Ficha do Proponente
Proponente
- Sabrina Tenório Luna da Silva (UFMT)
Minicurrículo
- Sabrina Tenório é professora da graduação em Cinema e Audiovisual da UFMT. Doutora e mestre em comunicação pela UFPE, realizou doutorado sanduíche na Universidade Livre de Berlim com bolsa da Capes.
Ficha do Trabalho
Título
- Entre o terror e a crítica social – Uma análise da direção de arte em Propriedade
Seminário
- Estética e Teoria da Direção de Arte Audiovisual
Resumo
- Neste artigo, pretendemos analisar a direção de arte de Propriedade (Dir. Daniel Bandeira, 2022), destacando a relação dos personagens com objetos tecnológicos contemporâneos, que se apresentam como elementos fundamentais para a narrativa fílmica. O filme apresenta uma forte crítica social, que pode ser percebida na correlação entre objetos e arquitetura antigos e objetos tecnológicos contemporâneos, entre os quais destacamos o carro blindado, elemento mediador do conflito entre os personagens.
Resumo expandido
- Neste artigo, pretendemos analisar aspectos da direção de arte em Propriedade (Dir. Daniel Bandeira, 2022, 1h40min). O filme, realizado no estado de Pernambuco, tem direção de arte de Maíra Mesquita, figurino de Andrea Monteiro e caracterização e maquiagem de efeitos especiais de Tayce Vale.
A ideia para a realização de Propriedade surgiu em 2006, quando o diretor se fixou na imagem de uma pessoa dentro de um carro blindado, que não conseguia ser vista do lado de fora. O projeto, que até então tinha o título de Propriedade Privada, foi aprovado no edital de 2011/12 do Funcultura (Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura). As filmagens ocorreram em 2018, na Fazenda Morim, em São José da Coroa Grande, município de Pernambuco, e na cidade de Recife.
A narrativa gira em torno da estilista Teresa, que, traumatizada por um caso de violência urbana, viaja junto ao marido para a Fazenda Cavalcanti, de propriedade da família. Para a viagem, o marido compra um carro preto que é logo em seguida blindado e conta com computador de bordo. Na fazenda, percebemos uma relação entre o antigo e o contemporâneo, sendo o antigo representado pela arquitetura do local, que separa os funcionários da casa principal, pelos móveis em madeira pesada e pela presença de fotos antigas emolduradas. O contemporâneo é representado principalmente por objetos tecnológicos, entre eles a televisão de tela plana que ocupa o centro da sala, os aparelhos de celular e os dispositivos que os conectam à internet, além do carro que leva o casal ao local. No campo da fotografia, a conexão com objetos tecnológicos também pode ser percebida através da imagem de tela de celular que é exibida no início do filme e das imagens capturadas por câmeras de segurança na fazenda. Dessa forma, os espaços pictórico e arquitetural do cinema (ROHMER, 1977) utilizam elementos que se fortalecem.
De acordo com Baudrillard, a coexistência de objetos modernos funcionais com uma decoração antiga “só aparece evidentemente num determinado estágio de desenvolvimento econômico, de produção industrial e de saturação prática do meio ambiente” (BAUDRILLARD, 2012, p. 90). Essa saturação é representada tanto pela presença dos objetos tecnológicos quanto pela iminente mudança de função da propriedade rural, causa detonadora do conflito entre os donos da fazenda e os funcionários, que trabalham em um sistema análogo à escravidão. No filme de terror, que apresenta uma análise crítica da desigualdade social no Brasil, o carro blindado adquire um aspecto narrativo que, junto a outros elementos, aponta para o choque entre esses dois sistemas.
Após a deflagração do conflito, o carro se torna o refúgio de Teresa, que não consegue, a princípio, fazê-lo funcionar, pois não lembra do comando de voz definido pelo marido. Dessa forma, ela perde momentaneamente o controle do automóvel, que é privado de sua função principal, a locomoção. A funcionalidade de objetos inteligentes como o carro, que conta com computador de bordo operado por comando de voz, depende também do aprendizado e da adaptação do humano ao universo maquínico. Esse aprendizado vai avançando no decorrer do filme, enquanto a personagem e o automóvel entram em choque com o mundo antigo representado pelos funcionários da fazenda, pelos animais utilizados para o transporte e por toda uma forma de funcionamento social. A impenetrabilidade do carro, mesmo quando o seu sistema vai entrando em colapso, apresenta um ponto forte de debate, estando em confluência com a imagem pensada pelo diretor antes do desenvolvimento do argumento.
Dessa forma, pretendemos analisar esses e outros elementos da direção de arte, destacando também a sua relação com o gênero de terror. Esses aspectos podem ser percebidos de forma mais evidente na maquiagem e nos efeitos utilizados em cenas específicas, destacando-se do conceito geral marcado por premissas realistas no que diz respeito às escolhas de objetos, figurino e maquiagem.
Bibliografia
- BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012.
BUTRUCE, Débora e BOUILLET, Rodrigo (org). Direção de arte no cinema brasileiro. Caixa cultural. Rio de Janeiro.1ª Ed. 2017.
HAMBURGER, Vera. Arte em cena: A direção de arte no cinema brasileiro. São Paulo: Edições SESC, 2014.
PEDROSA, Israel. Da cor à cor inexistente. SP: Senac, 2009.
ROHMER, Éric. “L’organisation de l’espace dans le Faust de Murnau”. Paris: Union Générale d’Editions, 1977.
VELASCO, Diogo Cavalcanti. Imagem-Espaço. Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, Ano 9, n. 1, janeiro-junho, 2020.