Trabalhos aprovados 2025

Ficha do Proponente

Proponente

    Natasha Roberta dos Santos Rodrigues (Unicamp)

Minicurrículo

    Bacharel em Comunicação Social – Midialogia e Mestra em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Doutoranda em Multimeios pela Unicamp. Dissertação premiada em 2024 pela SOCINE como Melhor Produção – Nível Mestrado. Dirigiu os curtas “Cabeças Falantes” (2017), “àprova” (2020) e “Espaço Dentro” (2023). Fez parte do Programa de Treinamento Estudantil do Centro para Imaginação Crítica: Economia Política e Cidadania (CCI/Cebrap).

Ficha do Trabalho

Título

    O tempo no cinema de André Novais: a lentidão como resistência à sujeição neoliberal.

Seminário

    (Re)existências negras e africanas no audiovisual: epistemes, fabulações e experiências

Resumo

    A afirmação do trabalho de André Novais no cinema negro fala da necessidade de reconhecer pessoas negras no audiovisual brasileiro. A especificidade de sua obra permite, porém, invocar análises intercruzadas com outros campos da teoria do cinema. Diante de uma racionalidade neoliberal empreendedora e hiperprodutivista, a lentidão, no cinema feito por Novais, pode oferecer uma proposta artística crítica e resistente a tal dinâmica social e subjetiva.

Resumo expandido

    O diretor André Novais, além de ser reconhecido como cineasta referência do cinema contemporâneo brasileiro, se destaca por se tratar de uma pessoa negra, presença ainda bastante ausente no cinema nacional, em especial na direção de longas-metragens. Por essa razão, o trabalho do cineasta costuma ser afirmado no movimento cultural conhecido como cinema negro, que se esforça pela inserção de pessoas negras no mercado e no cenário do cinema nacional, bem como no imaginário de cidadania. A produção de André Novais parece caminhar cada vez mais para uma poética particular, cujo relevo do tempo e seu aspecto desacelerado se tornam elemento expressivo em suas obras.
    Embora a ausência de pessoas negras nos papeis decisivos do audiovisual seja evidente, um movimento cultural de resistência tem se anunciado há pelo menos cinco décadas. O direito à autorrepresentação se torna elemento central na conjugação de um cinema negro contemporâneo, que vem acompanhado por disputas de pessoas negras em diferentes frentes, como a difusão, a pesquisa, o cineclubismo, a curadoria, a crítica, entre outros. No campo reflexivo, as discussões sobre essa produção também se pluralizam; para Oliveira e Cohen (2020), o cinema negro diz de um movimento consolidado. Embora este cinema esteja comprometido com o combate ao racismo, as produções de autoria negra, que se focam em vivências negras, podem, segundo Freitas (2018), se sobressair por aspectos estéticos, na medida em que fabulam questões de identidade racial. Neste sentido, a afirmação de um cinema negro deve expandir-se para o reconhecimento de idiossincrasias estéticas e políticas de cineastas negros e negras.
    Acerca da dimensão temporal no cinema, o Slow Cinema (ou cinema lento) compreende um movimento intercultural recente, “cujo objetivo é resgatar estruturas temporais estendidas do ritmo acelerado do capitalismo tardio” (Luca; Nuno, 2016, p. 3). Os autores afirmam que a lentidão se amplia para aspectos como o silêncio, a quietude, o demorar-se em cenários locais e suas tradições, o minimalismo, entre outras características. Na medida em que rompem com “a supremacia histórica e geopolítica de um cinema narrativo informado pelos princípios de funcionalidade e eficiência” e que apontam “para um conjunto maior de ansiedades e suspeitas em torno do tempo lento na modernidade capitalista” (p. 29), tal movimento trata de uma produção na qual o tempo considerado desperdiçado ou inútil ganha espaço.
    O avanço do capitalismo para sua forma atual, o neoliberalismo, traz consigo estruturas de dominação social reconfiguradas – dentre elas uma política temporal -, que infundem diretamente em novas formas psíquicas de sujeição. Os chamados dispositivos de eficácia neoliberais visam instituir formas de controle do corpo e da mente, determinando modos de organização do trabalho, da morada, do lazer e do descanso, que estejam de acordo com o ideal do homem produtivo e calculador (Dardot; Laval, 2019). A política temporal neoliberal de constante eficiência e desempenho desintegra o tempo do outro e, consequentemente, o tempo do encontro, da interação e do coletivo (Han, 2021). Refém do trabalho e da produtividade empreendedora, o século XXI se intoxica de um tempo vazio e sem sentido, um tempo doente e adoecedor.
    Desse modo, acredita-se que os trabalhos recentes de André Novais se esboçam enquanto poética resistente a essa racionalidade neoliberal. Florescendo a grandeza das coisas singelas, seu trabalho faz frente à desconexão de sentido gerada pela aceleração, à individualização resultante do fortalecimento do neoliberalismo, à dominação psíquica imposta por esta racionalidade e suas formas culturais e à homogeneização da forma cinematográfica. É neste lugar de diálogo abrangente com fenômenos políticos, econômicos e culturais contemporâneos que seu trabalho se encontra.

Bibliografia

    DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A fábrica do sujeito neoliberal. In: ________. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016.
    FREITAS, Kênia. Cinema Negro Brasileiro: Uma Potência de Expansão Infinita. In: SIQUEIRA, A. [et al]. Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (catálogo). Belo Horizonte: Fundação Clóvis Salgado, 2018.
    HAN, Byung-Chul. Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo. Petrópolis: Editora Vozes, 2021.
    LUCA, Tiago de; JORGE, Nuno Barradas. Slow Cinema. Edinburgh: University Press, 2015.
    OLIVEIRA, Janaína; COHEN, Mark. With the Alma no Olho: Notes on Contemporary Black Cinema. Berkeley, Film Quarterly: vol. 74, Issue 2, 2020, p. 32-38. Disponível em: Acesso: out. 2024.