Ficha do Proponente
Proponente
- Clarisse Maria Castro de Alvarenga (UFMG)
Minicurrículo
- É professora na UFMG, onde atua como docente do curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas (FIEI). Coordena a Casa de Cinema e o Laboratório e Arquivo de Imagem e Som (LAIS).
Ficha do Trabalho
Título
- Arquivos da terra e tecnologias ancestrais: realização audiovisual com povos ameríndios
Seminário
- Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos
Resumo
- Neste trabalho procuro elaborar questões que surgem a partir de dois percursos interculturais envolvendo curadoria e realização audiovisual com povos ameríndios na UFMG: Arquivos da terra e Tecnologias ancestrais. Pretendo especular sobre os sentidos que podemos atribuir à experiência com o cinema a partir de elementos vindos dos filmes e daquilo que está fora de campo (nos territórios). A ideia é imaginar gestos analíticos situados que articulem natureza e cultura no contexto do antropoceno.
Resumo expandido
- Nos anos de 2023 e 2024, elaborei, em diálogo com estudantes de quatro turmas do curso de Formação Intercultural para Educadores Indígenas da UFMG e em colaboração com um grupo de bolsistas e professores parceiros, duas propostas agrupadas sob os seguintes temas contextuais: Arquivos da terra e Tecnologias ancestrais. Participaram das propostas estudantes das etnias Pataxó, Xakriabá, Maxakali, Xukuru-Kariri e Mbya Guarani.
As proposições estão associadas (por apresentarem uma continuidade de investigação) e foram abrigadas na plataforma Alquimia dos Arquivos, realizada no âmbito dos seminários internacionais da Rede Latino-Americana de Educação, Cinema e Audiovisual – Rede Kino, tendo subsidiado a criação do projeto de ensino Educação Indígena e Cultura Digital, em andamento no Laboratório e Arquivo de Imagem e Som (LAIS) da Casa de cinema da Faculdade de Educação.
Em Arquivos da terra, parto de Aguyjevete Avaxi’i (2023), da cineasta Guarani Kerexu Martim em diálogo com sua mãe Jera Guarani (2022), para aproximar a retomada do plantio das sementes do milho ancestral Guarani cuja história tomamos contato por meio do filme, do desafio de constituir arquivos na América Latina. Ao tomar contato com o filme, percebemos que os povos ameríndios sempre buscaram colecionar sementes antigas e diversas em suas roças. Podemos pensar que essas sementes tradicionais compõem um arquivo (ou um contra-arquivo), no sentido que permitem retomar histórias e culturas que tentaram apagar porque se opõem a maneira hegemônica como o milho é plantado nos termos do “povo da mercadoria” (Kopenawa e Albert, 2015). Em Tecnologias ancestrais, parto de um conjunto de filmes Mbya Guarani, notadamente No caminho com Mário (Coletivo Mbya Guarani de Cinema, 2014), para pensar em formas como a câmera pode virar uma pessoa (Para Yxapy e Alvarenga, 2018) passando a fazer parte de um território situado que lhe permite aprender e ensinar a viver naquele lugar, escutando não apenas os mais velhos, mas também as crianças e os jovens dentro e fora das aldeias. A partir daí, acionando um conjunto de outros filmes, procuro pensar junto com os estudantes as demais tecnologias (ancestrais) e suas possíveis relações.
No presente trabalho pretendo estabelecer relações entre as duas propostas e questões que vêm dos territórios dos povos envolvidos na experiência, permanecendo no fora de campo dos filmes (sejam aqueles que foram acionados para serem vistos e aqueles que foram realizados pelos próprios estudantes). Irei buscar estabelecer vínculos entre os filmes vistos e os filmes realizados sem o objetivo de estabelecer uma relação de influência ou de causalidade, mas buscando apontar para um diálogo intercultural. Irei desenvolver na análise dos filmes elementos que permitam estabelecer deslocamentos entre os territórios e as questões conceituais (o que seriam arquivos e tecnologias), entre a natureza e a cultura, tendo em vista o contexto do antropoceno.
Em Arquivos da terra, por exemplo, os filmes são aproximados de sementes de milho. Em Tecnologias ancestrais, irei buscar desenvolver duas questões que surgem da experimentação dos povos Guarani com o cinema: 1) câmera como pessoa em diálogo com Patrícia Ferreira Para Txapy; e 2) câmera como filho(a) em diálogo com Aldo Kuaray. Ambas as propostas envolvem a aproximação entre natureza e cultura por meio da experiência do cinema. Além da abordagem de cada percurso, irei buscar pensar ainda a articulação entre esses e outros percursos por meio da plataforma Alquimia dos Arquivos.
Desde aquilo que conhecemos como antropoceno (2022), tempo marcado pela intervenção humana na natureza, até as possibilidades de criação e de resistência nas aldeias, pretendo procurar encontrar sentidos que permitam associar natureza e cultura e inserir os filmes em processos mais amplos que envolvem uma outra relação com a floresta, com os territórios e também com as cidades, com o cinema, os filmes e as tecnologias digitais.
Bibliografia
- ALBERT, Bruce; KOPENAWA, Davi. O espírito da floresta: a luta pelo nosso futuro. São Paulo: Cia das Letras, 2023.
Guarani, Jera. Para nós o futuro é indígena. In. Habitar o Antropoceno. Belo Horizonte: BDMG Cultural, 2022.
KRENAK, Ailton. A máquina de fazer coisas. In: A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
CORREA XAKRIABÁ, Célia Nunes. Amansar o giz. Belo Horizonte: Piseagrama, N. 14, 2020, p. 110-117.
CORRÊA, Edgar Nunes. Etnovisão – o olhar indígena que atravessa a lente. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH/UFMG). Belo Horizonte (MG), 2019.
HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu – palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Cia das Letras, 2015.
PARA YXAPY, Patrícia Ferreira; ALVARENGA, Clarisse. Virar cineasta Mbya Guarani (mulher filmando). In: Revista Devires Cinema e Humanidades, V. 15, N. 1, 2018, p. 122-143