Ficha do Proponente
Proponente
- Vinicius Augusto Carvalho (ESPM-Rio)
Minicurrículo
- Doutor em Cinema e Audiovisual (PPGCine UFF) com mestrado em Economia Criativa (ESPM) e especialização em TV Digital, Radiodifusão e Novas Mídias de Comunicação Eletrônica (UFF). Jornalista de formação (UFSC), atua como professor na ESPM-Rio nos cursos de Cinema e Audiovisual, Design e Jornalismo. Após 13 anos de TV Globo, editando e finalizando audiovisuais jornalísticos e de entretenimento, hoje é editor e montador de peças audiovisuais de comunicação da Netflix.
Ficha do Trabalho
Título
- Bingo: reflexões sobre métrica e movimento na montagem do ritmo
Seminário
- Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas
Resumo
- O estudo propõe uma reflexão sobre a duração e o movimento interno de um plano nos processos de determinação do corte e montagem do ritmo de um produto audiovisual. A análise de “Bingo: o rei das Manhãs” (Daniel Rezende, 2017), pelas lentes de Eisenstein, Pearlman, Salt e outros, sinaliza que o longa estabelece uma identidade rítmica ao correlacionar a métrica dos fragmentos e o fluxo de conteúdo no interior do quadro, por meio de uma alternância entre tomadas curtas, longas e planos sequência.
Resumo expandido
- Para Tarkovsky (1998, p.134), “é impossível conceber uma obra cinematográfica sem a sensação de tempo fluindo através das tomadas” e a edição/montagem do ritmo vem a ser uma estratégia significativa para dar forma ao tempo. A iniciativa de se trabalhar com a ideia de ritmo nesta comunicação visa tornar a percepção desta caraterística cinematográfica menos subjetiva e intuitiva, sem ignorar as dificuldades descritivas que este atributo apresenta. É comum teóricos e pesquisadores se basearem em domínios como poesia, música e dança para definir o ritmo, analogia que pode incorrer no apagamento de especificidades relevantes do cinema.
O ritmo cinematográfico vai além da apreensão das relações de tempo das tomadas, trabalhando na coincidência entre a duração de cada plano e os movimentos de atenção que suscita e satisfaz. Um plano não é compreendido do início ao fim da mesma maneira. Depois de reconhecido e localizado, surge um momento máximo de atenção, em que se apreende os objetos e possíveis objetivos da tomada: gestos, palavras ou movimentos que fazem progredir o desenrolar da ação. Em seguida, a atenção diminui e, se o plano se prolonga, pode surgir um instante de escape de interesse, impaciência ou ruído no fluxo da narrativa. Assim, o corte do plano na iminência da queda de atenção, e sua substituição por outro, é uma estratégia possível de manutenção da atenção. Walter Murch (2004) estabelece um paralelo entre o piscar dos olhos (reflexo fisiológico que ajuda a proteger os olhos e a manter a saúde ocular) e a compreensão de uma mensagem/ideia. Para o montador, a decisão dos cortes surge da percepção de conteúdo assimilado; assim, o sucesso na definição de extensão e agenciamento de planos na tela converte-se em ritmo. Estabelecer correlações entre a métrica e o fluxo no interior do quadro é combinar a matemática dos fragmentos com a duração de seu conteúdo e, a partir dessa análise, caracterizar uma possível identidade rítmica.
Partindo de conceitos como Montagem Métrica e Montagem Rítmica de Serguei Eisenstein (2002), estratégias de segmentação de filmes em grandes atos de Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété (2016), técnicas de mensuração de planos de James Cutting (2021), Bordwell e Thompson (2013) e Barry Salt (2009), e definições de pulso, tempo (timing), cadência (pacing) e ritmo de Karen Pearlman (2009) e Vincent LoBrutto (2012) propõe-se uma base teórica e técnica para uma análise sensível da edição/montagem do ritmo. Uma análise fílmica que estimule uma prática consciente da confecção do ritmo em uma obra audiovisual.
Como objeto de estudo, investigou-se o filme “Bingo: O Rei das Manhãs” (2017), dirigido por Daniel Rezende e editado por Márcio Hashimoto. O longa-metragem, de aproximadamente 1.000 planos que variam de um segundo a mais de cinco minutos de duração, exemplifica como a montagem pode influenciar o ritmo de uma obra audiovisual. A trama, inspirada na vida de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo no Brasil durante a década de 1980, apresenta tomadas curtíssimas, curtas, médias, longas e planos-sequência com diferenças consideráveis de duração sob uma cadência constante. O tempo das tomadas orquestra a percepção e identificação de seu conteúdo para criar o ritmo do filme. Rezende e Hashimoto deixam de estabelecer o comprimento dos seus planos em função daquilo que se deve mostrar (materialmente) e preferem orientar-se por aquilo que querem sugerir (psicologicamente).
Os resultados da análise apontam uma identidade rítmica caracterizada pela manutenção da cadência, sustentada pela alternância entre planos curtos com variabilidade plástica e métricas flutuantes e planos longos com argumentos dominantes e um complexo fluxo de enquadramentos e movimentos de câmera. O estudo sugere ainda uma reflexão sobre os possíveis atravessamentos da trajetória profissional do diretor da obra, Daniel Rezende – que possui uma consagrada atuação como montador –, na concepção dos planos-sequência.
Bibliografia
- BORDWELL, D.; THOMPSON, K. A arte do cinema. Campinas, SP: Unicamp, 2013. CUTTING, J. E. Movies on Our Minds. NY: Oxford University Press, 2021. EISENSTEIN, S. A forma do filme. RJ: Zahar, 2002. LEONE, E.; MOURÃO, M. D. Cinema e montagem. SP: Ática, 1987. LOBRUTTO, V. The art of motion picture editing. NY: Allworth Press, 2012. MARTIN, M. A Linguagem cinematográfica. SP: Brasiliense, 2013. MITRY, J. The aesthetics and psychology of the cinema. Indiana: Indiana University Press, 2000. MURCH, W. Num piscar de olhos. RJ: Jorge Zahar Editor, 2004. PEARLMAN, K. Cutting Rhythms: Shaping the Film Edit. Oxford: Elsevier, 2009. REISZ, K.; MILLAR, G. A técnica da montagem cinematográfica. RJ: Civilização Brasileira, 1978. SALT, B. Film Style & Technology, History & Analysis. Londres: Starword, 2009. TARKOVSKY, A. Esculpir o tempo. SP: Martins Fontes, 1998. VANOYE, F.; GOLIOT-LÉTÉ, A. Ensaio Sobre a Análise Fílmica. Campinas, SP: Papirus, 2012.