Ficha do Proponente
Proponente
- Ignacio Del Valle Dávila (UNICAMP)
Minicurrículo
- Professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação e do PPG Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp. Doutor em Cinema pela Université Toulouse 2 Le Mirail, é autor dos livros Cámaras en trance: el nuevo cine latinoamericano (Chile, 2014), Le Nouveau Cinéma Latino-américain (1960-1974) (França, 2015), co-autor do livro Guzmán: El botón de nácar (França, 2020). É lider do Grupo de Pesquisa CNPq História, memória e transferências culturais no cinema brasileiro e latino-americano.
Ficha do Trabalho
Título
- A temática “civil-militar” no documentário chileno contemporâneo sobre a ditadura
Seminário
- Cinema e audiovisual na América Latina: novas perspectivas epistêmicas, estéticas e geopolíticas
Resumo
- No documentário chileno, a partir de 2010, observa-se um auge de produções relacionadas à responsabilidade de civis na ditadura. O interesse por essa temática surge como resposta à vitória da direita em 2010 e à chegada ao poder de ex-colaboradores da ditadura. Coincide também com a introdução do conceito de ‘ditadura civil-militar’ no Chile. Para analisar o fenômeno, estudarei a representação do civil-militar nos documentários El mocito (2011), El pacto de Adriana (2017) e Chicago Boys (2015).
Resumo expandido
- Nesta apresentação, analisarei três documentários chilenos que abordam a participação dos civis na ditadura, produzidos na década passada, período em que essa temática atingiu seu auge. São eles El mocito (Marcela Said e Jean de Certeau, 2011), El pacto de Adriana (Lissette Orozco, 2017) e Chicago Boys (Carola Fuentes e Rafael Valdeavellano, 2015).
Desde o retorno à democracia, em 1990, os cineastas chilenos que abordaram o passado ditatorial enfatizaram os aspectos relacionados às violações dos direitos humanos perpetradas pelas Forças Armadas. No início, essa produção buscava romper o silêncio em torno da memória dos crimes da ditadura, que caracterizou os primeiros anos da transição democrática (Mouesca, 2005). No entanto, ao longo das décadas de 1990 e 2000, a responsabilidade dos militares pelas violações dos direitos humanos no Chile foi progressivamente reconhecida pelo Estado chileno por meio de políticas de memória, como o Informe Rettig (1991), a Comissão Valech I e II (2003, 2004) e a criação do Museu da Memória e dos Direitos Humanos (2010). Nesse novo contexto, no meio acadêmico e entre alguns cineastas, como Marcela Said, começou a crescer o interesse em discutir a colaboração dos civis com a ditadura, incluindo políticos e grupos econômicos. Ganhava força a análise das consequências econômicas e sociais dessa colaboração, uma vez que o país manteve o sistema neoliberal imposto pelo regime ditatorial. Esse interesse cresceu após a primeira vitória de Sebastián Piñera nas eleições presidenciais (2010), pois tratava-se de um empresário que havia se enriquecido durante a ditadura. Com ele, chegaram ao governo partidos políticos que incluíam, entre seus membros, muitos civis que haviam participado da institucionalidade da ditadura (Del Pozo, 2018).
Nesse contexto, para enfatizar a participação de muitos civis no regime liderado por Augusto Pinochet, começou-se a empregar o conceito de ditadura “civil-militar”. O termo provinha da Argentina, onde surgiu no calor dos debates sobre a responsabilidade dos grupos econômicos durante a última ditadura (Franco, 2016). A partir daí, difundiu-se para outros países do Cone Sul, como Brasil e Chile. No caso chileno, o conceito emergiu no debate público por volta de 2013, no contexto das comemorações dos quarenta anos do golpe de Estado, e continua em evidência até hoje, tendo um momento de auge em 2019, com o chamado estallido social – termo utilizado para se referir às manifestações contra o modelo neoliberal e a constituição da ditadura.
No documentário chileno, o aumento do interesse pelo papel dos civis na ditadura está ligado aos debates públicos sobre essa mesma questão. Como veremos a partir dos três filmes analisados esse interesse perpassa tanto o documentário em primeira pessoa da segunda geração (El pacto de Adriana) quanto o documentário observacional (El mocito) e até mesmo formas mais tradicionais, como o documentário expositivo (Chicago Boys), estando, assim, presente no que poderíamos considerar como diferentes modelizações da memória no documentário (Del Valle-Dávila, Salinas, Stange, 2024). Nesse sentido, o cinema contribui para estimular o debate público e fomentar um imaginário audiovisual sobre a colaboração civil.
Nesta apresentação, argumento que as principais dimensões dessa colaboração abordadas pelo cinema são, em primeiro lugar, a participação civil nos órgãos de repressão e, em segundo lugar, a responsabilidade civil na imposição do modelo neoliberal. A primeira dessas questões já foi analisada por estudos sobre os perpetradores (Dalla Porta, Sagredo, 2022); no entanto, interessa-me abordá-la a partir de uma perspectiva mais ampla, relacionada ao colaboracionismo civil, pois sustento que as figuras do perpetrador, que atuou nos porões, e do tecnocrata, que operou nos ministérios, não deveriam ser completamente dissociadas. Desse modo, analisarei como essas questões são abordadas em três documentários com propostas estéticas e discursivas diferentes.
Bibliografia
- DALLA PORTA, Constanza; SAGREDO, Omar. El estudio de los perpetradores de la dictadura en Chile. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, n. 16, p. 76-108, 2022. Disponível em: https://fh.mdp.edu.ar/revistas/index.php/sudamerica/article/view/6011/6373.
DEL POZO, José. Diccionario histórico de la dictadura cívico-militar en Chile Período 1973-1990 y sus prolongaciones até hoje. Santiago: LOM, 2018.
DEL VALLE DÁVILA, Ignacio; SALINAS, Claudio ; STANGE, Hans . Pactos interpretativos no cinema documentário chileno: história, memória e suas hibridações. Galáxia, v. 49, p. 1-19, 2024.
FRANCO, Marina. La noción de ‘dictadura cívico-militar’. In: FLIER, Patricia (org.). Mesas de debate de las VII Jornadas de Trabalho sobre História Reciente. La Plata: Universidad Nacional de la Plata, 2016. p. 69-90.
LAZZARA, Michael. El fenómeno Mocito (Las puestas en escena de un sujeto cómplice). A Contracorriente, n. 12, p. 89-106, 2014.
MOUESCA, Jacqueline, El documental chileno, Santiago, Lom, 2005