Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Ruan Leandro Sommer Galvão (UNESPAR)

Minicurrículo

    Licenciado em Música pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, hoje mestrando no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV) da UNESPAR, membro do grupo de pesquisa CINECRIARE e orientando da Profª Dra. Débora Regina Opolski. Em 2023, atuou como professor de Arte na Rede Estadual de Ensino do Paraná, e atualmente se dedica à criação e pesquisa da trilha sonora no cinema, tendo como foco de estudo o cinema de José Mojica Marins.

Ficha do Trabalho

Título

    REAPROVEITAMENTO, RECORTES E REPETIÇÕES: PROCESSOS SONOROS NO CINEMA DE HORROR DE JOSÉ MOJICA MARINS

Seminário

    Histórias e tecnologias do som no audiovisual

Resumo

    Esta comunicação trata dos padrões identificados na trilha sonora dos filmes com o personagem Zé do Caixão, criado por José Mojica Marins. Os padrões criativos, denominados de “reaproveitamento, recortes e repetições”, refletem as tendências tecnológicas e comerciais do som na década de 1960, e estabelecem uma característica estilística que atravessa os filmes com o personagem, baseada na apropriação, ressignificação e subversão das convenções do som no cinema de horror.

Resumo expandido

    Esta comunicação aborda a trilha sonora nos filmes de horror dirigidos pelo cineasta José Mojica Marins, com ênfase na chamada Trilogia de Zé do Caixão, composta por À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967) e Encarnação do Demônio (2008). A partir da análise dos processos criativos do som dos filmes realizados na década de 1960, notaram-se padrões estilísticos denominados aqui de “reaproveitamento, recortes e repetições”. Estes aspectos, precursores de tendências encontradas depois na Estética do Lixo do Cinema Marginal, são intrínsecos aos processos de manipulação do som possibilitados com a tecnologia da época, com os quais Mojica e demais artistas do som criaram um universo sonoro particular, vasto em possibilidades narrativas e estéticas no cinema de horror. Assim, o objetivo aqui consiste em discutir a relação desses processos com as questões tecnológicas e comerciais do som na década de 1960, e o estilo criativo que se nota nos filmes com a presença do personagem Zé do Caixão, em particular na trilogia que se encerrou no ano de 2008.

    Com a revisão da literatura referente ao contexto do som no cinema brasileiro da década de 1960, entendem-se aspectos tecnológicos e comerciais importantes para a compreensão dos processos criativos e estilísticos do som nos filmes dirigidos por Mojica. Entre eles, Junior (2023) apresenta os principais equipamentos e técnicas de sonorização dos estúdios brasileiros do período, e dá exemplos de experimentações de cineastas “marginais” que se perceberam nos filmes anteriores de Mojica, como a manipulação de sons pré-existentes, uso de efeitos assíncronos e colagens sonoras. Guerrini (2009), ajuda a entender a tendência do uso de música pré-existente no cinema brasileiro do período, favorecida pela disseminação e barateamento dos discos de vinis – que eram uma alternativa para produções que não podiam custear composições originais -, prática recorrente nos filmes de horror de Mojica, que se estendia também a efeitos sonoros.

    Dos padrões de criação, o “reaproveitamento” consiste na reutilização de materialidades em um ou mais filmes, como é caso do efeito sonoro de chicotadas que se repete em três momentos de À Meia-Noite Levarei Sua Alma, ou da faixa musical de “Tico-tico no Fubá” (Zequinha de Abreu, 1917), presente em ao menos dois filmes com o personagem. Enquanto “recortes”, compreendem-se as gravações sonoras extraídas de outras obras, muitas delas músicas oriundas de filmes estrangeiros de horror, embora também se tenham identificados efeitos sonoros de natureza semelhante. Por último, as “repetições” consistem em ideias sonoras recorrentes na obra do cineasta, especialmente com relação aos elementos típicos do imaginário de horror, como gritos, sinos, ventos, trovões e bichos. Vale ressaltar que as categorias não são estanques e podem se confundir em muitos sentidos, cabendo todas dentro de um modo de pensamento criativo, baseado em uma ideia geral de “reciclagem”, que atravessa os filmes.

    Por fim, com base em estudos de Chion (2008), Barbosa e Dizon (2020) e Carreiro (2023), são apontados alguns dos desdobramentos narrativos e possíveis caminhos de análise suscitados pelos aspectos sonoros dos filmes. Sobretudo, é possível refletir que, por meio dos padrões criativos, os realizadores se apropriam das convenções do horror, que são então ressignificadas ou subvertidas no contexto narrativo das obras – ideias presentes em diferentes formas: com a transformação de sons típicos do horror em motivos fílmicos associados ao personagem Zé do Caixão, através da inversão dos afetos normalmente esperados com o gênero – quando postos na subjetividade do coveiro, ou com a intertextualidade no material apropriado por Mojica, que serve para caracterizar e dar camadas de leitura à figura do vilão brasileiro.

Bibliografia

    À MEIA-NOITE LEVAREI SUA ALMA; Direção: José Mojica Marins. Brasil, 2002 (1964). 84 min. 1 DVD.

    BARBOSA, Álvaro. DIZON, Kristine. The Film Sound Analysis Framework: A Conceptual tool to Interpret the Cinematic Experience. Journal of Science and Technology of the Arts, v. 12, n. 2, p. 81-96, 24 jul. 2020.

    CARREIRO, Rodrigo. O Som no Cinema de Horror. Ed. UFPR: Curitiba, 2023.

    CHION, Michel. A Audiovisão: Som e imagem no cinema. Edições Texto & Grafia: Lisboa, 2008.

    ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO; Direção: José Mojica Marins. Produção: José Mojica Marins, Antonio Fracari. Brasil, 2008. 94 min. 1 DVD.

    ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER; Direção: José Mojica Marins. Brasil, 2002 (1964). 108 min. 1 DVD.

    GUERRINI JR, Irineu. A música no cinema brasileiro: os inovadores anos sessenta. Terceira Imagem: São Paulo, 2009.

    JUNIOR, Francisco José Pereira da Costa. A sonoridade no cinema moderno brasileiro. Fafich, Selo PPGCOM, UFMG, 1ª ed. Belo Horizonte, 2023.