Ficha do Proponente
Proponente
- Marina Morena Silva Carmo (UFBA)
Minicurrículo
- Mamô Carmo é bacharel em Antropologia pela UFMG. Pesquisa as relações entre corpo, raça, gênero e sexualidade em narrativas audiovisuais e a potência da criação de mundos a partir da imaginação. Ex-integrante da coletiva/laboratório Claquete Lésbica, atualmente é mestrande em Culturas da Imagem e Som no Póscom/UFBA. Integra o grupo (An)arqueologias do Sensível, onde desenvolve uma investigação do uso de elementos afro-surrealistas no cinema para a produção de novas possibilidades de existência.
Ficha do Trabalho
Título
- Imaginando brechas: Elementos Afro-Surrealistas no Cinema Negro
Seminário
- (Re)existências negras e africanas no audiovisual: epistemes, fabulações e experiências
Resumo
- Esta comunicação propõe comparar o uso de elementos afro-surrealistas em filmes que tensionam questões raciais. Considerando Nanny (2022); Atlantique (2019); M8 (2019) e Candyman (2022), diferencio presenças fantasmagóricas, devaneios materializados e fragmentações identitárias. Investigo como o uso do Afro-Surrealismo no cinema pode ser uma ferramenta de sobrevivência em um mundo anti-negro, criando brechas que geram novas possibilidades de existir.
Resumo expandido
- A proposta aqui é voltar o olhar para o cinema ficcional feito por pessoas negras e comparar o uso de elementos afro-surrealistas – elencados em três chaves: (1) Assombrológico; (2) Onírico; (3) Fragmentação – em filmes que tensionam a realidade ligada a questões raciais, pensando a imaginação como um exercício emancipatório para criar novas possibilidades de existência. Trabalharemos com os longas Nanny (2022); Atlantique (2019); M8- Quando a morte socorre a vida (2019); Candyman (2022), identificando e caracterizando os elementos afro-surrealistas, por exemplo: (1) nas presenças que assombram e por vezes possuem as personagens; (2) nos devaneios que vão se materializando e rompendo a linha do real; (3) nas fragmentações de identidades individuais que acabam se confundindo e se misturando com marcas de uma experiência coletiva que atravessa o corpo racializado. Voltamos o olhar para os momentos em que os filmes utilizam a linguagem cinematográfica para materializar esses elementos, não se tendo, portanto, a pretensão de analisar as obras por completo.
O Afro-Surrealismo surge como um movimento que volta o protagonismo para pessoas negras e grupos minorizados. Não há uma conceituação fechada sobre ele ou uma definição epistemológica estrita do termo. Marcado pela pela publicação do “Manifesto Afro-Surreal”, de D. Scott Miller, em 2009, é um movimento que para além de estético tem cunho político. A proposta do Afro-Surrealismo não é limitada a pessoas negras. No próprio Manifesto, Miller declara que os afro-surrealistas são ambíguos e menciona também asiáticos, latinos, mulheres e pessoas queer, porque somente através da fusão e da troca poderá haver esperança de libertação. Para fins de recorte, nessa pesquisa interessa o Afro-Surrealismo como uma forma de escancarar a surrealidade que caracteriza existir enquanto sujeito negro em um mundo anti-negro. É trazer essa experiência para o centro tensionando a ideia de realidade porque para sobreviver nesse contexto, brechas e fugas precisam ser criadas para gerar possibilidade.
Quando Kilomba (2020) discute o processo de “outrorização”, refere-se a projeções perpetradas pela branquitude sobre sujeitos negros, colocando-os como encarnação de tabus e de tudo aquilo a que o sujeito branco não quer ser relacionado. Dessa forma, o sujeito branco, a partir de uma ficcionalização, escolhe vivenciar apenas o que considera positivo, opondo-se ao Outro, atribuindo-lhe tudo o que considera negativo e desumano. A negação e projeção citadas por Kilomba começam a se formar no processo dos primeiros contatos de navegadores europeus com povos indígenas e africanos que culmina na desumanização do corpo e da subjetividade negra, na tríplice destituição da escravidão transatlântica apontada por Mbembe (2016). Desta maneira, criam-se sujeitos incompletos, porque se, socialmente, resta ao sujeito negro viver o papel de Outro, ele é limitado. A ele é negada inclusive a ideia de possibilidade, da criação de brechas e fluxos que permitam uma existência fora dos estereótipos racistas.
A problemática relação cinema, raça e representação já foi explorada por vários pensadores (hooks, 2019; Bueno, 2020; Hall, 2016; Fanon, 2008; Carvalho e Domingues, 2018; Barros e Freitas, 2018; Freitas e Messias, 2018). A forma como o negro foi historicamente representado no cinema diz sobre a forma como ele foi concebido nesse imaginário social. A frustração do contato com representações contribui para os danos da percepção do sujeito negro sobre si e sobre o mundo. Coleman (2019) relata a experiência de assistir Jurassic World, o quanto foi aterrorizante e incômodo as mortes violentas e desnecessárias de pessoas negras ao longo do filme. Enquanto outros espectadores se divertiam com o desenrolar das crianças e dos dinossauros no filme, ela lidava com o luto. Isso causa um grande vácuo entre como o sujeito se vê e como é percebido na sociedade, criando a experiencia surreal que é ser negro em um mundo anti-negritude.
Bibliografia
- BARROS, L. M.; FREITAS, K.. Experiência estética, alteridade e fabulação no cinema negro. Revista ECO-PÓS, vol. 21, n.3: 97-121, 2018.
BUENO, W.. Imagens de controle: um conceito de Patricia Hill Collins. POA: Editora Zouk, 2020.
CARVALHO, N. S. e DOMINGUES, P.. DOGMA FEIJOADA: A invenção do Cinema Negro Brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 33, n. 96: 1-12, 2018.
COLEMAN, R. R. M.. Horror Noire: a representação negra no cinema de terror. RJ: Darkside Books, 2019.
FANON, F.. Pele negra máscaras brancas. SSA: EDUFBA, 2008.
FREITAS, K..; MESSIAS, J.. O futuro será negro ou não será: Afrofuturismo versus Afropessimismo – as distopias do presente. Das Questões, vol. 6, n. 1, 2018.
HALL, S.. Cultura e Representação. RJ: Editora Apicuri, 2016.
HOOKS, b.. olhares negros: raça e representação. SP: Elefante, 2019.
MBEMBE, A.. Necropolítica. Revista Arte & Ensaios, n.32: 123-151, 2016.
MILLER, D. S. Afrosurreal Manifesto: Black Is the New Black—A 21st-Century Manifesto. 2009.