Ficha do Proponente
Proponente
- Renato Beaklini (PPGCOM/UFRJ)
Minicurrículo
- Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCOM/UFRJ), na linha Tecnologias da Comunicação e Estéticas. Bolsista CAPES. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV também pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Foi bolsista de Iniciação Científica PIBIC-UFRJ de 2018 a 2020. Pesquisa estéticas de montagem, teoria cinematográfica e imbricações entre cinema e literatura. Rio de Janeiro (RJ). Brasil.
Ficha do Trabalho
Título
- Entre intervalos e sobrevivências: (des)montagem em “Capitu e o Capítulo”
Seminário
- Edição e Montagem audiovisual: reflexões, articulações e experiências entre telas e além das telas
Resumo
- O trabalho analisará a montagem de “Capitu e o Capítulo” (Julio Bressane, 2021) a partir de sua inclinação metodológica warburguiana. Isto é, de que forma o longa-metragem se constrói em estrutura de colagem, por meio de fragmentos, parataxes e correspondências, de modo a entrever similitudes e latências entre a obra adaptada, “Dom Casmurro”, e a filmografia bressaniana. Delinearemos as possibilidades dessa estética do atlas a partir do paralelo entre a noção de capítulo e a de intervalo.
Resumo expandido
- “Capitu e o Capítulo” (Julio Bressane, 2021) é uma adaptação do romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Como coloca Bressane, trata-se de “uma interpretação, uma distorção” (2021) do livro. A inquietude basilar para a elaboração do projeto remonta à década de 1980, a partir de uma conversa entre o realizador e o poeta Haroldo de Campos. Este teria dito, de acordo com Bressane, a partir de uma espécie de “poema concreto”, que “o importante do ‘Dom Casmurro’ não é a Capitu, é o capítulo” (2021). Guiado por esse aforismo, o diretor realiza, décadas após a conversa, sua leitura cinematográfica experimental do texto machadiano.
A obra se edifica a partir de um triplo núcleo, intercalado, inscrito em uma espécie de montagem expressiva, do tipo paralelo, tal como descrita por Marcel Martin (2003): trata-se de uma montagem baseada na aproximação simbólica. São os núcleos: encenações do conteúdo narrado no romance; a ficcionalização do processo de escrita de “Dom Casmurro”, em que Bentinho, em seu gabinete, fala diretamente à câmera; e incrustações de excertos da filmografia de Bressane. Trata-se de uma estrutura em diferentes registros, que expressa enigmas que “não têm como destino o esclarecimento de uma compreensão imediata” (BRESSANE, 2021).
Ismail Xavier argumenta que, no que concerne a adaptação literária no cinema bressaniano, “não se trata de reproduzir a diegese […]; trata-se de buscar homologias no plano do método construtivo” (2006, p. 17). Xavier afirma que Bressane “traz a mesma inclinação de um Godard na apropriação de imagens e textos” em seus filmes, “incorporando sempre novos interlocutores e ativando um repertório de citações de amplo espectro” (2006, p. 9). A “inclinação” evocada por Xavier para se referir a Bressane é o diagnóstico de uma forma de montar: processo fundamentado em justaposições e parataxes, gerador de inúmeros eixos de referência, sem encadeamentos ou subordinações, por séries descontínuas (XAVIER, 2006).
Em “Capitu e o Capítulo”, identificamos em igual medida o que Vincent Amiel caracteriza como um “tipo de montagem mais próximo da colagem” (2010, p. 50), uma montagem de correspondências, em que os trechos são associados à medida que confrontados enquanto tais. Trata-se de uma organização “à distância que, de longe em longe, cria efeitos sensíveis que provocam eles mesmos relações de significação” (AMIEL, 2010, p. 80). Não se trata, exatamente, de uma estética dos fragmentos, mas de uma estética dos ecos, na qual o capítulo literário é retomado em suas pausas e possibilidades de reverberação.
A estrutura de “Capitu e o Capítulo” é reflexo, argumentamos, de uma metodologia análoga a de Aby Warburg (2009), no caráter material, enumerativo e mesmo cartográfico de seu “Atlas Mnemosyne”. O método warburguiano renuncia ao fechamento de uma síntese, de modo a manter adiado o momento de conclusão: “deixa as coisas em seu estado de divisão ou de ‘desmontagem’ [Zerlegung]” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 61). A “desmontagem” surge como conceito-chave, se considerarmos que Xavier se refere à poética bressaniana na qualidade de uma associação de ideias, uma espécie de “cine-colagem” (2006, p. 13).
A adaptação que “Capitu e o Capítulo” realiza de “Dom Casmurro” evoca sintomas, latências e sobrevivências [Nachleben], termos que emprestamos do método warburguiano. Se “uma obra é construída por frases assim como uma frase é construída por intervalos de movimento” (VIÉRTOV, 2022, p. 62), que tipos de intervalos são intuídos no filme de Bressane? Trata-se de uma transcriação do conceito de capítulo literário? Ursula K. Le Guin questiona: “qual é o ritmo que o leitor silencioso escuta? Qual é o ritmo que o escritor de prosa segue? (2012, p. 152). Perscrutamos, em “Capitu e o Capítulo”, como a relação com o romance adaptado se dá a partir de uma montagem de nexos incógnitos, espasmos e memórias desencontradas, em busca, justamente, de ritmos aproximativos entre o capítulo literário e o intervalo cinematográfico.
Bibliografia
- AMIEL, Vincent. Estética da montagem. Lisboa: Texto & Grafia, 2010.
BRESSSANE, Julio. 10º Olhar de Cinema: Conversa com o filme Capitu e o Capítulo. [Entrevista concedida a Eduardo Valente]. Olhar de Cinema. Curitiba, 2021. Disponível em: https://youtu.be/IxyNfgyiuMY. Acesso em: 24 mar. 2025.
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem-sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
LE GUIN, Ursula K. The wave in the wind: talks and essays on the writer, the reader, and the imagination. Boston: Shambhala Publications, 2012.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.
VIÉRTOV, Dziga. Cine-Olho: manifestos, projetos e outros escritos. São Paulo: Editora 34, 2022.
WARBURG, Aby. Mnemosyne. Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, v. 19, n. 19, p. 125-131, 2009.
XAVIER, Ismail. Roteiro de Júlio Bressane: apresentação de uma poética. ALCEU, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 5-26, 2006.