Ficha do Proponente
Proponente
- Ian de Vasconcellos Schuler (UFRJ)
Minicurrículo
- Pós-doutorando em artes visuais pela UFRJ, doutor em artes visuais pela UERJ, mestre em comunicação pela UFRJ e graduado em cinema pela UNESA. Foi professor substituto do curso de cinema da UFJF entre 2023 e 2024. Participou da residência artística da FAAP no primeiro semestre de 2023. Atualmente, pesquisa roteiros e processos prático-teóricos em cinema e realiza filmes e vídeos.
Ficha do Trabalho
Título
- As ideias cinematográficas de Sonia Andrade: dos “roteiros imaginados” à filmagem
Resumo
- Nessa apresentação, analiso alguns trabalhos de Sonia Andrade, considerada uma pioneira da videoarte brasileira, a partir da seguinte questão: durante a realização de seus vídeos, Andrade recorria ao que, em outras vertentes audiovisuais, chamamos de “roteiro”? Comentando sua produção, Andrade fala em “roteiro imaginado” e também sobre sua relação com o cinema. Assim, analiso processos de produção em videoarte que se cruzam com o cinema, e como ambos podem se influenciar.
Resumo expandido
- Em meados dos anos 1970, a artista brasileira Sonia Andrade constituiu uma série de oito vídeos sem título (1974-1977), iniciando uma carreira que seria frequentemente associada a videoarte, constituindo parte da produção chamada de pioneira do vídeo no Brasil (MACHADO, 2007, p. 16). No entanto, nesses trabalhos, além da presença do corpo da artista em cena, encontramos elementos geralmente atribuídos à linguagem cinematográfica, como um uso criativo da profundidade de campo, um cuidadoso controle da imagem e da encenação e movimentos de câmera precisos, nas poucas ocasiões em que ocorrem. Se Andrade parece longe de reivindicar uma posição como cineasta, ela não deixa de reconhecer o impacto formador que o cinema teve sobre a sua obra. Segundo a artista, o cinema seria a sua “grande paixão” (MATTIOLLI, 2017, p. 200), tendo Notas sobre o cinematógrafo, de Robert Bresson, como sua bíblia (Ibidem, p. 220), além de afirmar que o cinema “deve ter sido um dos motivos que me levaram a trabalhar com o vídeo”. (OBRIST, 2018, p. 195).
Partindo da noção de que um certo imaginário cinematográfico habita os vídeos de Sonia Andrade, podemos levantar a hipótese de que a artista não deixou de utilizar estratégias de produção similares àquelas encontradas em filmes tradicionais. Apesar de seu declarado desinteresse em fazer cinema em sentido estrito (MATTIOLLI, 2017, p. 212), os comentários da artista insinuam uma prática permeada pelo pensamento e por processos cinematográficos. Nesse sentido, essa apresentação desenvolve algumas aproximações entre os vídeos da fase inicial de Sônia Andrade com o cinema. Em particular, pretende-se comentar alguns rastros dos processos de produção de Andrade, especialmente em relação aos momentos que antecedem as filmagens, e ao que a artista brevemente chama de “roteiro imaginado” (Ibidem, 2017. p. 210).
Nas raras ocasiões em que concedeu entrevistas, Andrade menciona que “as ideias surgem na minha imaginação, assim do nada” (OBRIST, 2018, p. 200). Apesar dessa espontaneidade, em outra ocasião a artista se refere à ideia de “roteiro imaginado” como possível método de preparação para uma filmagem. A evocação do termo roteiro (além de, em outros momentos, a artista falar em “travelling” e outras expressões) indica um vocabulário permeado por ideias fílmicas, e será a partir de tais insinuações que pretendo desenvolver essa apresentação. Trata-se, portanto, de comentar algumas interseções entre métodos de produção em videoarte e cinema. Além disso, uma noção expandida de roteiro aparece como mote da apresentação, sugerindo formas não convencionais de transmitir ideias para as telas, também descritas por outros autores, como Alexandra Ksenofontova em The Modernist Screenplay (2020).
A ideia de roteiro, como projeto do filme que antecede sua execução, geralmente se refere a um texto escrito e formatado de acordo com uma série de convenções. Tipicamente, o roteiro sinaliza para a equipe do filme como será executada a produção, tornando coerente o desenvolvimento do projeto. No caso de uma videoartista como Sonia Andrade, que geralmente filmava trabalhos sem edição e com uma equipe reduzida a duas pessoas (em geral composta pela própria artista e um câmera), a necessidade de um roteiro como centro organizador parece dispensável. Ainda assim, quando Andrade se refere a uma “ideia”, e essa ideia envolve a produção de uma imagem em movimento enquadrada por uma câmera de vídeo, podemos supor um imaginário informado por um repertório cinematográfico, em que o roteiro pode aparecer em sentido não formalizado e singular, ocupando uma parte da operação de realização. Assim, a partir dos próprios vídeos e de depoimentos deixados por Andrade, além de uma bibliografia sobre o tema, pretendemos especular sobre a ideia de roteiros imaginários evocada pela artista, e como ela sugere um artefato de trabalho que, se não é visível, não deixa de influenciar a encenação.
Bibliografia
- COCCHIARALE, Fernando; PARENTE, André. Filmes de artista: Brasil 1965-80. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria / Metrópoles Produções Culturais, 2007.
KSENOFONTOVA, Alexandra. The Modernist Screenplay. Londres: Palgrave Macmillan, 2020.
LENZ, André. Sonia Andrade: Retrospectiva 1974-1993. Rio de Janeiro: Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, 2011.
__________. Sonia Andrade: vídeos,. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2010.
MACHADO, Arlindo. Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Iluminuras, 2007.
MATTIOLLI, Isadora. O corpo como questão: relações entre feminismos e arte contemporânea no Brasil. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017.
OBRIST, Hans Ulrich. Entrevistas Brasileiras vol. 1. Rio de Janeiro: Cobogó, 2018.