Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Francisco José Pereira da Costa Júnior (UERJ)

Minicurrículo

    Atuo como técnico de som direto freelancer, operador de áudio da Rio TV Câmara (em regime de CLT) e professor no curso de Cinema e Produção Audiovisual do Centro Universitário Celso Lisboa (CLT), na cidade do Rio de Janeiro.
    Faço o meu doutoramento no PPGArtes da UERJ e integro o grupo de pesquisa em videoarte Imagens em Descompasso (IART/UERJ), onde tivemos a oportunidade de expor coletivamente na Casa França-Brasil, a mostra Mal-Entendidos em 2024, e na semana da UERJ Sem Muros em 2025.

Ficha do Trabalho

Título

    Transformações tecnológicas e estéticas: o hiper-realismo sonoro e a superpopulação de sons

Resumo

    O presente artigo pretende perpassar por tecnologias que possibilitaram a sonorização fílmica, principalmente observando e escutando os resultados para a sua projeção. Sistemas que foram evoluindo e proporcionando criações estéticas como o hiper-realismo sonoro, recurso que se estabelece como padrão da indústria e passa a traduzir uma superpopulação de sons com inclinações imperialistas para domínio nos campos político, econômico e cultural.

Resumo expandido

    A partir da utilização do Vitaphone nos anos de 1926 e 1927, o cinema é considerado sonorizado. A aparelhagem consistia em um sistema de gravação e reprodução de som através de discos de acetato que eram tocados em sincronia com a projeção do filme. A vulnerabilidade do disco se torna uma preocupação constante no tangente à reprodução sincrônica. No final da década, surgiram patentes que utilizam a tecnologia do som ótico para o cinema, a gravação sonora que é impressa na película.
    Mais adiante, nos anos 1970 houve uma transformação tecnológica nas salas de cinema dos Estados Unidos, a adoção dos sistemas de projeção stereo surround com reprodução multicanal, por grande parte dos exibidores. Com caixas amplificadoras espalhadas pela sala de exibição, tornou-se possível implementar mais nuanças e uma perspectiva tridimensional à recepção das sonoridades de um filme (CAPELLER, 2008). Algumas empresas desenvolveram novas tecnologias de projeção sonora, mas o sistema que se consolidou como o dominante foi o da Dolby Laboratories.
    Com as possibilidades da redução da relação sinal/ruído na projeção, de elevação do nível de volume, da expansão do ranges de frequência, de efeitos em frequência baixa (para a utilização de sons sub-graves abaixo de 120Hz) (SMITH, 2013), da mixagem 5.1 que distribui os sons envolvendo o público em atmosferas sônicas; o montador Walter Murch e uma geração de cineastas chegaram ao resultado do hiper-realismo sonoro. O hiper-realismo nas artes se configura como um recurso que estremece a relação entre o real e seus simulacros, que se torna mais real que o real. “Só quando só há ficção (e, portanto, não mais ficção) e apenas o real (e, portanto, não mais realidade) é que começa a hiper-realidade” (FISHER, 2010). O hiper-realismo sonoro no cinema, não somente se transfigura em uma entidade mais real que a própria realidade como pode criar novas configurações sonoras (FERRAÇO, 2016) a partir de convenções preestabelecidas pela linguagem e pela indústria. A partir dessas configurações técnicas surge o conceito de sound design.
    Ulterior ao som analógico, o áudio digital foi introduzido no cinema em1990: nas gravações através da fita DAT (Digital Audio Tape) e gravadores de disco rígido, nas edições e mixagens com softwares de computador, e na projeção através de sistema onde os bits eram gravados de modo ótico na película, no mesmo espaço onde era impresso o áudio analógico (ALVAREZ, 2007). Atualmente, para a exibição nas salas comerciais, o áudio fica armazenado em um pacote de arquivos digitais juntamente com a imagem e os metadados de um filme – o DCP.
    A sociedade globalizada vive atravessada por uma superpopulação de sons onde a escuta é sistematicamente vítima de opressões. A atualidade situa os seres humanos em um ambiente acústico radicalmente diverso. Podemos afirmar que na utilização da superpopulação de sons há uma inclinação para que se cumpra o imperialismo (SCHAFER, 2011).
    Os EUA através da indústria hollywoodiana impõe suas concepções técnicas e estéticas para outras nações. O hiper-realismo sonoro e a superpopulação de sons são disseminados através da tecnologia do áudio digital em multicanais que possibilita edições de efeitos sonoros com centenas de pistas na tentativa de dar conta da complexidade sonora de nossa época. Com a banda sonora forjada no hiper-realismo e superpovoada de sons, há uma imposição da indústria para trabalhar a hiperestimulação, que por vezes gera ansiedade e dificuldades de concentração. Em uma série documental, a cineasta Paula Gaitán reflete sobre a espacialização sonora proporcionada pelo sistema 5.1 que poderia ser melhor aproveitada se fosse pensada como uma espacialização mental. Para Schafer, temos que pensar em uma paisagem sonora com redução de ruídos industriais e preservação de sonoridades naturais que podem ser extintas. Essas são ideias que podem nos ajudar na concepção de uma sonoridade decolonial em oposição à prática do imperialismo sonoro que nos afeta.

Bibliografia

    ALVAREZ, M. G. M. A Estereofonia Digital: Uma abordagem sobre a técnica, o padrão e a linguagem sonora cinematográfica norte-americana no período de 1991 a 2001. 2001. 89f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.

    CAPELLER, I. Raios e trovões: hiper-realismo e sound design no cinema contemporâneo. In: ADES, E.; BRAGANÇA, G.; CARDOSO, J.; BOUILLET, R. (Org.) O som no cinema. Rio de Janeiro: Tela Brasilis/ Caixa Cultural, 2008, p. 65-70.

    FERRAÇO, F. M. Usos do hiper-realismo sonoro no cinema brasileiro de ficção contemporâneo: análises de O som ao redor (2012) e Mar negro (2013). 2016. 104 p. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, 2016.

    FISHER, M. Flatline Constructs: Gothic Materialism and Cybernetic Theory-Fiction. New York: Exmilitary Press, 2018.

    SCHAFER, R. M. A afinação do mundo. São Paulo: Unesp, 2011.