise-en-scène. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) – USP, São Paulo, 2010

    WILSON, Flannery. New Taiwanese Cinema in focus: Moving Within and Beyond the Frame. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2014.

    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

    YANG, Edward. Generosidade: El invencible estilo invisible. 1998. In: HASUMI, Shigehiko e YAMANE, Sadao. Mikio Naruse. San Sebastian: Festival Internacional de Cine de San Sebastian, 1998.