Ficha do Proponente
Proponente
- Erick Felinto de Oliveira (UERJ)
Minicurrículo
- Erick Felinto é pesquisador 1 do CNPq e Professor Titular da UERJ, onde realiza pesquisas sobre cinema, cibercultura e política. Foi professor visitante na Universität der Künste Berlin, na NYU e na Universidad Nacional de Las Artes (UNA). É autor dos livros A Religião das Máquinas: Ensaios sobre o Imaginário da Cibercultura (Sulina), O Explorador de Abismos: Vilém Flusser e o Pós-Humanismo (Paulus) e A Imagem Espectral: Comunicação, Cinema e Fantasmagoria Tecnológica (Ateliê Editorial).
Ficha do Trabalho
Título
- O Mito da Cidade Perdida no Imaginário Audiovisual da Amazônia
Mesa
- Imaginários Amazônidas: Mitos, Imagens e Zonas de Turbulência
Resumo
- A Amazônia não é somente um território físico e geográfico, senão também um lócus imaginário, permeado de representações sociais e atravessado por anseios, desejos e fábulas, como, por exemplo, a mitologia das antigas cidades perdidas. O objetivo desta apresentação é investigar a permanência dessa imagem no domínio do audiovisual, explorando obras como The Lost World (1925), Lost City of the Jungle (1946), Curse of Akakor (2019) e videos de Youtube sobre Ratanabá.
Resumo expandido
- A Amazônia não é somente um território físico e geográfico, senão também um lócus imaginário, permeado de representações sociais e atravessado por anseios, desejos e fábulas envolvendo visões sobre a natureza, os povos originários e as riquezas da região. Dentre as mitologias mais persistentes associadas à vasta região amazônica, que se espraia por 9 países diferentes, destaca-se a fantasia das cidades perdidas e culturas desaparecidas. Já nos relatos decimonônicos do naturalista alemão Alexander von Humboldt, encontramos figurações desse tropo inesgotável: “o corajoso Felipe de Urre atravessou o Guaviare para descobrir a grande cidade de Manoa. Ainda hoje, os índios de San Jose de Maravitanos dizem que ‘quem viaja para o nordeste por quinze dias no Guape ou Uaupe’, chega a uma famosa Laguna de Oro cercada por montanhas e tão grande que não se pode ver a margem oposta [von Bergen umgeben und so groß sey, daß man das Ufer gegenüber nicht sehen könne]. Um povo selvagem, os Guanes, não permite que o ouro seja coletado no solo arenoso ao redor do lago” (1861, p. 257). Manoa (El Dorado), a cidade perdida de infindáveis riquezas, metamorfoseou-se em “the lost city of Z” nas fantasias do explorador britânico Percy Fawcett e, mais recentemente, em Akakor e na delirante Ratanabá da imaginação bolsonarista. O objetivo desta apresentação é investigar a permanência dessa imagem no domínio do audiovisual, explorando filmes como The Lost World (1925), Lost City of the Jungle (1946) e Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972), documentários como Curse of Akakor (2019) e vídeos no Youtube que mergulham na mitologia de Ratanabá. Parte-se da premissa que o mito exprime o anseio impossível de uma harmoniosa conjunção entre a natureza selvagem e a civilização humana – reduzida frequentemente à noção mercantilista de uma riqueza infindável. A violência irracional da selva é, assim, parcialmente controlada por meio de intermináveis fluxos de capital (igualmente irracionais) e sonhos de ordem civilizatória. Como explicou Stephen Nugent, “descrições cinematográficas da Amazonia fundam-se num repertório familiar de temas e elementos que, mesmo tendo inquestionável precisão em vários aspectos, também distorcem sistematicamente por meio de objetificação” (2016, p. 213). É assim que o mundo colonial frequentemente se articula com as culturas conquistadoras, convertendo-as em objeto de exotismo a ser assimilado. A ideia de um “centro de civilização bem mais avançado” que os atuais (2024, p. 17), como expresso no fantasioso livro de José Arlindo de Oliveira sobre Ratanabá, se materializa nas imagens utópicas de diversos vídeos no Youtube atravessados pelo clássico mito político da idade de ouro (Girard, 1987), mas agora colorido pelo complexo de inferioridade de nações subdesenvolvidas em relação às metrópoles do primeiro mundo. Dissecar a construção imagética e imaginária das míticas cidades amazônicas perdidas envolve, assim, uma práxis política capaz de revelar “uma certa forma de leitura da história, com seus esquecimentos, suas rejeições e suas lacunas” (Girard, 1987, p. 98). Tal dissecação constitui, cremos, parte fundamental do processo de construção de uma contramitologia assentada em ideais anti-extrativistas, de valorização das culturais originárias e de preservação das potências naturais da Amazônia. Com isso, almeja-se também devolver ao imaginário amazônico a “violenta vida sensorial” dessas paisagens que, para Mário de Andrade, exprimem certa brutalidade coisal das realidades da região (2015, p. 188).
Bibliografia
- Andrade, Mário de (2015). O Turista Aprendiz. Brasília: Iphan.
Arlindo de Oliveira, José (2024). Ratanabá, a Cidade Perdida (publicação independente). Amazon Books (Kindle Edition).
Batista, Djalma (2003). Amazonia – Cultura e Sociedade. Manaus: Valer.
Girardet, Raoul (1987). Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras.
Gondin, Neide (2019). A Invenção da Amazônia. Manaus: Valer.
Kopenawa, Davi & Albert, Bruce (2015). A Queda do Céu: palavras de um xamã yanomami”. São Paulo: Companhia das Letras.
Nugent, Stephen (2016). Scoping the Amazon: Image, Icon, Ethnography. London: Routledge.
Tsing, Anna Lowenhaupt (2004). Friction: An Ethnography of Global Connection. Princeton: Princeton University Press.
Von Humboldt, Alexander (1861). Reise in die Aequinoxail-Gegenden des neuen Continents. Stuttgart: J. G. Gottaschen Buchhandlung.