Ficha do Proponente
Proponente
- Ariadne Joseane Felix Quintela (UFGD)
Minicurrículo
- Doutorando em História pela UFGD na linha de pesquisa Povos indígenas e tradicionais: territórios, políticas e etnoconhecimentos, professora no Instituto Federal de Rondônia, coordenou o Núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas (Neabi) no âmbito do Ifro Campus Porto Velho Zona Norte de nov/2023 a nov/2024, pesquisadora do Núcleo de estudos históricos e literários (NEHLI) com interesse em estudos literários pós-coloniais e documentos e narrativas visuais.
Ficha do Trabalho
Título
- O TERRITÓRIO: PRÁTICAS COLONIALISTAS NA AMAZÔNIA RONDONIENSE DOCUMENTADAS PELO CINEMA
Eixo Temático
- ET 4 – HISTÓRIA E POLÍTICA NO CINEMA E AUDIOVISUAL DAS AMÉRICAS LATINAS E DOS BRASIS
Resumo
- Circunscrita nas discussões em torno do cinema, história e política, a análise do documentário O Território é mais que uma expressão ou manifestação da sétima arte e, se configura, no campo da história indígena como um documento de denúncia contra as práticas colonialistas na Amazônia rondoniense, produzido e protagonizado pelo povo indígena Uru-eu-wau-wau. Como desdobramento, demonstramos três dimensões do cinema: i) como fonte histórica, ii) como histografia e, iii) o cinema como política.
Resumo expandido
- “Qualquer período histórico no Brasil exibe com igual nitidez as duras condições que os indígenas enfrentam para assegurar sua sobrevivência” (Paiva e Junqueira, 1985)
O presente trabalho situa-se nas intersecções entre cinema, história e política a partir da análise do documentário “O Território” lançado em 2022, que expõe o cotidiano do povo Uru-eu-wau-wau na luta para proteger a Terra Indígena (TI) de mesmo nome. Assim, pontuamos três dimensões do cinema para além da estética, da técnica e da linguagem, sendo: i) o cinema como fonte histórica, ii) o cinema como historiografia e, iii) o cinema como política.
Na região amazônica, a tradição historiográfica denegou dos povos indígenas sua autodeterminação[ Prezia (2008) aborda os levantes guerreiros no cerco de Piratiniga e na guerra dos Tamoios e as pressões bélicas na vila de São Paulo até o final do século XVI por parte de indígenas.], produzindo a imagem de povos que precisavam ser “civilizados”, integrados e tutelados (Souza Lima, 1992). No caso da Amazônia, o processo de integração se intensificou na ditadura militar e eventos etnocidas se tornaram recorrentes como os citados no Relatório Figueiredo (Brasil, 1967). São casos emblemáticos de repercussão internacional, o Massacre de Corumbiara e a devastação da floresta no território Uru-eu-wau-wau, que foram tratados por Alvarenga (2017) a partir do cinema-processo, abordagem que demonstra como o documentário pode “indagar a história (suas catástrofes e suas aberturas)”.
O cinema como fonte histórica advém do movimento da Escola dos Annales que passou a contrapor o modelo positivista da ciência e a valorizar a contribuição de outros campos de conhecimento e de outras fontes para além de documentos oficiais. Desse modo, Ferro (1992) aventou como o cinema se tornou uma fonte para a história na medida em que consegue captar a realidade, produzir memória e sentidos. Ao tratar o cinema como fonte histórica, o autor amplia as formas de escrita da história, amplia os sentidos da historiografia ao possibilitar sua produção a partir de novas fontes. Corrêa (2023) define a produção do cinema indígena como etno-historifotia, entendendo como uma forma de representação e de expressão de pensamento do ser indígena contada a partir das imagens visuais. Ao registrarem, no documentário, o cotidiano e as pressões as quais estão submetidos, o povo Uru-eu-wau-wau produziu memória e uma forma de escrita de si e também, protagonismo e autoria.
Concluímos que, todas as mazelas acabaram funcionando como motivação para uma tomada de consciência do povo Uru-eu-wau-wau em adotar novas estratégias por sobrevivência e garantia de direitos e, adicionalmente, por uma nova forma de escrever a história indígena.
A importância de filmar e gravar as coisas é que você tem uma arma, tem o próprio pensamento da gente que a gente indígena tem um pensamento muito grande né, acho que isso que falta na fotografia às vezes. (Bitaté, 2022) Grifo meu.
O cinema indígena Uru-eu-wau-wau ganha uma carga de significação de caráter político como povo com autodeterminação e de reivindicações próprias, torna-se símbolo de defesa e ataque. Marc Ferro (1992) afirma que, depois que os governos descobriram o poder das representações sociais e da difusão das ideologias por meio do cinema eles desejaram colocá-lo por servo e complementa dizendo que:
[…] As autoridades, sejam as representativas do Capital, dos Sovietes ou da Burocracia, desejam tornar submisso o cinema. Este, entretanto, pretende permanecer autônomo, agindo como contrapoder, […] (Ferro, 1992, p. 14)
encontramos no cinema um espaço dos movimentos indígenas, um espaço de denúncia, um espaço de autoria, um espaço de muitas expressões e, um espaço de militância política. Tomado nesse sentido, o cinema deixa de ser um instrumento colonizador e, passa a se tornar um instrumento contracolonizador e, portanto, um cinema-militante em prol da sobrevivência indígena e da sua história, um ato político e descolonizador.
Bibliografia
- ALVARENGA, C. Da cena do contato ao inacabamento da história: Os últimos isolados (1967-1999), Corumbiara (1986-2009) e Os Arara (1980-). Salvador, Edufba, 2017.
BRASIL. Ministério do Interior. Relatório Figueiredo. 1967. Disponível em: Acesso em: 02 nov. 2024. Vol 20.
CORRÊA, M A. ACHEGAS PARA UMA HISTÓRIA DO AUDIOVISUAL AUTORAL DOS POVOS INDÍGENAS DE MS: a etno-historiofotia nos filmes da ASCURI – Associação Cultural dos Realizadores Indígenas. (Tese de Doutorado em História). Universidade Federal da Grande Dourados, 2023.
ERRO, M. Cinema e história. Tradução Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
PAIVA, E; JUNQUEIRA, C. O Estado contra o índio. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1985.
PREZIA, P C G M. Os Tupi de Piratininga: acolhida, resistência e colaboração. (Tese de doutorado). PUC-SP
SOUZA LIMA, A C. O governo dos índios sob a gestão do SPI. In: CUNHA, M C. História dos indios no Brasil, São Paulo, Cia das Letras, Fapesp, 1992.