Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Matheus Camargo Jardim (USP)

Minicurrículo

    Matheus Camargo Jardim é doutorando em Estudos de Cultura pela USP, com bolsa FAPESP, onde pesquisa os romances de Ben Lerner sob a orientação da Profa. Dra. Maria Elisa Cevasco. Mestre pela mesma instituição, atua principalmente com literatura e cinema norte-americanos, teoria crítica e crítica cultural materialista.

Ficha do Trabalho

Título

    A ilusão de emancipação em Poor Things, de Yorgos Lanthimos

Eixo Temático

    ET 1 – CINEMA, CORPO E SEUS ATRAVESSAMENTOS ESTÉTICOS E POLÍTICOS

Resumo

    O filme Poor Things (2023) expõe a ilusão de emancipação da protagonista Bella Baxter, cuja busca por liberdade é continuamente frustrada por estruturas capitalistas e patriarcais. A obra explora o grotesco como estética ambígua, revelando como aparente transgressão é absorvida e neutralizada pela lógica mercantil, questionando a possibilidade real de autonomia no capitalismo contemporâneo.

Resumo expandido

    Esta comunicação analisa criticamente o filme Poor Things (2023), dirigido por Yorgos Lanthimos, enfatizando a ilusão de emancipação da protagonista, Bella Baxter, inserida em uma estrutura marcada por contradições entre liberdade aparente e novas formas de dominação. Bella, originalmente Victoria Blessington, ressurge após uma tentativa de suicídio na Londres vitoriana através da intervenção do cientista Godwin Baxter, que substitui seu cérebro pelo do feto que carregava. Tal ato inaugura uma dualidade fundamental: a maturidade corporal em contraste com uma consciência ainda infantilizada, evidenciando a tensão entre subjetividade e instrumentalização. A análise demonstra que Bella, apesar de continuamente buscar autodeterminação, permanece condicionada por forças externas que perpetuam sua alienação. Godwin, personificando o controle científico e patriarcal, restringe sua percepção do mundo, enquanto outros personagens masculinos, como Max McCandles e Duncan Wedderburn, impõem novas camadas de submissão, manifestando diferentes expressões de exploração capitalista e patriarcal. Ao longo da narrativa, viagens a Lisboa, Alexandria e Paris explicitam ainda mais essas estruturas opressivas ao expor Bella à mercantilização cultural e à exotização colonialista, convertendo o “outro” em mero ornamento visual. O grotesco permeia toda a obra, funcionando como elemento ambíguo que, ao mesmo tempo em que sugere ruptura, é absorvido pela lógica mercantilizada do espetáculo. A corporalidade excêntrica dos personagens e o excesso visual são analisados sob a ótica do grotesco como categoria estético-política, ressaltando seu potencial subversivo histórico e contemporaneamente neutralizado pelo mercado. Esse processo de estetização do grotesco espelha a própria trajetória de Bella, em que momentos de aparente ruptura são constantemente reabsorvidos pelas dinâmicas dominantes. Além disso, o filme é confrontado com perspectivas filosóficas de Fredric Jameson e Theodor Adorno, evidenciando a condição de alienação pós-moderna da protagonista como metáfora das relações sociais fragmentadas sob o capitalismo tardio. A reflexão adorniana sobre culpa e esquecimento amplia a interpretação da obra, destacando que a ilusão de liberdade de Bella é continuamente frustrada pelas condições sistêmicas mais amplas, sugerindo a insuficiência das soluções individuais frente à necessidade de transformações coletivas profundas. Assim, Poor Things revela-se um objeto exemplar para analisar a complexidade das relações entre corpo, tecnologia, poder e estética no cinema contemporâneo, destacando o paradoxo central entre a promessa emancipatória da narrativa e sua efetiva neutralização pelas estruturas históricas, sociais e econômicas que moldam a experiência individual, configurando uma crítica contundente às ilusões de autonomia promovidas pelo capitalismo.

Bibliografia

    ADORNO, Theodor W. Metaphysics: Concept and Problems. Edição: Rolf Tiedemann. Tradução: Edmund Jephcott. Stanford: Stanford University Press, 2001.

    ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Ruínas do futuro: A era das formas urbanas extremas. Coleção Sentimento da Dialética. SL, 2021​.

    JAMESON, Fredric. “Atualidade de Sartre”. In: SARTRE, Jean-Paul. O que é a subjetividade?. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

    JAMESON, Fredric. A estética da singularidade. Peixe Elétrico. Trad. Ricardo Lísias. n. 2, 1ª ed., p. 8-44, 2015. Disponível em: https://www.kobo.com/br/pt/ebook/peixe-eletrico-02-3.

    LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe: estudos sobre a dialética marxista. Livro Eletrônico. Trad. Rodnei Nascimento; Rev. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

    TOSCANO, Alberto; KINKLE, Jeff. Cartographies of the Absolute. Winchester, UK: Zero Books, 2015.

    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 1977.​