Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Ana Camila de Souza Esteves (UFF)

Minicurrículo

    Ana Camila Esteves é jornalista, curadora e pesquisadora brasileira, com mestrado e doutorado em Comunicação e Cultura (UFBA) focados nos cinemas africanos. Cofundadora e diretora da Mostra de Cinemas Africanos. Foi research associate do King’s College London (2023), é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense com pesquisa sobre a direção de fotografia do cinema nigeriano contemporâneo. Publica sobre festivais, curadoria e circulação de filmes africanos.

Ficha do Trabalho

Título

    À luz da pele negra: o P&B na cinematografia de “Mami Wata”

Mesa

    Direção de fotografia: memória, criação e trajetória

Resumo

    Este trabalho analisa a direção de fotografia de Lílis Soares em “Mami Wata” (2023), filme do cineasta nigeriano CJ Obasi, destacando o uso do preto e branco como estratégia estética e política. A pesquisa investiga como sua abordagem visual valoriza a pele negra, desestabiliza convenções técnicas pensadas para peles claras e atua como forma de distinção no cinema nigeriano contemporâneo.

Resumo expandido

    Este trabalho propõe uma análise do uso do preto e branco na direção de fotografia do filme “Mami Wata” (2023), dirigido pelo cineasta nigeriano CJ Obasi, como uma estratégia estética e discursiva que se insere nas disputas em torno de um novo cinema nigeriano. A partir da direção de fotografia assinada pela cineasta brasileira Lílis Soares, o filme mobiliza recursos visuais que articulam, simultaneamente, duas dimensões cruciais: a iluminação do corpo negro em cena e a cinematografia como elemento de distinção dentro do campo cinematográfico.

    O uso do preto e branco em “Mami Wata” se destaca em um contexto histórico em que poucos filmes africanos utilizaram esse recurso desde os anos 1960 — momento em que os primeiros longas-metragens africanos foram realizados. CJ Obasi e Lílis Soares, portanto, não contavam com referências diretas sobre o uso dessa linguagem visual para filmar corpos negros, nem mesmo no próprio cinema africano. Ao explorar contrastes acentuados, texturas e jogos de luz e sombra, a fotografia do filme constrói uma representação expressiva do corpo negro, contribuindo para debates mais amplos sobre como iluminar peles negras no cinema. Ao mesmo tempo, acrescenta uma nova camada à já complexa discussão sobre tecnologias raciais da imagem, ao desestabilizar convenções técnicas historicamente pensadas para tons de pele claros.

    Como aponta Marina Tedesco (2018), a iluminação cinematográfica deve ser compreendida como uma tecnologia racial, produzida a partir de convenções que centralizam a pele branca como referência de luz. Essa perspectiva discute alternativas estéticas desenvolvidas por cineastas negros em resposta às limitações técnicas da cinematografia hegemônica. Nesse mesmo horizonte crítico, Kristin J. Warner (2023) discute como a edição e a estética visual são atravessadas por lógicas raciais, afetando profundamente a representação de corpos negros na tela. Já Lorna Roth (2009), ao analisar padrões de balanço de cor na história da fotografia, evidencia como as tecnologias de imagem foram calibradas para peles brancas, produzindo desigualdades perceptivas que ainda marcam o audiovisual contemporâneo.

    Simultaneamente, a adoção da fotografia em preto e branco deve ser compreendida como parte de um movimento estético mais amplo de filmes e cineastas que se afastam das convenções formais e temáticas predominantes na indústria audiovisual nigeriana, buscando inserção em circuitos autorais e internacionais. Nesse contexto, a cinematografia emerge como um dos principais vetores de distinção, operando como linguagem capaz de expressar intenções artísticas e posicionamentos políticos sobre o que pode ser o cinema nigeriano contemporâneo. A escolha do preto e branco, nesse caso, contribui para reposicionar o filme dentro de um regime específico de visibilidade, alinhando-o a produções que questionam os padrões industriais e narrativos típicos de Nollywood.

    Dessa forma, este trabalho propõe uma reflexão sobre como a direção de fotografia de Mami Wata articula duas dimensões analíticas complementares. De um lado, um modo de filmar corpos negros que assume escolhas estéticas e políticas específicas, desenvolvido na interlocução entre um cineasta nigeriano e uma diretora de fotografia brasileira. No centro dessa abordagem está o trabalho de Lílis Soares, cuja trajetória profissional é marcada por um comprometimento contínuo em desafiar convenções técnicas e estéticas historicamente pensadas para peles claras. Seu olhar em Mami Wata nos oferece uma oportunidade valiosa de pensar como a cinematografia pode participar ativamente na construção de outras visualidades. De outro lado, a análise também considera o papel da direção de fotografia como estratégia de distinção no contexto do cinema nigeriano contemporâneo.

Bibliografia

    BOMFIM, Felipe. Derivações do olhar: visualidades, cinematografia e as relações étnico-raciais. Tese (Doutorado em Multimeios) – Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas, 2021.

    ROTH, Lorna. “Looking at Shirley, the Ultimate Norm: Colour Balance, Image Technologies, and Cognitive Equity”. Canadian Journal of Communication, v. 34, n. 1, 2009.

    TEDESCO, Marina. “A iluminação como tecnologia racial: corpo negro, câmera e luz no cinema”. Revista Rumores, v. 12, n. 1, 2018.

    TEDESCO, Marina. Gênero e raça na fotografia audiovisual: reflexões a partir (e para além) dos pictures styles. In: Cinematografia Expressão e Pensamento. OLIVEIRA, Rogério; TEDESCO, Marina (Org). Curitiba: Appris, 2019.

    SOARES, Lílis. Lílis Soares – Mami Wata. [Entrevista concedida a] Tainá Corrêa. ABCine, 10 jul. 2023. Disponível em: https://abcine.org.br/entrevistas/lilis-soares-mami-wata/. Acesso em: 27 mar. 2025.

    WARNER, Kristin J. Coloring the Cut: Race, Art, and Editing in Film and Television. Ne