Ficha do Proponente
Proponente
- Julio Bezerra (UFMS)
Minicurrículo
- Professor dos cursos de Audiovisual e do PPGCOM da UFMS. Fez estágios pós-doutorais na UFRJ e na Columbia University. Autor de Documentário e jornalismo (2014) e A eterna novidade do mundo (2019). Repórter e crítico de cinema, colaborou com uma ampla gama de publicações. Curador e produtor de diversas retrospectivas. Coproduziu e codirigiu a série Esquinas (Canal Brasil), dirigiu os curtas E agora? (2014) e Pontos corridos (2017), e produziu o longa Tokio Mao (2019).
Ficha do Trabalho
Título
- Que imagem é essa? Espaço, tempo e o não humano na era digital
Seminário
- Estudos Comparados de Cinema
Resumo
- O digital nos convida a repensar as categorias de espaço e tempo no cinema contemporâneo. Seguindo a esteira deleuziana, autores os mais variados têm se esforçado na busca por um terceiro tipo de imagem ou regime audiovisual. O objetivo deste texto é justamente descrever essa nova imagem. Fazê-lo nos leva à “neuro-imagem” de Patricia Pisters, à “imagem sem tempo” de Sergi Sánchez e à “imagem-rítmica” de Steven Shaviro, bem como à promessa por uma nova fenomenologia.
Resumo expandido
- O cinema contemporâneo, atravessado pelas tecnologias digitais, nos desafia um repensar das categorias tradicionais de espaço e tempo. Um filme como “Pânico na escola” parece nos oferecer uma nova imagem do tempo, diferente quer da temporalidade medida pelo movimento, quer daquela que irrompe como pura duração. Uma imagem especializada do tempo, que não é expresso indiretamente através das ações dos personagens, como na imagem-movimento, nem é uma imagem direta da passagem do tempo, como na imagem-tempo. Em vez disso, o tempo tornou-se plástico, algo que pode ser alterado e manipulado. O tempo como um recurso como qualquer outro. Não exatamente externo a nós, nem propriamente interno à experiência humana. Em outras palavras, experimentamos algo nesse filme que talvez não pudéssemos experimentar.
Não é à toa que David Rodowick (2007) lamenta o digital por ser incapaz de expressar duração. Embora seu desespero nostálgico me pareça inaceitável e até um tanto irresponsável, o teórico americano tem lá a sua razão. O que sentimos em grande parte do cinema em sua face digital é um modo bastante diferente de temporalização ou experiência. É algo mais implosivo do que expansivo, concatenando coisas (personagens, tramas, signos, referências) que coexistem sem exatamente se harmonizarem. O espaço se impõe sobre o tempo e modulações sonoras parecem ganhar precedência sobre as visuais, “como uma vingança do tempo sobre o espaço e do som sobre a imagem” (SHAVIRO, 2023, p. 53). Algo mais abstrato se insinua no horizonte, desafiando-nos a especulações e territórios não fenomenológicos e não humanos.
O objetivo desta apresentação é também o de se debruçar sobre esse desafio de uma nova imagem. Que imagem é essa? Como ela reverte, recupera e obsolesce o cinema, tudo ao mesmo tempo, como parte de um mesmo processo? Como ela dá forma, perturba, inverte e perpetua o mundo que vivemos? Não são perguntas fáceis. Respondê-las é compreender as formas de vida que essas novas imagens engendram e o mundo em que vivemos. Não é pouco. A mim, cabe apenas um tostão, algumas revisões, insights e apostas.
Seguindo a esteira deleuziana, percorreremos alguns dos autores, bem como suas principais motivações, que têm se esforçado na busca por um terceiro tipo de imagem ou regime audiovisual: a “neuro-imagem”, proposta por Patricia Pisters, que aproxima a experiência cinematográfica das paisagens mentais e das redes neurais digitais; a “imagem sem tempo”, formulada por Sergi Sánchez, destacando uma temporalidade fragmentada, eterna e não causal, própria do digital; e a “imagem-rítmica”, de Steven Shaviro, que enfatiza a intensidade sinestésica e a predominância do ritmo sonoro sobre a imagem visual.
Ao final, este trabalho se inscreve em um esforço coletivo por uma arqueologia especulativa da imagem contemporânea. A imagem digital não é simplesmente a continuação do cinema por outros meios: ela exige novos conceitos, novas sensibilidades, novas fenomenologias — talvez não humanas, talvez pós-perceptivas. “A câmera já não nos representa”, diz Shane Denson. A imagem nos precede, nos contorna, nos captura. E ainda assim, nela pulsa uma promessa: a de que, mesmo em meio à modulação algorítmica e à descorrelação sensorial, a arte continuará a descobrir novas possibilidades.
Bibliografia
- DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 1. São Paulo: Editora 34, 1995.
HANSEN, Mark B. N. Feed Forward: On the Future of Twenty-First-Century Media. Chicago: University of Chicago Press, 2015.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2001.
PISTERS, Patricia. The Neuro-Image: A Deleuzian Film-Philosophy of Digital Screen Culture. Stanford: Stanford University Press, 2012.
RODOWICK, David. The Virtual Life of Film. Cambridge: Harvard University Press, 2007.
SÁNCHEZ, Sergi. “Towards a Non-Time Image: Notes on Deleuze in the Digital Era”. In: Post-Cinema: Theorizing 21st-Century Film ed. Denson e Leyda. REFRAME Books, 2016, pp. 171-192.
SHAVIRO, Steven. The Rhythm Image – Music Videos and New Audiovisual Forms. Nova York: Bloomsbury Publishing, 2023.