Ficha do Proponente
Proponente
- Angela Nelly dos Santos Gomes (UFPA)
Minicurrículo
- Paraense da Amazônia profunda, é professora do curso de graduação em Cinema e Audiovisual da UFPA. Doutora em Comunicação (UFPA). Pesquisa cinemas indígenas da Amazônia e políticas públicas do cinema e audiovisual. Roteirista, documentarista, produtora e jornalista.
Ficha do Trabalho
Título
- O cinema-território dos cineastas Mebêngôkre-Kayapó como prática enraizada no território de vida
Seminário
- Cinemas, Comunidades, Territórios: interpelações aos gestos analíticos
Resumo
- Este trabalho refere-se à minha tese defendida em agosto de 2024 no PPGCOM-UFPA, que trata dos sentidos de resistência no cinema do Coletivo Beture de cineastas Mebêngôkre-Kayapó do Pará. Para esta comunicação trago um recorte sobre um aspecto que denomino cinema-território dos Mebêngôkre, em que abordo a relação intrínseca de sua produção com o território de vida, o que evidencia como a luta contínua por direitos influencia e constitui essa produção como uma prática enraizada no território.
Resumo expandido
- Este trabalho traz um recorte de um dos capítulos de minha tese defendida em agosto de 2024 no PPGCOM-UFPA, cujo tema de pesquisa versa sobre os sentidos de resistência nos filmes e práticas de produção do Coletivo Beture, grupo de cineastas Mebêngôkre (Kayapó) do Pará. Para esta apresentação abordo o que denomino cinema-território dos Mebêngôkre-Kayapó, em que trato da relação intrínseca da produção audiovisual do grupo com o seu território de vida, ou o território usado (Santos, 2005 [1994], p.235). Analiso como a luta contínua por direitos influencia a inserção do cinema entre esse povo, e como o constitui como uma prática enraizada no território-corpo (da terra) e no corpo-território (indígena) (Haesbaert, 2020).
Analisando o processo histórico de ocupação da Amazônia brasileira percebe-se que há uma conexão com o desenvolvimento do cinema indígena na região, pois esse processo produz uma intersecção entre as lutas de resistência indígena e a inserção do cinema entre o povo Mebêngôkre-Kayapó. A história de luta e resistência está na raiz da relação histórica dos Kayapó com a imagem e o cinema, o que originou a primeira geração de cineastas indígenas do país nas décadas de 1980-90, exatamente entre esse povo. Hoje uma nova geração se organiza e se constitui no Coletivo Beture.
Portanto, é a partir da Amazônia que ocorre a introdução das práticas audiovisuais entre os povos indígenas no Brasil. Como indica parte da literatura visitada sobre o tema (Turner, 1991, 1993, 2003; Carelli, 2004; Araújo, 2019), e corroborada por minha pesquisa, o cinema e o audiovisual em geral já estão incorporados na organização política e social do povo Mebêngôkre. Eles são pioneiros na relação com a imagem ou o cinema na Amazônia(s), como protagonistas ou como produtores de suas próprias imagens, a partir de projetos em parceria com pesquisadores, jornalistas e cineastas não indígenas. Assim, as lutas de resistência empreendidas por esse povo ao longo do processo histórico de colonização e contato no país, e na Amazônia em particular, são acionadas neste cinema, tornando esta uma produção imbricada no território.
Nesse sentido analiso as práticas fílmicas, o modo de organização e as variações que ocorrem nas experiências de cinema do Coletivo Beture, para compreender as relações com as questões sócio-históricas, políticas e culturais entrelaçadas. Analiso dois filmes do coletivo para refletir essa relação, assim como entrevistas com os cineastas e dados trazidos da observação em campo, o que permite evidenciar a íntima relação deles com o chão de seu território. Território que não é apenas espaço físico e geográfico onde se dá e se constrói seu modo de vida e suas relações cotidianas de subsistência, mas também e ao mesmo tempo é lugar ancestral, intrínseco a seu modo de ser/viver/estar/sentir/pensar/agir, que em mebêngôkre se traduz como kukradjà.
Assim eles fazem esse cinema-território que nasce e se desenvolve de forma entrelaçada com o território-corpo e com o corpo-território, com a realidade vívida e vivida de cada aldeia e da etnia; que se reflete no modo de fazer e na poética dos filmes, na maneira de espalhar e fruir suas próprias produções internamente ou na forma de se dar a ver ao público não indígena.
Portanto, o território tem centralidade na produção do Beture sob diversos aspectos; como local de produção, como lugar onde se desenvolve a imagem ou cena fílmica, como espaço de origem e vivência de seus cineastas, ou como tema da narrativa. É onde nasce o filme e para onde retorna, nas exibições a partir do “espalhamento” das imagens entre eles, as aldeias e os parentes. Mas também está presente na sua dimensão mais sensível e simbólica ligada à identidade e pertencimento, demonstrando uma organicidade entre os propósitos de fazer cinema e ser Mebêngôkre, pois como diz Krenak (2021), o ser indígena não se dissocia do território e, em consequência, nem de suas lutas inerentes.
Bibliografia
- ARAÚJO, Juliano José de. Cineastas indígenas, documentário e autoetnografia: um estudo do projeto Vídeo nas Aldeias. Bragança Paulista-SP: Margem da Palavra, 2019.
CARELLI, Vincent. Moi, un Indien. Catálogo Mostra Vídeo nas Aldeias. Centro Cultural do Banco do Brasil. 2004. p. 21-32.
GOMES, Angela. O cinema de luta dos Mebêngôkre-Kayapó: as múltiplas dimensões de resistência nos filmes e práticas de produção do Coletivo Beture. Tese. UFPA, Belém, 2024. Disponível em: https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/16680
HAESBAERT, Rogério. Do corpo-território ao território-corpo (da terra): contribuições decoloniais. GEOgraphia, v.22, n.48, 2020.
KRENAK, Ailton. Intuir mitologias: audiovisual indígena, um cinema de ação. In: DUARTE, Daniel R.; ROMERO, Roberto; TORRES, Junia. (coord.). Cosmologias da imagem: cinemas de realização indígena. Belo Horizonte: Filmes de Quintal, 2021.
SANTOS, Milton. O retorno do território. In:Observatório Social de América Latina, v.6, n.16. CLACSO 2005[1994