Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Bruna Sant Ana Aucar (PPGCOM PUC-Rio)

Minicurrículo

    Bruna Aucar é professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e do Departamento de Comunicação da PUC-Rio. Doutora em Comunicação pelo PPGCOM PUC-Rio. Líder do grupo de pesquisa Laboratório de Audiovisual e Consumo. Coordenadora do centro de estudos Narrativas & Consumo, da PUC-Rio. Bolsista do Programa Jovem Cientista do Nosso Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

Ficha do Trabalho

Título

    Narrativas em transição: estratégias do melodrama brasileiro no streaming

Resumo

    Este trabalho analisa o processo de transição da telenovela para o ambiente das plataformas de streaming, tendo como estudo de caso Beleza Fatal (2025), da Max. A pesquisa discute como o melodrama tradicional é adaptado a novas lógicas narrativas, estéticas e de mercado, articulando algoritmos, segmentação e circulação global, ao mesmo tempo em que preserva elementos culturais locais. A obra busca legitimar o gênero unindo tradição popular e prestígio simbólico.

Resumo expandido

    Este trabalho analisa a transição da telenovela brasileira para o ambiente das plataformas de streaming, tendo como estudo de caso a obra Beleza Fatal (2025), primeira produção original do gênero realizada pela Max no Brasil. A telenovela, formato preponderante do audiovisual brasileiro, é reposicionada nesse novo ecossistema midiático, que articula algoritmos, segmentação de audiência e circulação global. O estudo busca entender como o melodrama tradicional é adaptado para um novo formato de distribuição e quais as implicações simbólicas, estéticas, de consumo e de negócios envolvidas.
    Apesar de seu enorme alcance e influência no Brasil, o formato enfrentou resistência quanto à sua legitimidade cultural, por estar historicamente vinculado à televisão aberta e associado ao gosto popular, feminino e doméstico (Machado, 2000). Interpretado como narrativa repetitiva e sentimental, o folhetim eletrônico foi marginalizado pelos circuitos de prestígio intelectual e artístico, em contraste com o cinema, considerado mais autoral e erudito. No entanto, estudos como os de Martín-Barbero (2001), Lopes (2003) e Hamburger (2011) destacam justamente a força simbólica da telenovela na articulação entre cultura de massa e práticas populares, funcionando como espaço de negociação de valores sociais e afetivos. A partir do final dos anos 1960, a introdução de temas políticos e tramas mais complexas por autores como Janete Clair e Dias Gomes ajudou a transformar a percepção do gênero, ampliando seu público e seu papel como forma de reflexão social e construção da identidade nacional (Ortiz, 2001).
    A despeito do preconceito elitista, a telenovela brasileira consolidou-se como um dos pilares da cultura midiática nacional ao dialogar profundamente com as experiências sociais do público e resistir ao imperialismo cultural estadunidense, sobretudo nas décadas de 1960-1970. Straubhaar et al (2021) defende que esse enraizamento foi impulsionado pela capacidade de refletir códigos culturais locais, o que, segundo a teoria da “proximidade cultural”, explica a preferência de produtos locais frente a conteúdos estrangeiros. Com o avanço do streaming, o formato passa por uma reconfiguração: associado a práticas culturais de prestígio, ganha nova visibilidade por meio de plataformas como a Max, que reposicionam o melodrama entre o popular e o sofisticado (Lopes, 2024). Contudo, essa inserção global vem acompanhada de precarizações no mercado de trabalho audiovisual, ainda que encobertas por discursos de liberdade criativa e reconhecimento simbólico promovidos tanto pelas plataformas quanto pelos profissionais envolvidos.
    A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa e transdisciplinar – que combina análise narrativa, entrevistas com criadores e materiais jornalísticos – para mostrar como Beleza Fatal representa uma tentativa deliberada de conciliar a tradição melodramática nacional com as exigências estéticas e narrativas do consumo sob demanda. Escrita por Raphael Montes, dirigida por Maria de Medicis e supervisionada por Silvio de Abreu, a obra mantém estruturas clássicas da telenovela – como personagens arquetípicos, reviravoltas e sentimentalismo – ao mesmo tempo em que adota uma estética mais sombria e cinematográfica, ritmo ágil e formato enxuto (40 episódios). A narrativa de vingança da protagonista é marcada por estratégias típicas do streaming, como cliffhangers e binge-watching, além de permitir escolhas de visualização personalizadas (Buonnano, 2019). A distribuição em blocos semanais de cinco episódios busca equilibrar o modelo de maratona com o engajamento contínuo da TV aberta. A ambientação mistura subúrbios idealizados e espaços urbanos refinados, compondo um cenário híbrido com apelo local e potencial internacional. Essa “glocalização” (Robertson, 1995), no entanto, carrega tensões: a novela precisa dialogar com algoritmos e lógicas globais sem romper com os afetos e códigos culturais locais que sustentam sua legitimidade no Brasil.

Bibliografia

    BUONANNO, Milly. Serialidade: continuidade e ruptura no ambiente midiático e cultural contemporâneo. Matrizes, v.13, nº 3, set./dez., p. 37-58, 2019.
    HAMBURGER, Esther. Telenovelas e interpretação do Brasil. Lua Nova, 82, p. 61-86, 2011.
    LOPES, Maria Immacolata. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação. Comunicação & Educação, v.26, p. 17-34, 2003.
    LOPES, Maria Immacolata. A Televisão, hoje: TransTV – a televisão como ecossistema digital-narrativo. In: COMPÓS, 2024, Niterói. Anais […] Niteroi: UFF, 2024.
    MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. Rio de Janeiro: Senac, 2000.
    MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
    ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 2001.
    ROBERTSON, Roland. Glocalization. London: Sage, 1995.
    STRAUBHAAR, Joseph, SANTILLANA, Melissa, JOYCE, Vanessa, DUARTE, Luiz. From telenovelas to Netflix. Palgrave, 2021.