Ficha do Proponente
Proponente
- Fabienne Maia Leite (UFC)
Minicurrículo
- Formada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará e mestranda na linha de Fotografia e Audiovisual do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (UFC). Sua pesquisa explora as relações entre cinema, fantasmas, política, gêneros narrativos. É investigadora associada ao GEIST (Grupo de Estudos em Imagem, Sonoridades e Tecnologia/UFF). Integrou o grupo de estudos LEEA (UFC), tendo mediado o webinário “Ações de Erodir” e foi bolsista CNPQ no projeto “A Cena no Cinema Contemporâneo.
Ficha do Trabalho
Título
- Riscos, ruínas, espectros: o “ethos” neoliberal em “Yella” (2007) de Christian Petzold
Eixo Temático
- ET 3 – FABULAÇÕES, REALISMOS E EXPERIMENTAÇÕES ESTÉTICAS E NARRATIVAS NO CINEMA MUNDIAL
Resumo
- Esta pesquisa analisa como o filme “Yella” (2007), do diretor alemão Christian Petzold, tensiona a ideia da assombração convencional e investiga a fantasmagoria como uma categoria política, sob a perspectiva dos riscos, ruínas e espectros gerados pelo neoliberalismo na sociedade alemã – e no mundo. Para isso, cria-se diálogo com o conceito de assombrologia de Jacques Derrida (1994) e o fantasma como aparato comunicacional de Erick Felinto (2008).
Resumo expandido
- A figura do fantasma é costumeiramente associada a um ser espectral, fora de foco, capaz de atravessar paredes, e que habitam um reino intermediário. Os fantasmas também podem ser compreendidos como símbolos ou expressões de questões reprimidas que retornam, de memórias esquecidas ou de eventos não resolvidos. Apesar de serem criaturas polimorfas, e que se apresentam em diferentes definições e contextos, parece haver nelas um aspecto comum: fantasmas contam histórias. E essas histórias são boa parte constituídas por condições culturais, por uma circunstância maior que nos atravessa, uma circunstância histórica-cultural (FELINTO, 2008, p. 16-17). O fantasma não apenas pode incorporar rastros do passado (memórias, traumas, vestígios históricos), mas também projeta inquietações sobre o futuro, funcionando como um reflexo das forças invisíveis que moldam o imaginário coletivo.
Christian Petzold inicia sua carreira cinematográfica no período de transição política, social e econômica da Alemanha que englobou o colapso da República Democrática Alemã (RDA, Alemanha Oriental), a queda do Muro de Berlim e a reunificação dos dois Estados alemães. Sua criação de imagens costuma refletir sobre a mudança brusca econômica e os traumas associados ao avanço dos ideais neoliberais na sociedade alemã. Como relata Biendarra (2011), o trabalho cinematográfico de Petzold é um exemplo notável da ligação entre os problemas econômicos do nosso tempo e uma curiosa onda de fantasmas na cultura contemporânea.
O filme “Yella” (2007) faz parte da trilogia “Fantasmas” de Petzold, compondo o fechamento da tríade, e narra a trajetória da protagonista homônima, que parte da antiga Alemanha Oriental em busca de uma nova vida no Ocidente, após um relacionamento abusivo. Após um grave acidente de carro no caminho, Yella cata suas malas e continua sua jornada ao oeste. Ao se inserir no ambiente competitivo do capital de risco, ela estabelece uma parceria com um investidor e passa a atuar no setor financeiro. No entanto, a narrativa incorpora elementos de estranhamento e repetição que sugerem que ela está presa entre a vida e a morte e evidenciam uma tensão entre progresso e ruína, passado e presente, realidade e ilusão.
Os riscos gerados pelo avanço dos ideais neoliberais na sociedade alemã parecem ser transferidos para os personagens dos filmes de Petzold, especialmente em Yella, que se vê assolada pelo desemprego e o desamparo por parte do Estado, resultante dessa configuração político-econômica. O último filme da trilogia “Fantasmas” pode ser visto quase como uma alegoria da precariedade da nova ordem neoliberal, onde os sonhos de ascensão social acompanham até mesmo o pós-morte.
Essa pesquisa pretende analisar, portanto, como os espectros de “Yella” nomeiam um conjunto de valores, comportamentos e princípios que sustentam e legitimam a lógica do neoliberalismo. A hipótese da pesquisa é de que, através dos fantasmas presentes no filme em questão, o diretor alemão compõe um certo “ethos” do neoliberalismo, ao retratar e combinar existências entendidas como espectrais com o processo de transformação econômica que a sociedade alemã – e o mundo – vêm enfrentando desde o o final do século XX até hoje.
Assim, através de uma análise fílmica, a pesquisa propõe articular o conceito de assombrologia de Jacques Derrida (1994) para criar diálogos com as manifestações espectrais nas obras em questão. Para Derrida, assombrar não significa estar presente, isto é, a figura do espectro não pode estar completamente atrelada ao presente. Ela marca uma relação com o tempo, evocando tanto o passado que persiste como virtualidade quanto um futuro que já se anuncia. A análise se concentra na forma como “Yella” retrata a lógica neoliberal para representar a infiltração do capitalismo contemporâneo nas subjetividades individuais. Além disso, a pesquisa também dialoga com as leituras críticas de Jaimey Fisher, Marco Abel e Anke Biendarra acerca da filmografia do diretor alemão.
Bibliografia
- DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: O Estado da dívida, o trabalho do luto e a nova Internacional. Rio de Janeiro: Dumará, 1994.
FELINTO, Erick. A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
BIENDARRA, Anke. Ghostly Business: Place, Space, and Gender in Christian Petzold’s Yella. Seminar: A Journal of Germanic Studies, [s. l.], v. 47, n. 4, 2011.