Ficha do Proponente
Proponente
- Anastasia Lukovnikova (UNL)
Minicurrículo
- Desde 2024, está a desenvolver o projeto de doutoramento dedicado à distribuição colaborativa de cinema no IFILNOVA (UNL), com financiamento de Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Este projeto estabelece uma ponte entre o seu trabalho académico, a sua trajetória profissional enquanto programadora de cinema no IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema e a sua atuação comunitária na associação MUTIM – Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento e na cooperativa integral Rizoma
Ficha do Trabalho
Título
- A Comunidade de Espectadores: a Política da Distribuição Colaborativa de Cinema
Resumo
- A pesquisa explora a experiência de ir ao cinema como uma prática comunitária, baseando-se nas ideias de Rancière sobre o espectador emancipado e na teoria performativa de assembleia de Butler. Examina o potencial político da comunidade de espectadores, conforme se revela nas modalidades de distribuição colaborativa. Refletindo sobre a política representacional, questiona quem tem o direito de aparecer no ecrã e na sala de cinema e analisa as dinâmicas de poder entre os curadores e os públicos.
Resumo expandido
- Durante seis anos, no Centro Okupado Autogestionado em Madrid, pessoas reuniam-se semanalmente para assistir e debater um filme no Cineclube Chantal. Este espaço era aberto a todos, permitindo que qualquer um que entrasse pudesse programar uma sessão. Miriam Martín, que liderou o clube, descreve a dinâmica: “Proyectábamos, conversábamos durante horas (las sillas en círculo) y relacionábamos nuestras propuestas para la siguiente sesión con la película que acabábamos de ver, según los deseos, alegrías, cóleras, urgencias, razones que hubiera provocado, por tratarse del único objeto en común y para que los bagajes de cada cual pesaran menos”.
Ao examinar a experiência do Cineclube Chantal, ao lado das próprias experiências nos cineclubes da associação MUTIM (Mulheres Trabalhadoras das Imagens em Movimento) e da Cooperativa Integral Rizoma, pretendo refletir que potencialidades políticas se abrem quando os espectadores se reúnem na sala de cinema. Estarão eles, como sugere Butler, “a exercer um direito plural e performativo de aparecer, um que afirma e institui o corpo no meio do campo político?” (2015) Podemos, seguindo Rancière (2010), considerar a experiência de ir ao cinema como uma prática comunitária que contém uma agência inerente?
A que conclusões chegarei ao transplantar o conceito da natureza coletiva da experiência cinematográfica para o processo de distribuição de filmes? Quem são as pessoas que se auto-organizam para programar e assistir aos filmes, quais estruturas são criadas para apoiar a si mesmas e a outras e quais reivindicações políticas emergem desses encontros? Até que ponto a distribuição colaborativa de filmes pode ser um espaço onde a justiça é negociada? Sonhar em construir um cinema que pertence aos espectadores é uma visão utópica? Ou, como disse a programadora do projeto Armazém Multiverso (Caparaó), é uma ação “protopica”, a criação de protótipos para formas futuras de organização da vida?
Essas questões nos levam a refletir sobre quem tem o direito de aparecer na tela e por quê. Butler argumenta que a política representacional reforça a ideia de identidades fixas e estruturas de poder que pretende desafiar. Que alianças podemos imaginar além da representação no cinema? Como podemos pensar na desidentificação em um meio que opera através da identificação?
Por que busco a oposição às normas nas práticas colaborativas? Maria Lind (2007) afirma que “quem é atraído e capturado pelo projeto colaborativo tem mais acesso a esta arte do que o público artístico habitual”, destacando a afinidade com o ativismo e formas alternativas de produzir conhecimento. Colaboração pode ser vista também como um desafio à identidade artística e à autoria, além de constituir uma resposta a situações específicas e locais.
Ao analisarmos a distribuição cinematográfica periférica, podemos identificar dinâmicas distintas entre curadores e públicos e os maiores níveis de envolvimento do público. Essa revolta contra a hegemonia curatorial do centro pode dar origem a um tipo específico de experiência que, em sua forma, realça outras revoltas maiores. A margem, afinal, como descrita por bell hooks (1999), é “o espaço que não é um lugar de dominação, mas um lugar de resistência”.
Através dessa investigação, espero contribuir para uma compreensão mais profunda das práticas colaborativas e do seu potencial transformador no campo do cinema. Em última análise, busco revelar como essas interações fomentam a resistência e criam espaços de maior acesso, liberdade, variabilidade e justiça dentro da indústria cinematográfica. Espero, com a participação no XXVIII ENCONTRO SOCINE, não apenas oferecer meu conhecimento (junto com as minhas preocupações e dúvidas), mas também aprender e refletir junto com as comunidades locais de cineastas, pesquisadores e espectadores de cinema.
Bibliografia
- BUTLER, Judith. Bodies that matter. New York and London: Routledge, 1993.
BUTLER, Judith. Notes Toward a Performative Theory of Assembly. Cambridge: Harvard University Press, 2015.
DE DIOS RODRÍGUEZ, Enar (Ed.), KOGER, Nathalie (Ed.), SCHWITZER, Mona (Ed.) Collective Infrastructures in Moving Images. Vienna: Schlebrügge.editor, 2022.
HARAWAY, Donna. Situated knowledges: the science question in feminism and the privilege of partial perspective. Feminist Studies, v. 14, n. 3, p. 575-599, 1988.
HOOKS, bell. Yearnings: Race, Gender, and Cultural Politics. Boston: South End Press, 1999.
LIND, Marie. The Collaborative turn in Billing, J. (Ed.), Lind, M.(Ed.), & Nilsson, L. G.(Ed.). Taking the matter into common hands. London: Black Dog Publishing, 2007.
MOUFFE, Chantal. The Democratic Paradox, London: Verso, 2000.
RANCIÈRE, Jacques. O Espectador Emancipado. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.