Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Reinaldo Cardenuto Filho (UFF)

Minicurrículo

    Reinaldo Cardenuto é Professor do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense e possui doutorado em Meios e Processos Audiovisuais (ECA-USP). Dentre suas publicações, encontra-se o livro “Por um cinema popular: Leon Hirszman, política e resistência” (2020). Em 2016, dirigiu o documentário “Entre imagens (intervalos)” e organizou o livro “Antonio Benetazzo, permanências do sensível”. Atualmente, dedica-se a estudos sobre história, cinema, dramaturgia e teatro.

Ficha do Trabalho

Título

    Filmes às margens da história: inquietações de um estudo em desenvolvimento

Seminário

    Arquivo e contra-arquivo: práticas, métodos e análises de imagens

Resumo

    A história do cinema brasileiro vive profundas revisões. Devido aos novos paradigmas e à ampliação de fontes documentais, filmes outrora marginalizados têm se tornado foco de vários pesquisadores. Tal processo, essencial para a (re)escrita histórica, apresenta uma série de desassossegos. A tendência de alguns estudos à monumentalização das obras esquecidas incorre no risco de apagamento das contradições do passado. Esta fala debaterá uma inquietação incontornável à historiografia contemporânea.

Resumo expandido

    A historiografia do cinema brasileiro vive profundas transformações. Por um lado, antes centrado principalmente na análise fílmica, tal campo de estudo abriu-se para novas possibilidades. Adquirindo força nas reflexões contemporâneas, questões como a circulação e a recepção dos filmes, a genealogia das produções audiovisuais ou os diálogos do cinema com outras artes ampliaram as fontes de pesquisa e exigiram revisões nas narrativas há tempos consolidadas. Por outro lado, as mudanças geraram conflitos em relação às canonizações históricas. Filmes esquecidos ou raramente vistos, ignorados pelas seleções de ordem intelectual, passaram a ganhar proeminência nos estudos sobre o passado. Obras políticas fora do Cinema Novo, longas-metragens comerciais desprezados ou filmes dirigidos por mulheres e cineastas negros, saindo das notas de rodapé, provocaram releituras fundamentais da história. Tais deslocamentos, porém, trouxeram diversas inquietações.

    Muitos estudos atuais, imbuídos do compromisso de “salvar” aquilo que se encontra esquecido, passaram a positivar excessivamente seus objetos de pesquisa. A partir da hipervalorização do que foi marginalizado, instaurou-se uma contra-ofensiva ideológica que ignora contradições próprias aos processos históricos. Por vezes, o biografismo, utilizado em demasia, apresenta-se mais como celebração individualista do que prática para a devida releitura do passado. A monumentalização dos cineastas marginalizados, deslocados dos escombros para os enaltecimentos históricos, tende a incorrer no risco de ocultar a complexidade de suas trajetórias sob o manto da heroicização estereotipada.

    Em outros casos, posto numa espécie de neopanteão cinematográfico, o filme esquecido perde riquezas para ser mitificado como exemplo da genialidade de um artista menosprezado. Em diversos estudos, valorizam-se obras do passado como se estas não pertencessem às dimensões políticas e culturais de seu contexto original de produção. O pesquisador, crente na descoberta de algo completamente inédito, preocupado em elevar intelectualmente um objeto desprezado, por vezes equivoca-se ao posicionar o filme em análise como “vanguarda à frente e além de seu tempo histórico”. Nenhum objeto artístico encontra-se ausente ou desligado das questões de seu tempo, mas mesmo assim busca-se, obsessivamente, a adjetivação dos filmes pelo viés do “pioneirismo heróico”. A recusa a pensar as obras à luz das narrativas históricas existentes, conferindo-lhes uma existência desconectada de seu período original de criação, gera o perigo de levá-las a um outro exílio, como se retirá-las do esquecimento fosse dotá-las de uma nova marginalização.

    Esses problemas, presentes apenas em uma parcela dos estudos sobre cinema brasileiro, precisam ser debatidos com urgência. A história é movediça e, de fato, exige revisões infindáveis. Em decorrência de novos paradigmas de pensamento, as leituras do passado modificam-se, trazendo à tona questões fundamentais que foram postas de escanteio pelas seleções intelectuais. Entretanto, abdicar das contradições históricas em nome do elogio exagerado pode gerar simplificações justo onde se procura a riqueza desprezada. A partir de casos envolvendo os filmes “Geração Bendita” (1971-73, Carlos Bini), “Os homens que eu tive” (1973, Tereza Trautman) e “Vai trabalhar, vagabundo” (1973, Hugo Carvana), obras por mim analisadas dentro do projeto “Cinema e contestação durante a ditadura militar brasileira: para além dos cânones da resistência”, esta comunicação pretende defender a revisão da história – urgente e necessária – sem que ocorra a perda das contradições próprias à experiência humana. Este estudo é financiado pela FAPERJ, Processo/SEI: 260003/000707/2023.

Bibliografia

    BLANK, Thais C.; MACHADO, Patricia F. M. “Em busca de um método: entre a estética e a história de imagens domésticas do período da ditadura militar brasileira”. Intercom – RBCC, São Paulo, v. 43, n. 2, mai-ago 2020, p. 169-183.

    CARDENUTO, Reinaldo. “Os homens que eu tive (1973), de Tereza Trautman: questionamento moral e censura ao cinema durante o regime militar brasileiro”. In. FICO, Carlos; GARCIA, Miliandre (orgs.). Censura no Brasil Republicano (1937-1988): governo teatro e cinema. Salvador: Sagga, 2021, p. 149-177.

    LINDEPERG, Sylvie. Nuit et brouillard, un film dans l’histoire. Paris: Odile Jacob, 2007.

    MORETTIN, Eduardo. “O Cinema como fonte histórica na obra de Marc Ferro”. História: questões e debates, Curitiba, n. 38, 2003, p. 11-42.

    NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: a vida cultural brasileira sob o regime militar (1964- 1985). São Paulo: Intermeios, 2017.

    SÁNCHEZ-BIOSCA, Vicente. Cine de historia, cine de memoria: la representación y sus limites. Madrid: Cátegra, 2006.