Ficha do Proponente
Proponente
- Karla Holanda (UFF)
Minicurrículo
- Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine) e do Departamento de Cinema e Vídeo, da Universidade Federal Fluminense, é pesquisadora Jovem Cientista do Nosso Estado/Faperj. É organizadora do livro “Mulheres de cinema” (Numa, 2019) e coorganizadora de “Feminino e Plural: mulheres no cinema brasileiro” (Papirus, 2017), dentre outras publicações. É também cineasta, tendo dirigido, dentre outros filmes, “Kátia” (2012).
Ficha do Trabalho
Título
- Encontros renovados e implicados no cinema do fim do mundo
Resumo
- Partindo do princípio de que tudo está implicado e que os menores padrões possíveis para a análise são as relações, proponho abordar dois filmes aparentemente díspares. Como organismos vivos, os filmes, vistos sob determinados cotejamentos, têm potencial de revelar conexões, muitas vezes inesperadas. Essa é a ideia do método implicado, cujo objetivo é não perder de vista a compreensão da matriz que origina determinados fatos históricos, sendo também um artifício para estudar mulheres no cinema.
Resumo expandido
- Nesta comunicação, pretendo cotejar dois filmes: um filme ensaístico, de natureza experimental, Serpent rain (Denise Ferreira da Silva e Arjuna Neuman, 2016), e um documentário na primeira pessoa, Fico te devendo uma carta sobre o Brasil (Carol Benjamin, 2019). A escolha dessas obras é quase aleatória, o que interessa é promover encontros entre filmes e daí verificar o que pode surgir dessas relações. Isso não significa que todos os encontros têm finalidade ou resultados assegurados. O que resulta do encontro entre eles pode ter variados graus de intensidade e fricção.
A ideia de “fim de mundo”, mais viva nos últimos anos, sobretudo pelas perturbadoras mudanças climáticas e também pelo impacto do livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019), de Ailton Krenak, pode soar inadequada por correr o risco de se levar à apatia ao invés de ações. De toda forma, o que interessa do termo é que ele revela desgaste em certos modos de viver e pensar, o que suscita pulsão por respostas renovadas. Entre essas respostas, extrapolar o pensamento moderno se mostra urgente (Ferreira da Silva, 2019; Stengers, 2002). O projeto da modernidade impôs epistemologias baseadas em binarismos – homem/mulher, heterossexualidade/homossexualidade, branco/negro, homem/natureza, natureza/cultura, centro/periferia, ciências humanas/ciências exatas, etc. Essa forma de organizar as relações se baseia na lógica da superioridade versus inferioridade. Não questionar as diferenças geradas por essas categorias, tratando-as isoladamente, não explica como as sociedades se estruturam e isso não contribui para que estratégias sejam formuladas para enfrentar desequilíbrios (Haider, 2019). Ao se isolarem fatos históricos no tempo e no espaço, retira-se deles a compreensão da matriz que os origina (Ferreira da Silva, 2019); é importante identificar a implicação que os une. Haraway (2022) diz que os padrões de relacionalidade devem ser repensados e que os menores padrões possíveis para a análise são as relações, ou seja, “tudo que é é fruto de devir-com”.
Com isso em mente, buscando novos caminhos de análise, esta abordagem pretende tensionar os dois filmes, esperando conexões renovadas, mesmo que imprevisíveis. Trata-se do que chamo método implicado, um procedimento que venho experimentando a aplicabilidade. A hipótese inicial com os exemplos dos filmes propostos aqui é que o que pode se depreender desse encontro, o elo que encontra as duas obras, é a implicação de alguns eventos, como a violência do estado, que vai além de sua circunscrição no tempo e no espaço, associando a noção do tempo em constante loop.
Além disso, esse método é um artifício – de largada, constrangedor por sua necessidade -, de se abordar as mulheres no cinema sem alardear isso em primeiro plano. Como temos percebido, apesar do escandaloso tamanho da desigualdade no tratamento entre gêneros e da expansão da misoginia em nosso país nos últimos anos, sobretudo promovida pelas redes sociais, muitos pares não se afetam pela gravidade da história das mulheres. Assim, deslocando a ênfase no sujeito mulher, abordamos o cinema feito por elas.
Bibliografia
- FERREIRA DA SILVA, Denise. A dívida impagável. São Paulo: Oficina de Imaginação Política e Living Commons, 2019.
HAIDER, Asad. Armadilha da identidade: raça e classe nos dias de hoje. São Paulo: Veneta, 2019.
HARAWAY, Donna. Quando as espécies se encontram. São paulo: Ubu editora, 2022.
HOLANDA, Karla. Cristais de sangue: resistência no cinema brasileiro feito por mulheres em uma análise implicada. In: Rebeca, v. 13, n. 2, 2024.
TSING, Anna. O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo. São Paulo: n-1 edições, 2022.
MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.
STENGERS, Isabelle. A invenção das ciências modernas. São Paulo: Ed. 34, 2002.