Ficha do Proponente
Proponente
- Lorenna Rocha da Silva (UFPE)
Minicurrículo
- Historiadora (UFPE), crítica e programadora de mostras e festivais de cinema. Cofundadora da Plataforma INDETERMINAÇÕES. Editora-chefe da revista câmarescura. Participou de processos curatoriais de diversos festivais brasileiros como FestCurtas BH, Janela Internacional de Cinema do Recife e Mostra de Cinema de Tiradentes. Foi integrante do Talent Press no Berlinale – 73º Festival Internacional de Cinema de Berlim e uma das pesquisadoras do RAW/Arché (Doclisboa/Márgenes), em 2023.
Ficha do Trabalho
Título
- Acervo Odilon Lopez: Um É Pouco, Dois É Bom (1970), Super 8 e algumas experimentações digitais
Seminário
- Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens
Resumo
- O presente trabalho tem como objetivo compartilhar os processos de investigação em torno das obras e do acervo familiar de Odilon Lopez (1941-2002). O que antes parecia o início da restauração de Um É Pouco, Dois É Bom (1970), se tornou uma jornada em meio a fotografias, roteiros, imagens em VHS, bitolas de Super-8 e experimentações no Paint. O universo multifacetado e desconhecido de Lopez parece nos ajudar a elaborar perguntas sobre os modos de narrar a história do cinema negro no Brasil.
Resumo expandido
- Foi durante uma viagem a trabalho para Porto Alegre que a pesquisadora teve a oportunidade de iniciar uma jornada de pesquisa em torno de Um É Pouco, Dois É Bom (1970), longa-metragem que, dividido em duas histórias, sofreu o fato de ter sido telecinado pela metade no projeto Obras Raras – O Cinema Negro da Década de 1970 (Fundação Palmeres e Centro Afrocarioca de Cinema, 2006), decisão que influenciou a forma como o filme de Odilon Lopez passou a (não) ser reconhecido na história do cinema brasileiro e, particularmente, do cinema negro.
Assistido à cópia remanescente em 35mm na Cinemateca Capitólio, o próximo passo era conhecer os roteiros salvaguardados pelo arquivo da instituição e encontrar Vanessa Lopez, filha do diretor e responsável, junto ao seu irmão Juliano Lopez, pela preservação da memória de Lopez. Na ocasião, Vanessa relatou haver um material em sua casa que nunca havia mexido, mas que acreditava não ter muito o que fazer com ele. Em sua casa, nos deparamos com uma diversa quantidade de mídias, entre VHS, rolos de Super-8, fotografias e outras peças do acervo familiar.
Durante o visionamento dos VHSes, a pesquisadora se deparou com dois tipos de materiais: o primeiro, um longa-metragem, que chamaremos de ‘Odilon’, conforme identificado na etiqueta do suporte, com imagens telecinadas de materiais em Super 8, em que Vanessa é, digamos, personagem principal, pois acompanhamos ela crescer até por volta de seus oito anos de idade; o segundo, uma série de animações, que nomeamos de Art&Tricks/Artemanhas, como assinado em alguns dos vídeos experimentais feitos com colagem, desenhos de Paint e material fonográfico do Windows 2000, sendo essas, provavelmente, as últimas obras de Odilon Lopez, que faleceu em 2002.
Um É Pouco, Dois É Bom, portanto, foi “só um fio” que nos conduziu a suportes e matérias, até então, inimagináveis.
Se antes o cenário de escassez (GOMES, 2021) era um elemento fulcral para pensar acerca da direção/autoria/presença/colaboração negra no cinema brasileiro, nos anima pensar que o que há nessa história é um nível de incompletude (inclusive, por dimensões materiais, históricas e econômicas) e desconhecimento que, ao invés de tentarmos sistematizar esse passado pelas vias convencionais, seria fundamental rearticular as bases ontoepistemológicas (FERREIRA DA SILVA, 2019) dos modos de narrar a autoria/presença/colaboração de profissionais negros no cinema nacional, vislumbrando abarcar as complexidades que se deparar com um acervo, como este, nos impõe. E ele não é único, ainda que bastante singular.
Sendo assim, neste trabalho, contextualizaremos o processo de restauração digital em 4K de Um é Pouco, Dois É Bom, realizada em 2024, por iniciativa da INDETERMINAÇÕES, Cinemateca Capitólio e Mnemosine Serviços Audiovisuais; faremos aproximações entre o material de Super 8 e o longa-metragem de ficção de 1970, e também analisaremos as performances de autorrepresentação presentes, de diferentes maneiras, nas obras do Acervo Odilon Lopez, embaralhando os “limites” entre ficção e documental.
Por meio de análises fílmicas, buscaremos refletir sobre a inventividade do(s) cinema(s) de Lopez, a dimensão do “arquivamento de si” (DA SILVA, 2011) em sua obra, acerca da singularidade de uma câmera de Super 8 em mãos negras, sobretudo quando pensamos no contexto de produção de filmes domésticos no Brasil, e como essas imagens nos auxiliam a pensar sobre os modos de narrar a história do cinema negro no Brasil.
Menos do que para ocupar o espaço de pioneira, a obra de Lopez nos interessa por apresentar elementos que nos desafia a alargar, recompor ou rasurar a ideia hegemônica do que tem sido enunciado como “cinema negro brasileiro”.
Bibliografia
- DOCLISBOA. Arché Talks 2023: Filmes domésticos: da preservação à criação audiovisual.
FOSTER, Lila Silva. Filmes domésticos: uma abordagem a partir do acervo da Cinemateca Brasileira. 2010. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Imagem e Som, UFSCar, 2010.
GATES, Racquel J. Double negative: The black image and popular culture. Duke University Press, 2018.
GOMES, Juliano. Pós-escrito (ou por um cinema negro que não caiba). Revista Cinética. 23 de novembro de 2020.
ROCHA, Lorenna. Muitas histórias, um filme. INDETERMINAÇÕES – plataforma de crítica e cinema negro brasileiro. 05 de julho de 2024.
SILVA, Denise Ferreira da. A Dívida Impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.
SILVA, Júlio Claúdio da. Relações raciais, gênero e memória: a trajetória de Ruth de Souza entre o Teatro Experimental do Negro e o Karamu House (1945-1952). Tese de Doutorado. UFF, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2011.