Ficha do Proponente
Proponente
- Luciana Barros Góes (UNIRIO)
Minicurrículo
- Possui graduação em Comunicação Social, jornalismo, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com especialização em Cinema e TV pela Fundação Getúlio Vargas/RJ. Atualmente, é mestranda em História na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGH/Unirio). Desde 2012, é jornalista na TV Brasil/EBC, sendo uma das roteiristas e editoras do programa Caminhos da Reportagem e de programas e reportagens especiais do Repórter Brasil Tarde, ancorado pela jornalista Luciana Barreto.
Ficha do Trabalho
Título
- A Pequena África na telenovela “Nos Tempos do Imperador”
Mesa
- Telenovela e Contemporaneidade: História, Estética, Identidade.
Resumo
- Tendo como pressuposto que a mídia, ao fazer uso de mensagens carregadas de simbolismos e significados, legitima o discurso político e social da temporalidade em questão, o trabalho analisou a representação da escravidão em “Nos Tempos do Imperador”, trama exibida entre 2021 e 2022, na TV Globo e que tem o núcleo da escravidão denominado de Pequena África, região que passou por transformações nas últimas décadas, após vir à tona o Cemitério dos Pretos Novos e os vestígios do Cais do Valongo.
Resumo expandido
- A partir do entendimento de que o uso da ficção como fonte de pesquisa histórica é uma das ferramentas de compreensão das mais diversas formas de representações do passado, onde, a partir dela, é possível apreender elementos sociais e políticos da contemporaneidade, o trabalho analisou a escravidão na telenovela “Nos Tempos do Imperador”. Exibida entre os anos de 2021 e 2022, na TV Globo, a trama retratou parte do período do Segundo Reinado (1840-1889) e, como o próprio título já revela, gira em torno dos dilemas vivenciados por D.Pedro II, entre eles, os momentos finais da escravidão no Brasil.
Entre os núcleos que compõem a telenovela está o da Pequena África – local onde grande parte da narrativa sobre os negros se desenvolve. No entanto, no século XIX, a concepção deste território como uma comunidade habitada por negros, ao longo dos séculos de regime servil, ainda não era assim denominada – o que ocorreu somente em meados dos anos de 1980, pelo cantor, compositor e artista plástico Heitor dos Prazeres (1898-1966).
Mas a região só ganharia projeção entre as últimas décadas do século XX e primeira do XXI, após vir à tona o Cemitério dos Pretos Novos, em 1996, e os vestígios arqueológicos do Cais do Valongo, em 2011. A Pequena África sai, então, do patamar de história esquecida e passa a pulsar. Por um lado, grupos de antropólogos, historiadores e etnógrafos se voltam para a preservação histórica; e, por outro, o turismo no entorno é fomentado.
Concomitantemente, as novas perspectivas dentro do campo da historiografia da escravidão, entre elas os estudos de história decolonial e os debates sobre reparação avançavam e ganhavam força, dentro e fora da academia.
Antenados a todos esses acontecimentos, os autores da telenovela “Nos Tempos do Imperador” optaram por inserir a região na trama, mesmo que para isso fosse necessário fazer um deslocamento temporal. Uma escolha narrativa que traz o questionamento de como o narrar histórico em conteúdos ficcionais pode nos falar mais sobre o presente do que o passado em si, estando conectados com os anseios da sociedade atual. Para Ricoeur (2011), narrativas históricas precedem de escolhas, ou seja: “Existe entre a atividade de narrar uma história e o caráter temporal da experiência humana uma correlação que não é puramente acidental, mas apresenta uma forma de necessidade transcultural” (Ricoeur, 2011, p. 85).
Dessa forma, ao escolher abordar a região num contexto de meados do século XIX, quando o local ainda não era assim reconhecido, como a história da escravidão no Brasil oitocentista é imaginada pelos autores e como a região da Pequena África do século XIX aparece no século XXI, na telenovela “Nos Tempos do Imperador”? O que da historiografia recente e dos debates atuais na sociedade são incorporados na narrativa? Questões coadunadas na concepção de que “as representações não se contrapõem ao real, mas se constituem a partir das determinações sociais que se tornam matrizes de classificação e ordenação do próprio mundo social, ou seja, do mundo real” (Chartier, 1990, p.16).
Assim, tendo como pressuposto que a mídia, ao fazer uso de mensagens carregadas de simbolismos e significados, legitimam o discurso político e social da temporalidade em questão, ou seja, estão sujeitos aos contextos do qual emergem, o uso do termo “Pequena África” pode estar atrelado a um passado recontado de forma a atender demandas que vão além do simples narrar histórico, mas de uma conexão com as demandas e anseios do tempo presente? Tal construção pode delinear estarmos vivendo um presente constituído por camadas e/ou disputas de temporalidade?
Bibliografia
- CHARTIER, Roger. A História Cultural Entre Práticas e Representações. São Paulo: Bertrand, 1990.
KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). Tradução de Pedro Maia Soares, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
KORNIS, Mônica Almeida. Cinema, televisão e história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Funarte, 1983.
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. WMF Martins Fontes; 1ª edição, 2011.
TROUILLOT, Michel-Rolph. Silenciando o passado. Poder e a produção da História. Curitiba: Huya, 2016.
HALPERIN, P. (2020). Então ela é escrava? Escrava Isaura, história e identidade nacional. Significação: Revista De Cultura Audiovisual, v.47(53),162-183. https://doi.org/10.11606/issn.2316-7114.sig.2020.155856
HAMBURGER, Esther. Telenovelas e Interpretações do Brasil. São Paulo: Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 82, pp. 61-86, 2011.