Ficha do Proponente
Proponente
- Helena Lukianski (UFRGS)
Minicurrículo
- Doutoranda em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com bolsa CAPES. Cursou mestrado e graduação em Comunicação, com habilitação em jornalismo, na PUCRS. Dirigiu e roteirizou o curta-metragem Desfragmento, exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes de 2018. Pesquisa sobre cinema, política e estética.
Ficha do Trabalho
Título
- Esgotados e esvaziados: cinema brasileiro contemporâneo e subjetivação neoliberal
Resumo
- Nesta proposta, faremos um recorte de uma tese em desenvolvimento sobre cinema brasileiro e subjetivação neoliberal (Dardot; Laval, 2016). Analisaremos os filmes Trabalhar Cansa (2011) e Eu, empresa (2021) tendo em vista as consequências da intensificação das jornadas de trabalho na sociedade contemporânea e suas representações no cinema (Gorfinkel, 2012). O esgotamento provocado pelo capitalismo zumbi (Fisher, 2020) é evidenciado pela desconexão dos personagens com elementos da natureza.
Resumo expandido
- Nesta proposta, apresentamos um recorte de uma tese em desenvolvimento sobre cinema brasileiro contemporâneo e subjetivação neoliberal. Analisaremos os filmes Trabalhar Cansa (Juliana Rojas, Marco Dutra, 2011) e Eu, empresa (Leon Sampaio, Marcus Curvelo, 2021), com o objetivo de compreender a relação entre os personagens e elementos da natureza. O termo subjetivação neoliberal (Dardot; Laval, 2016) passou a ser utilizado pois o neoliberalismo, para além de um modelo econômico que começou a firmar raízes globalmente a partir de 1980, promulga determinadas formas de existência, na medida em que os indivíduos passaram a se ver como empreendedores das suas próprias vidas. Essa atual relação do sujeito com o capitalismo resulta na necessidade de novas reflexões acerca das consequências desse sistema nas nossas subjetividades. Embora o enfoque subjetivista no cinema brasileiro contemporâneo tenha sido mais estudado (Souto, 2016), a relação específica entre subjetivação neoliberal e a produção fílmica ainda é pouco explorada.
No Brasil, o Governo Collor, que se iniciou em 1990, foi o responsável pelo avanço do neoliberalismo no país, fortalecido pelos governos de FHC e Temer. O neoliberalismo corresponde à fase mais destrutiva do capitalismo, e essa destruição abrange a liquidação da natureza (Moore, 2016). Em Trabalhar cansa, Helena aluga um imóvel para abrir um minimercado, que acaba se tornando a única expectativa de sustento da família, uma vez que Otávio, seu marido, é demitido. O “cansa” do título do filme se refere ao fato de que a protagonista se estressa com o seu pequeno negócio a ponto de apresentar sintomas de esgotamento, um problema cada vez mais recorrente com a intensificação das jornadas de trabalho (Han, 2017).
Eu, empresa mostra o capitalismo neoliberal em sua forma mais recente, ou seja, a uberização do trabalho (Abílio, 2020). Com um ritmo bastante fragmentado, compatível com as redes sociais, a trajetória do protagonista Joder é desenvolvida como uma série de tentativas de fazer o seu canal do YouTube emplacar. Além disso, para seu sustento, ele busca trabalhos esporádicos, como os serviços que realiza para uma empresa estrangeira chamada Eagle Corp. Em determinada cena, Joder grava um vídeo para o seu canal com a ajuda de um amigo: o plano de fundo escolhido é um bambuzal. Vemos uma relação estreita entre essa monocultura e o neoliberalismo, pois as plantações de bambu atendem a interesses comerciais. Podemos associar o bambu ao conceito de cheap nature: a “natureza barata” se refere à forma como o capitalismo usa os recursos naturais de modo exploratório, sem levar em conta as consequências como os custos ecológicos ou sociais (Moore, 2016).
Em todo o filme, em nenhum momento Joder se banha na praia de Salvador, embora se aproxime da orla mais de uma vez. Entrar no mar, no contexto de Eu, empresa, poderia representar um momento de relaxamento, o que simplesmente não é possível na vida acelerada de Joder: “A fadiga não é mais uma consequência do trabalho, mas sim uma condição prévia para a sobrevivência (…)” (Gorfinkel, 2012, p. 320, tradução nossa).
Em Trabalhar cansa, Helena também não se permite descansar. Tal questão se intensifica quando Otávio e Vanessa, a filha do casal, decidem viajar, mas Helena não vai, porque deseja ficar trabalhando no feriado de Carnaval. Na viagem, Otávio e Vanessa visitam uma exposição em que há animais empalhados. Vanessa pergunta para o pai se eles são “de verdade”, e ele explica que os bichos passam por um processo que os deixa preservados (taxidermia). Trata-se da única interação mais direta entre os personagens com algum tipo de natureza, além do monstro morto que é encontrado no supermercado, escondido na parede. Os animais esvaziados de vida remetem ao atual capitalismo zumbi (Fisher, 2020). Dessa forma, ambos os filmes revelam como a subjetivação neoliberal transforma a vida em um ciclo contínuo de esgotamento, sem espaço para o descanso ou a renovação.
Bibliografia
- ABÍLIO, L. C. Uberização: a era do trabalhador just-in-time? Estudos Avançados, São Paulo, Brasil, v. 34, n. 98, p. 111–126, 2020.
DARDOT, P; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016
FISHER, M. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? São Paulo: Autonomia literária, 2020.
GORFINKEL, E. Weariness, Waiting: Enduration and Art Cinema’s Tired Bodies. Discourse, v. 34, n. 2-3, p. 311, 2012.
HAN, B. Sociedade do cansaço. Petrópolis: editora Vozes, 2017
MOORE, J. The Rise of Cheap Nature. In.: Anthropocene or Capitalocene? Nature, History, and the Crisis of Capitalism. Michigan: PM Press, 2016
SOUTO, M. INFILTRADOS E INVASORES: Uma perspectiva comparada sobre as relações de classe no cinema brasileiro contemporâneo. Tese. (Doutorado em Comunicação Social). Universidade Federal de Minas Gerais, 2016.